terça-feira, 29 de novembro de 2011

"Análise" - Poema de Fernando Pessoa


Imagem de Sarolta Bán



Análise


Tão abstrata é a ideia do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica em meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a ideia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
A ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que sinto que sonho o que me sinto sendo. 


Fernando Pessoa 


Imagem de Sarolta Bán
 

  • "Educação nunca foi despesa. Sempre foi investimento com retorno garantido." - Arthur Lewis

William Arthur Lewis (Castries, 23 de Janeiro de 1915 — Bridgetown, 15 de Junho de 1991) foi um economista britânico. Foi laureado com o Prémio Nobel da Economia em 1979, juntamente com o norte-americano Theodore Schultz, pelos seus estudos sobre o desenvolvimento económico e pela construção de um novo modelo descritivo das relações comerciais entre os países menos e mais desenvolvidos. 

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

"Adeus" - Poema de Eugénio de Andrade


Pierre-Auguste Renoir (1841-1919), Dance at Bougival, 1882–1883



Adeus 


Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, 
e o que nos ficou não chega 
para afastar o frio de quatro paredes. 
Gastámos tudo menos o silêncio. 
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, 
gastámos as mãos à força de as apertarmos, 
gastámos o relógio e as pedras das esquinas 
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras 
e não encontro nada. 
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro! 
Era como se todas as coisas fossem minhas: 
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes! 
e eu acreditava. 
Acreditava, 
porque ao teu lado 
todas as coisas eram possíveis. 
Mas isso era no tempo dos segredos, 
no tempo em que o teu corpo era um aquário, 
no tempo em que os meus olhos 
eram peixes verdes. 
Hoje são apenas os meus olhos. 
É pouco, mas é verdade, 
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras. 
Quando agora digo: meu amor..., 
já se não passa absolutamente nada. 
E no entanto, antes das palavras gastas, 
tenho a certeza 
de que todas as coisas estremeciam 
só de murmurar o teu nome 
no silêncio do meu coração. 
Não temos já nada para dar. 
Dentro de ti 
não há nada que me peça água. 
O passado é inútil como um trapo. 
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.


Eugénio de Andrade,
 in “Poesia e Prosa”

"Gosto quando te calas" - Poema de Pablo Neruda


Carl Schweninger der Jüngere (Austrian painter, 1854–1903), The Rendezvous



Gosto quando te calas 


Gosto quando te calas porque estás como ausente
e me escutas de longe; minha voz não te toca.
É como se tivessem esses teus olhos voado,
como se houvesse um beijo lacrado a tua boca.

Como as coisas estão repletas de minha alma,
repleta de minha alma, das coisas te irradias.
Borboleta de sonho, és igual à minha alma,
e te assemelhas à palavra melancolia.

Gosto quando te calas e estás como distante.
Como se te queixasses, borboleta em arrulho.
E me escutas de longe. Minha voz não te alcança.
Deixa-me que me cale com teu silêncio puro.

Deixa-me que te fale também com teu silêncio
claro qual uma lâmpada, simples como um anel.
Tu és igual a noite, calada e constelada.
Teu silêncio é de estrela, tão remoto e singelo.

Gosto quando te calas porque estás como ausente.
Distante e triste como se tivesses morrido.
Uma palavra então e um sorriso bastam.
E estou alegre, alegre por não ter sido isso. 


in '20 Poemas de Amor e uma canção desesperada'
Tradução de Domingos Carvalho da Silva


domingo, 27 de novembro de 2011

"Não és tu" - Poema de Almeida Garrett

 
Évariste Carpentier, Promenade en bord de mer (Menton, 1888)



Não és tu 


Era assim, tinha esse olhar, 
A mesma graça, o mesmo ar, 
Corava da mesma cor, 
Aquela visão que eu vi 
Quando eu sonhava de amor, 
Quando em sonhos me perdi.

Toda assim; o porte altivo, 
O semblante pensativo, 
E uma suave tristeza 
Que por toda ela descia 
Como um véu que lhe envolvia, 
Que lhe adoçava a beleza. 

Era assim; o seu falar, 
Ingénuo e quase vulgar, 
Tinha o poder da razão 
Que penetra, não seduz; 
Não era fogo, era luz 
Que mandava ao coração. 

Nos olhos tinha esse lume, 
No seio o mesmo perfume, 
Um cheiro a rosas celestes, 
Rosas brancas, puras, finas, 
Viçosas como boninas, 
Singelas sem ser agrestes. 

Mas não és tu... ai!, não és: 
Toda a ilusão se desfez. 
Não és aquela que eu vi, 
Não és a mesma visão, 
Que essa tinha coração, 
Tinha, que eu bem lho senti.

in 'Folhas Caídas


Michael Bolton - Said I Loved You... But I Lied


"Resgate" - Poema de Pedro Homem de Mello


Adriaen van der Werff (Dutch painter, 1659–1722), Self-portrait, 1699



Resgate 


Não sou isto nem aquilo 
É o meu modo de viver 
É, às vezes, tão tranquilo 
Que nem chega a dar prazer... 

Todavia, onde apareço, 
Logo a paz desaparece 
E a guerra que não mereço 
Dá princípio à minha prece. 

És alegre? Vês-me triste? 
Por que não te vais embora? 
Quem é triste é porque é triste. 
E quem chora é porque chora. 

Tenho tudo o que não tens 
Tenho a névoa por remate. 
Sou da raça desses cães 
Em que toda a gente bate. 

Só a idade com o tempo 
Há-de vir tornar-me forte. 
A uns, basta-lhes o vento... 
Aos Poetas, basta a morte. 
 in "Eu Hei-de Voltar um Dia"



Ray Charles - "I Can't Stop Loving You"


sábado, 26 de novembro de 2011

"Ode à Poesia" - Poema de Miguel Torga

 
Pintura de Jeff Rowland
 


Ode à Poesia 


Vou de comboio...
Vou
Mecanizado e duro como sou 
Neste dia; 
— E mesmo assim tu vens, tu me visitas! 
Tu ranges nestes ferros e palpitas 
Dentro de mim, Poesia! 

Vão homens a meu lado distraídos 
Da sua condição de almas penadas; 
Vão outros à janela, diluídos 
Nas paisagens passadas... 
E porque hei de ter eu nos meus sentidos 
As tuas formas brancas e aladas? 

Os campos, imprecisos, nos meus olhos, 
Vão de braços abertos às montanhas; 
O mar protesta contra não sei quê; 
E eu, movido por ti, por tuas manhas, 
A sonhar um painel que se não vê! 

Porque me tocas? Porque me destinas 
Este cilício vivo de cantar? 
Porque hei de eu padecer e ter matinas 
Sem sequer acordar? 

Porque há de a tua voz chamar a estrela 
Onde descansa e dorme a minha lira? 
Que razão te dei eu 
Para que a um gesto teu 
A harmonia me fira? 

Poeta sou e a ti me escravizei, 
Incapaz de fugir ao meu destino. 
Mas, se todo me dei, 
Porque não há de haver na tua lei 
O lugar do menino 
Que a fazer versos e a crescer fiquei? 

Tanto me apetecia agora ser 
Alguém que não cantasse nem sentisse! 
Alguém que visse padecer, 
E não visse... 

Alguém que fosse pelo dia fora 
Neutro como um rapaz 
Que come e bebe a cada hora 
Sem saber o que faz... 

Alguém que não tivesse sentimentos, 
Pressentimentos, 
E coisas de escrever e de exprimir... 
Alguém que se deitasse 
No banco mais comprido que vagasse, 
E pudesse dormir... 

Mas eu sei que não posso. 
Sei que sou todo vosso, 
Ritmos, imagens, emoções! 
Sei que serve quem ama, 
E que eu jurei amor à minha dama, 
À mágica senhora das paixões. 

Musa bela, terrível e sagrada, 
Imaculada Deusa do condão: 
Aqui vou de longada; 
Mas aqui estou, e aqui serás louvada, 
Se aqui mesmo me obriga a tua mão!



"Poema do Silêncio" - José Régio


Georgia O'Keeffe (American modernist painter and draftswoman, 1887–1986),
 From the lake, 1924



Poema do Silêncio 


Sim, foi por mim que gritei. 
Declamei, 
Atirei frases em volta. 
Cego de angústia e de revolta. 

Foi em meu nome que fiz, 
A carvão, a sangue, a giz, 
Sátiras e epigramas nas paredes 
Que não vi serem necessárias e vós vedes. 

Foi quando compreendi 
Que nada me dariam do infinito que pedi, 
- Que ergui mais alto o meu grito 
E pedi mais infinito! 

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas, 
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas 
Que, sem rumo, 
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo... 

O que buscava 
Era, como qualquer, ter o que desejava. 
Febres de Mais, ânsias de Altura e Abismo, 
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo. 

Que só por me ser vedado 
Sair deste meu ser formal e condenado, 
Erigi contra os céus o meu imenso Engano 
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano! 

Senhor meu Deus em que não creio! 
Nu a teus pés, abro o meu seio 
Procurei fugir de mim, 
Mas sei que sou meu exclusivo fim. 

Sofro, assim, pelo que sou, 
Sofro por este chão que aos pés se me pegou, 
Sofro por não poder fugir. 
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir! 

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação! 
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...) 
Senhor dá-me o poder de estar calado, 
Quieto, maniatado, iluminado. 

Se os gestos e as palavras que sonhei, 
Nunca os usei nem usarei, 
Se nada do que levo a efeito vale, 
Que eu me não mova! que eu não fale! 

Ah! também sei que, trabalhando só por mim, 
Era por um de nós. E assim, 
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade, 
Lutava um homem pela humanidade. 

Mas o meu sonho megalómano é maior 
Do que a própria imensa dor 
De compreender como é egoísta 
A minha máxima conquista... 

Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros 
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros, 
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á, 
E sobre mim de novo descerá... 

Sim, descerá da tua mão compadecida, 
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida. 
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome 
Saciarão a minha fome. 


José Régio, in 'As Encruzilhadas de Deus'
 

"Intimidade" - Poema de José Saramago


 

Intimidade 


No coração da mina mais secreta, 
No interior do fruto mais distante, 
Na vibração da nota mais discreta, 
No búzio mais convolto e ressoante, 

Na camada mais densa da pintura, 
Na veia que no corpo mais nos sonde, 
Na palavra que diga mais brandura, 
Na raiz que mais desce, mais esconde, 

No silêncio mais fundo desta pausa, 
Em que a vida se fez perenidade, 
Procuro a tua mão, decifro a causa 
De querer e não crer, final, intimidade. 


 in "Os Poemas Possíveis", 1966


Kenny G - Silhouette


"Conhece-te a ti mesmo» - toda a sabedoria se encontra concentrada nesta frase. Auto-análise, depois ação - a escola da sabedoria. Quanto mais cedo descobrir os factos acerca da sua pessoa mais fácil será a jornada da vida. Para tirar o máximo de nós, temos de conhecer os recursos que possuímos e depois aperfeiçoá-los e utilizá-los. Pelo controle das emoções uma pessoa consegue superar quase todas as dificuldades que habitualmente estragam a vida. Sem olhar à profundidade dos seus sentimentos, à vastidão dos seus conhecimentos, o homem aparentemente completo não o é sem que tenha aperfeiçoado as suas tendências. Quem quiser melhorar os condicionalismos externos tem de começar por melhorar os internos. Quando as coisas não estão a correr bem há qualquer coisa em mim a dizer-me. Às vezes tenho de pensar muito para descobrir o erro e como corrigi-lo. Depois de resolver o problema sinto-me novamente bem. Isto prova que «O seu instinto leva-o mais longe que o seu intelecto." 

Alfred Armand Montapert, in 'A Suprema Filosofia do Homem'

"Livro de Horas" - Poema de Miguel Torga





Livro de Horas 


Aqui, diante de mim, 
Eu, pecador, me confesso 
De ser assim como sou. 
Me confesso o bom e o mau 
Que vão ao leme da nau 
Nesta deriva em que vou. 

Me confesso 
Possesso 
De virtudes teologais, 
Que são três, 
E dos pecados mortais, 
Que são sete, 
Quando a terra não repete 
Que são mais. 

Me confesso 
O dono das minhas horas. 
O das facadas cegas e raivosas, 
E o das ternuras lúcidas e mansas. 
E de ser de qualquer modo 
Andanças 
Do mesmo todo. 

Me confesso de ser charco 
E luar de charco, à mistura. 
De ser a corda do arco 
Que atira setas acima 
E abaixo da minha altura. 

Me confesso de ser tudo 
Que possa nascer em mim. 
De ter raízes no chão 
Desta minha condição. 
Me confesso de Abel e de Caim. 

Me confesso de ser Homem. 
De ser um anjo caído 
Do tal Céu que Deus governa; 
De ser um monstro saído 
Do buraco mais fundo da caverna. 

Me confesso de ser eu. 
Eu, tal e qual como vim 
Para dizer que sou eu 
Aqui, diante de mim! 


O outro livro de Job


"Deslumbramentos" - Poema de Cesário Verde


Gunnar Berndtson, His Name, 1890
 
 

Deslumbramentos 


Milady, é perigoso contemplá-la, 
Quando passa aromática e normal, 
Com seu tipo tão nobre e tão de sala, 
Com seus gestos de neve e de metal.

Sem que nisso a desgoste ou desenfade, 
Quantas vezes, seguindo-lhe as passadas, 
Eu vejo-a, com real solenidade, 
Ir impondo toilettes complicadas!..

Em si tudo me atrai como um tesouro: 
O seu ar pensativo e senhoril, 
A sua voz que tem um timbre de ouro 
E o seu nevado e lúcido perfil!

Ah! Como me estonteia e me fascina... 
E é, na graça distinta do seu porte, 
Como a Moda supérflua e feminina, 
E tão alta e serena como a Morte!..

Eu ontem encontrei-a, quando vinha, 
Britânica, e fazendo-me assombrar; 
Grande dama fatal, sempre sozinha, 
E com firmeza e música no andar!

O seu olhar possui, num jogo ardente, 
Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo; 
Como um florete, fere agudamente, 
E afaga como o pelo dum regalo!

Pois bem. Conserve o gelo por esposo, 
E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos, 
O modo diplomático e orgulhoso 
Que Ana de Áustria mostrava aos cortesãos.

E enfim prossiga altiva como a Fama, 
Sem sorrisos, dramática, cortante; 
Que eu procuro fundir na minha chama 
Seu ermo coração, como um brilhante.

Mas cuidado, milady, não se afoite, 
Que hão de acabar os bárbaros reais; 
E os povos humilhados, pela noite, 
Para a vingança aguçam os punhais.

E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas, 
Sob o cetim do Azul e as andorinhas, 
Eu hei de ver errar, alucinadas, 
E arrastando farrapos - as rainhas!
 
 
 in 'O Livro de Cesário Verde' (ver documentário aqui)
  
[A Milady de "Deslumbramentos" é um tipo feminino calculista, destrutivo e frívolo
associado com a aristocracia e a sociedade citadina. (daqui)]
 
 
"Retrato equestre de Ana de Áustria" (1601 –1666), por Jean de Saint-Igny (c. 1600-1647)
 
 

Ana de Áustria, Rainha de França


Ana de Áustria ou Ana da Espanha (Valladolid, 22 de setembro de 1601 – Paris, 20 de janeiro de 1666), foi a esposa do rei Luís XIII e Rainha Consorte da França e Navarra de 1615 até 1643, além de regente durante a menoridade de seu filho Luís XIV, entre 1643 e 1651. Era filha do rei Filipe III de Espanha com de sua esposa a arquiduquesa Margarida da Áustria

Nascida no Palácio de Benavente, em Valladolid, Espanha, foi batizada como Ana Maria Maurícia. Era Infanta de Espanha e de Portugal, Arquiduquesa da Áustria, Princesa de Borgonha e dos Países Baixos. 

Aos 10 anos, ficou noiva do futuro rei Luís XIII de França, filho de Henrique IV. Aos 14 anos, casou-se por procuração em Burgos, no dia 24 de novembro de 1615. Enquanto os espanhóis entregavam Ana para casar-se com Luís XIII, os franceses por sua vez entregavam Isabel de França, irmã de Luís XIII, para casar-se com Felipe IV de Espanha, irmão de Ana de Áustria. Este duplo casamento era uma prenda de paz e amizade entre a Espanha e França. Entretanto as duas princesas tiveram de renunciar aos seus direitos à coroa. 
 
Nos primeiros anos como consorte, foi ignorada pelo marido e pela sogra, Maria de Médici, que ocupava sua possível esfera de influência. Ana e Luís eram pressionados para consumar o casamento, mas Luís XIII via em sua esposa apenas uma espanhola, ou seja, uma inimiga. Enquanto isso, Maria de Médici continuava a agir como Rainha de França, sem se importar com a nora. Solitária, Ana de Áustria cercou-se de damas de companhia espanholas e continuou a viver e a vestir-se de acordo com a etiqueta espanhola, não conseguindo melhorar seu francês. 
 
 Em 24 de abril de 1617, Luís XIII trama a morte de Concino Concini, primeiro-ministro de Maria de Médici. Acontece um golpe de Estado, Luís sobe ao trono e exila sua mãe no castelo de Blois. Na verdade, Luís XIII substituiu Concini por seu próprio favorito, o duque de Luynes, que acumula títulos e fortuna, o que cria discórdia entre alguns, pois é um péssimo estadista. Enquanto esteve no poder, o duque de Luynes tentou remediar a distância formal entre Luís e sua rainha. Substituiu as damas espanholas de Ana de Áustria por damas francesas, entre as quais Marie de Rohan-Montbazon, sua esposa. Ana começou a se vestir à maneira francesa e, em 1619, Luynes pressionou o rei a consumar o casamento com ela. O rei desenvolveu alguma afeição pela rainha. 
 
Uma série de abortos desencantou o rei e esfriou as relações entre o casal real. Em 14 de março de 1622, enquanto brincava com suas damas, Ana caiu de uma escada e sofreu seu segundo aborto. Luís XIII culpou a Sra. de Luynes por ter incentivado a rainha. Depois disso, o rei passou a ser intolerante com a influência que a duquesa de Luynes exercia sobre Ana. A situação piorou após a morte do Duque de Luynes (dezembro de 1621). A atenção do rei foi monopolizada por sua guerra contra os protestantes, enquanto a Rainha defendia o casamento de Maria de Rohan com o amante, o Duque de Chevreuse.

Luís XIII nomeou o Cardeal de Richelieu seu conselheiro. A política externa de Richelieu baseava-se na luta contra os Habsburgos, o que causou tensão entre o rei e a rainha, que permaneceu sem filhos por mais dezesseis anos. Entretanto, Luís XIII dependia cada vez mais de Richelieu, que em 1624 era já seu primeiro-ministro.

Alta, bonita, devota, teimosa, e de pouca cultura, Ana recebeu do marido provas de pouca afeição. Teria sido cortejada pelo Duque de Buckingham, o que custou a este a expulsão de França e a aversão de Luís XIII e de Richelieu. Sob a influência da Duquesa de Chevreuse, a rainha envolveu-se em várias intrigas contra as políticas de Richelieu e foi acusada de participar na conspiração do Duque de Chalais e na conspiração do amante de Luís XIII, Cinq Mars. Em 1635, a França declarou guerra à Espanha, colocando a rainha em uma posição insustentável. Ana correspondia-se em segredo com seu irmão Filipe IV de Espanha. Em 1637, tornou-se suspeita de traição, e Richelieu passou a verificar toda a sua correspondência. A Duquesa de Chevreuse foi exilada e a rainha foi mantida sob constante vigilância. Richelieu mandava espioná-la e falava constantemente mal dela ao rei.

Surpreendentemente, é neste clima de desconfiança que a rainha fica grávida. Uma tempestade impediu o rei de regressar a Paris e obrigou-o a dormir com a rainha no Castelo de Saint-Germain-en-Laye. Em 5 de setembro de 1638, nasce o delfim Luís Dieudonnè, garantindo a linha sucessória dos Bourbon. Este nascimento conseguiu restabelecer a confiança entre o casal real. Em 1640, nasce o segundo filho de Ana de Áustria e de Luís XIII, Felipe d'Orleães. Mesmo após estes nascimentos, Luís XIII tentou impedir que Ana conseguisse a regência da França após sua morte, o que aconteceu em 11 de maio de 1643, pouco tempo depois da morte do Cardeal de Richelieu

Foi regente em 1643, obtendo do Parlamento cassar o testamento do marido, que limitava seus poderes. Morto em 1642 Richelieu, ela entregou o poder como Primeiro Ministro a Jules Mazarin, cardeal Giulio Mazarino, que se tornou seu favorito, no difícil período da Fronda. Quando terminou a Fronda parlamentar, em 11 de março de 1649, em Rueil, Ana e Mazarino concluíram a paz com o Presidente do Parlamento de Paris, Mathieu Molé.

Na época da monarquia, os magistrados exerciam a justiça, tendo também por missão registar os editos reais. Em 1648, Ana governava como regente por ser mãe do jovem rei Luís XIV, uma criança de nove anos, e se beneficiava dos úteis conselhos do Cardeal. O país teve guerras externas contra os Habsburgos, que forçaram ao aumento dos impostos. Bastou isso para que os privilegiados se rebelassem. Em 13 de maio de 1648, o Parlamento de Paris convidou seus colegas provinciais a reformar o que estimava serem abusos do Estado. Ana fingiu submeter-se, depois mandou prender o chefe dos rebeldes, como se conhecia, os frondeurs, que era o popular Pierre Broussel. Paris se levantou em armas, o conselheiro teve que ser libertado.

Tendo a França ganhado a guerra, assinado o Tratado de Vestfália, Mazarino e a Regente decidiram dar fim à Fronda. Em 5 de janeiro de 1649, com o jovem rei, fixaram residência em Saint-Germain-en-Laye enquanto o exército real, comandado pelo príncipe de Condé, apelidado le Grand Condé, sitiava Paris. Os parlamentares, que detinham muitos privilégios graças à monarquia, não tinham vontade de uma revolução. Preferiram entregar as armas, apesar do ódio que tinham ao estrangeiro italiano, Mazarino.

O Cardeal e a Regente lutaram depois contra a Fronta dos Príncipes, mais violenta mas atrapalhada. Depois de ter tomado o partido do rei contra os parlamentares Condé, o antigo vencedor de Rocroi, descontente porque Mazarino se mantinha no poder, intrigará com outros grandes aristocratas: seu irmão, o Príncipe de Conti, o duque e a duquesa de Longueville, o Cardeal de Retz. Preso, Condé foi detido em Vincennes por 13 meses. Diante da anarquia célere, Ana se resignou a libertá-lo, fingiu separar-se de Mazarino. Condé tomou a chefia da Fronda. Combateu na rua de Santo António (o faubourg Saint-Antoine) em 12 de julho de 1652 contra seu eterno rival, Turenne, que voltara ao partido do rei. Entrou mesmo em Paris, mas sua falta de habilidade, sua aliança com os espanhóis, causarão a derrota de seus partidários e ao retorno de Mazarino. Luís XIV poderá penetrar então em sua capital. Lembrando seus temores de menino, guardará rancor contra os parisienses e mais tarde escolherá abandonar o palácio do Louvre, residência da corte há quatro séculos, e construir um novo palácio em Versailles.
A monarquia francesa sairá mais forte das provas da Fronda, enquanto a Inglaterra experimentará a República depois de ter executado seu rei Carlos I. A França evoluirá para uma monarquia absoluta e a Inglaterra para uma monarquia constitucional. (Daqui)

 
Simply Red - If You Don't Know Me By Now

  


sexta-feira, 25 de novembro de 2011

"Pergunta" - Poema de Fernando Namora


Joseph Wopfner (1843–1927), Fischerfamilie am Chiemsee, 1927



Pergunta 


Quem vem de longe e sabe o nome do meu lugar 
e levou o caminho das conchas em mar 
e dos olhos em rio 
— quem vem de longe chorar por mim? 

Quem sabe que eu findo de dureza 
e condensa ternura em suas mãos 
para a derramar em afagos 
por mim? 

Quem ouviu a angústia do meu brado, 
sirene de um navio a vadiar no largo, 
e me traz seus beijos e sua cor, 
perdendo-se na bruma das madrugadas 
por mim? 

Quem soube das asperezas da viagem 
e pediu o pão negado 
e o suor ao corpo torturado, 
por mim? por mim? 

Quem gerou o mundo e lhe deu seu nome 
e seu tamanho — imenso, imenso, 
e em mim cabe? 


Fernando Namora, in "Mar de Sargaços"
 


Richard Marx - Right Here Waiting


"Minhas intenções eram boas, mas enganei-me na maneira de alcançá-las. Fui um estúpido. O conhecimento me chegou tarde demais... Muito tarde me chegou a certeza de nada saber..." - Ezra Pound

[Ezra Weston Loomis Pound (Hailey, 30 de outubro de 1885 — Veneza, 1 de novembro de 1972) foi um poeta, músico e crítico literário americano que, junto com T. S. Eliot, foi uma das maiores figuras do movimento modernista da poesia do início do século XX. Ele foi o motor de diversos movimentos modernistas, notadamente do Imagismo e do Vorticismo.]

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

"Noites de minha terra" - Poema de Florbela Espanca


Noites de minha terra 


Anda o luar espalhando fios de prata
Pelos campos fora ... Lírios a flux
Lança o azul do céu... e a terra grata
Transforma em mil perfumes toda a luz!

As estrelas cadentes vão espalhando
Lírios brancos também... agora a terra
Parece noiva linda, que sonhando
Caminha pró altar, além na serra...

É meia-noite agora. Tudo quieto
Na noite branda, dorme ... Entreaberto
Vai esfolhando o lírio do luar

As alvas folhas, que cobrindo o céu,
E todo o mar e toda a terra, um véu
Branco, de noiva, lembra a palpitar!.. 


Florbela Espanca
In “Trocando olhares” (1916)



Michael Bolton - How Am I Supposed To Live Without You


"Quando sinto uma terrível necessidade de religião,
 saio à noite para pintar as estrelas."

(Vincent Van Gogh)


"Aldeia" - Poema de Manuel da Fonseca


Mota Urgeiro (Pintor português, n. 1946), A Latada
 


Aldeia


Nove casas,
duas ruas,
ao meio das ruas
um largo,
ao meio do largo
um poço de água fria.

Tudo isto tão parado
e o céu tão baixo
que quando alguém grita para longe
um nome familiar,
se assustam pombos bravos
e acordam ecos no descampado.


in Poemas Completos 


ÁUREA - Busy (for me)


Livros

"É bom quando nossa consciência sofre grandes ferimentos, pois isso a torna mais sensível a cada estímulo. Penso que devemos ler apenas livros que nos ferem, que nos afligem. Se o livro que estamos a ler não nos desperta como um soco no crânio, por que perder tempo lendo-o? Para que ele nos torne felizes, como você diz? Oh Deus, nós seríamos felizes do mesmo modo se esses livros não existissem. Livros que nos fazem felizes, poderíamos escrever nós mesmos num piscar de olhos. Precisamos de livros que nos atinjam como a mais dolorosa desventura, que nos assolem profundamente – como a morte de alguém que amávamos mais do que a nós mesmos –, que nos façam sentir que fomos banidos para o ermo, para longe de qualquer presença humana – como um suicídio. Um livro deve ser um machado para o mar congelado que há dentro de nós."


quarta-feira, 23 de novembro de 2011

"Não diga tudo o que sabe" - Sabedoria popular






Não diga tudo o que sabe


Não digas tudo o que sabes,
Não faças tudo o que podes,
Não acredites em tudo o que ouves,
Não gastes tudo o que tens,


Porque:
Quem diz tudo o que sabe,
Quem faz tudo o que pode,
Quem acredita em tudo o que ouve,
Quem gasta tudo o que tem,


Muitas vezes:
Diz o que não convém,
Faz o que não deve,
Julga o que não vê,
Gasta o que não pode.


(Sabedoria popular)



Sarah Mclachlan - In The Arms Of The Angel 


"Um livro tem que ser um machado para o mar congelado dentro de nós. 
A literatura só é digna desse nome quando descongela o sangue de quem lê."


(Franz Kafka)

 Franz Kafka (Praga, 3 de julho de 1883 — Klosterneuburg, 3 de junho de 1924) foi um dos maiores escritores de ficção da língua alemã do século XX. Kafka nasceu numa família de classe média judia em Praga, Áustria-Hungria (atual República Checa). O corpo de suas obras escritas— a maioria incompleta e publicadas postumamente — destaca-se entre as mais influentes da literatura ocidental. Seu estilo literário presente em obras como a novela A Metamorfose (1915) e romances incluindo O Processo (1925) e O Castelo (1926) retrata indivíduos preocupados com o pesadelo de um mundo impessoal e burocrático.


"Onde o mar falta" - Poema de Octávio Mora


Édouard Manet, Rochefort's Escape (L'évasion de Rochefort), 1881


Onde o mar falta



Entreabertas as pernas, e pousada
de leve, sobre os ombros, a cabeça,
parecias às vezes, derramada
no fundo, mais espessa.

E eras líquida: vias, através
de tua própria sombra transparente
a luminosidade dos teus pés,
alados. Porque ausente.

Jamais dizias nada. Sempre tinhas
entre os lábios, a voz silenciosa
dos que voltam. Onda após onda, vinhas
(e vens) misteriosa.

Desde a profundidade, do mar. Brusco
nas suas reações, onde o mar falta
sob as ondas, aí, aí te busco —
e és, como as ondas, alta.

Quando olho o horizonte: quando tudo
se dissolve em si mesmo e, onda após
onda, me calo. Vejo, e estou mudo.
O mar na tua voz.

Porque vias o mar (tinhas o mar
no olhar) fechando os olhos. E defronte
o víamos surgir. Bastava olhar,
que tudo era horizonte.


Octávio Mora,
in 'Terra Imóvel' 


Octávio Mora (1933-2012), poeta nascido na Argentina e radicado no Brasil, participou da Geração de 1945 da poesia brasileira.
Aposentou-se como professor titular de Literatura n UFRJ. Estreou em poesia com o livro Ausência viva (1956). Depois publicou Terra imóvel (1959). A esses se seguiram Corpo habitável (1967), Pulso horário (1968), Saldo prévio (1968) e Exílio urbano (1975). 
Também formado em Medicina, exerceu durante alguns anos a profissão de médico.


Dulce Pontes e Andrea Bocelli - O Mar E Tu 


"O tempo é teu capital; tens de o saber utilizar. Perder tempo é estragar a vida."

(Franz Kafka)