domingo, 20 de novembro de 2011

"O Segredo é Amar" - Poema de Fernanda de Castro


George Goodwin Kilburne (English, 1839 – 1924), Watering the flowers, 1924



O Segredo é Amar


O segredo é amar. Amar a Vida 
com tudo o que há de bom e mau em nós. 
Amar a hora breve e apetecida, 
ouvir os sons em cada voz 
e ver todos os céus em cada olhar. 

Amar por mil razões e sem razão. 
Amar, só por amar, 
com os nervos, o sangue, o coração. 
Viver em cada instante a eternidade 
e ver, na própria sombra, claridade. 

O segredo é amar, mas amar com prazer, 
sem limites, fronteiras, horizonte. 
Beber em cada fonte, 
florir em cada flor, 
nascer em cada ninho, 
sorver a terra inteira como o vinho. 

Amar o ramo em flor que há de nascer, 
de cada obscura, tímida raiz. 
Amar em cada pedra, em cada ser, 
S. Francisco de Assis. 

Amar o tronco, a folha verde, 
amar cada alegria, cada mágoa, 
pois um beijo de amor jamais se perde 
e cedo refloresce em pão, em água! 


Fernanda de Castro
,
in "Trinta e Nove Poemas" , 1942
 
 

  
Maria Fernanda Teles de Castro e Quadros Ferro (1900-1994), romancista, poeta e conferencista portuguesa, conhecida pelo seu nome de solteira, com vasta e diversificada obra, escreveu poesia, literatura infantil, romance e memórias. Filha de um oficial da Marinha ficou órfã de mãe aos doze anos. Estudou em Portimão, Figueira da Foz e Lisboa, tendo frequentado, nesta cidade, os Liceus D. Maria Pia e Passos Manuel. Começou por escrever livros infantis com sucesso nomeadamente "Mariazinha em África", 1926; "A Princesa dos Sete Castelos" e "As Novas Aventuras de Mariazinha", 1935. Conheceu África que transmitiu com talento nos seus livros. Casada com António Ferro, jornalista e homem forte do regime de Salazar, promoveu a cultura no país e estrangeiro em importantes exposições. Criou e desenvolveu, nos anos trinta, a Associação Nacional dos Parques Infantis, dadas as suas excelentes relações com as mais altas instâncias governamentais. A sua poesia é francamente inspirada e está de novo a ser divulgada. Destacam-se "Asa no Espaço", 1955; "Poesia I e II", 1969, "Urgente", 1989. David Mourão-Ferreira elogia vivamente a sensualidade feminina dessa poesia. Fernanda de Castro recebeu, em 1969 o Prémio Nacional de Poesia e recebera em 1945 o Prémio Ricardo Malheiros pelo romance "Maria da Lua". Escreveu até praticamente ao fim da vida, embora nos últimos anos a doença a retivesse na cama. Foi mãe do escritor António Quadros e avó da escritora Rita Ferro. Escreveu “Ao Fim da Memória: Memórias (1906-1986)”, 1986. (Daqui)
 

George Goodwin Kilburne, Maiden meditation, 1866 (watercolour)
 

Herdei uns olhos claros, sem pecado,
toda uma tradição, todo um passado,
de inocência, de amor e de perdão.
Um desejo de paz, de vida calma,
uma alma capaz de só ser alma,
E um doloroso, humano coração.
 
 

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