domingo, 27 de novembro de 2011

"Não és tu" - Poema de Almeida Garrett

 
Évariste Carpentier, Promenade en bord de mer (Menton, 1888)



Não és tu 


Era assim, tinha esse olhar, 
A mesma graça, o mesmo ar, 
Corava da mesma cor, 
Aquela visão que eu vi 
Quando eu sonhava de amor, 
Quando em sonhos me perdi.

Toda assim; o porte altivo, 
O semblante pensativo, 
E uma suave tristeza 
Que por toda ela descia 
Como um véu que lhe envolvia, 
Que lhe adoçava a beleza. 

Era assim; o seu falar, 
Ingénuo e quase vulgar, 
Tinha o poder da razão 
Que penetra, não seduz; 
Não era fogo, era luz 
Que mandava ao coração. 

Nos olhos tinha esse lume, 
No seio o mesmo perfume, 
Um cheiro a rosas celestes, 
Rosas brancas, puras, finas, 
Viçosas como boninas, 
Singelas sem ser agrestes. 

Mas não és tu... ai!, não és: 
Toda a ilusão se desfez. 
Não és aquela que eu vi, 
Não és a mesma visão, 
Que essa tinha coração, 
Tinha, que eu bem lho senti.

in 'Folhas Caídas


Michael Bolton - Said I Loved You... But I Lied


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