sábado, 15 de novembro de 2025

"A senhora de Idade" - Poema de Fernanda de Castro

 


José Malhoa (Pintor, desenhador e professor português, 1855–1933),
A Mulher do Gato, s.d., Museu de José Malhoa.


A senhora de Idade

A Senhora de idade,
de tão bons sentimentos,
tão bonitas maneiras,
vive dos rendimentos. 
Vive, não, sobrevive.
A roupa está no fio,
tem, porém, o seu brio,
não se queixa a ninguém. 
Vive triste, sozinha,
e pouco sai de casa
porque o barulho a arrasa.
Depois, sair com quem? 
Não tem filhos, é viúva
e teme a solidão,
receia o vento, a chuva.

Apetece-lhe, às vezes,
ver os barcos no rio,
os pombos no Rossio,
mas não, custa-lhe a andar,
o calçado está caro
e cada mês que passa
o dinheiro é mais raro. 
Mas de que vive então?
De alguns copos de leite,
de chá e de tisanas,
de pão e duma sopa,
a mesma, quase a mesma,
semanas e semanas.

Vai à missa, ao domingo,
e às vezes, quando há sol
ou cheira a maresia,
compra um fruto, uma flor,
para ter companhia. 
Que lhe resta, coitada,
à Senhora de idade?
Resta-lhe pouco ou nada,
porém resta-lhe tudo: 
Uma grande saudade,
um sofrimento mudo
que é reserva e pudor,
às vezes uma flor,
e a sua dignidade. 


Fernanda de Castro, in Urgente, 1989,
Lisboa, Guimarães Editores, 1ª Edição. 
 

Sem comentários: