domingo, 20 de novembro de 2011

"Linguagem" - Poema de Hermann Hesse


Robert Sarsony, Flowers In The Park



Linguagem


O sol nos fala com luz; com cor
e com perfume nos fala a flor;
com nuvens, chuva e neve nos fala
o ar. Há no sacrário do mundo
um incontido afã de romper
com a mudez das coisas e expor
em gesto e som, em palavra e cor,
todo o mistério que envolve o ser.
A clara fonte das artes flui
para a palavra, a revelação;
para o mental flui o mundo, e aclara
em lábio humano um saber eterno.
Pela linguagem a vida anseia:
em verbo, cifra, cor, linha, som,
conjura-se a nossa aspiração
e um alto trono aos sentidos ergue.

Como na flor o vermelho e o azul,
na palavra do poeta volta-se
para dentro a obra de criação,
sempre a iniciar-se e a acabar jamais.
Onde palavra e som se combinam,
e soa o canto, a arte se revela,
e cada cântico e cada livro,
cada imagem, é uma descoberta
– uma milésima tentativa
de cumprimento da vida una.
A penetrar nessa vida una
vos chama a música, a poesia:
para entender a criação vária,
já é bastante um olhar no espelho.
O que confuso antes parecia,
é claro e simples na poesia:
a nuvem chove, a flor ri, o mudo
fala – o mundo faz sentido em tudo. 


Hermann Hesse
 In Andares: antologia poética.
Tradução e prólogo de Geir Campos.

Hermann Hesse (1877-1962) nasceu em Calw (Alemanha), filho de missionários protestantes. Cedo entra em choque com os pais, que queriam o filho pastor; não se submete à disciplina da escola e foge para a Suíça onde adquire a nacionalidade suiça em 1923.
O jovem escritor casa-se, mas continua revoltado contra o meio burguês e as convenções sociais - como se lê em Gertrud (1910). Muda-se para a Índia e conhece o budismo, que adotaria pelo resto da vida.
Após o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, envolve-se em actividades contra o militarismo alemão. Em 1919, publica Demian, influenciado pelas ideias do psicanalista Carl G. Jung.
Sidarta é de 1922. Sem encontrar a solução para seus problemas na Índia, conta a história de sua vida em "O Lobo da Estepe" (1927). Em 1943, publica "O Jogo das Contas de Vidro", romance utópico, situado no ano de 2200.
É considerado um dos maiores escritores deste século, igualando-se a contemporâneos ilustres como Thomas Mann e Franz Kafka. Laureado com o Prémio Nobel em 1946, as suas obras estão traduzidas em mais de 30 idiomas.


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