domingo, 20 de novembro de 2011

"Terra - 24" - Poema de Fernando Namora


  Carl Friedrich Moritz Müller (German, 1807-1865), Andreas Hofer's farewell, 1836 
 
 

Terra - 24


António, é preciso partir! 
o moleiro não fia, 
a terra é estéril, 
a arca vazia, 
o gado minga e se fina! 
António, é preciso partir! 
A enxada sem uso, 
o arado enferruja, 
o menino quer o pão; a tua casa é fria! 
É preciso emigrar! 
O vento anda como doido – levará o azeite; 
a chuva desaba noite e dia – inundará tudo; 
e o lar vazio, 
o gado definhando sem pasto, 
a morte e o frio por todo o lado, 
só a morte, a fome e o frio por todo o lado, António! 
É preciso embarcar! 
Badalão! Badalão! – o sino 
já entoa a despedida. 
Os juros crescem; 
o dinheiro e o rico não têm coração. 
E as décimas, António? 
Ninguém perdoa – que mais para vender? 
Foi-se o cordão, 
foram-se os brincos, 
foi-se tudo! 
A fome espia o teu lar. 
Para quê lutar com a secura da terra, 
com a indiferença do céu, 
com tudo, com a morte, com a fome, coma a terra, 
com tudo! 
Árida, árida a vida! 
António, é preciso partir! 
António partiu. 
E em casa, ficou tudo medonho, desamparado, vazio. 


Fernando Namora, in 'Terra'


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