"A walk on the beach" by Christian Schloe
Para os meus alunos
Após tantos anos a ver-vos chegar
e a deixar-vos partir
alheios ou inquietos quanto
ao parentesco das ideias e dos atos
o direito às perguntas e a fonte
das perguntas,
gostaria de chamar-vos, um a um,
pelo vosso nome,
saber se estive, perto ou longe,
em vossas dúvidas. É sempre
uma questão mútua de ser.
Uma presença e não
um resultado.
Após tantos anos a ver-vos chegar
e a deixar-vos partir
alheios ou inquietos quanto
ao parentesco das ideias e dos atos
o direito às perguntas e a fonte
das perguntas,
gostaria de chamar-vos, um a um,
pelo vosso nome,
saber se estive, perto ou longe,
em vossas dúvidas. É sempre
uma questão mútua de ser.
Uma presença e não
um resultado.
Mas nem sempre soubestes que crescíamos
entre ódios, fanatismos, cobardias,
com olhos vendados pelo conforto
e o medo, com ter-se ou não ter-se
vantagens, aplausos, soluções privadas.
E como foi possível ter razão
sem ter as circunstâncias.
Agora os vossos rostos passam, firmes,
entre visão e facto, entre o amor
e a chegada de todos ao amor.
Mas também morro mais depressa agora.
Por isso gostaria de chamar-vos, um a um,
pelo vosso nome. E agradecer-vos a herança
da alegria. E dizer uma vez mais que é sempre
uma questão mútua de ser. Uma presença
e não um resultado.
E os vossos rostos todos
hão de ajudar-me a envelhecer
sem angústia ou vergonha
e a estar convosco na verdade
e a buscá-la juntos e a cumpri-la.
Vítor Matos e Sá, nascido a 20 de dezembro de 1927, em Lourenço Marques (atual Maputo, Moçambique), e falecido em 1975, foi um poeta português.
Licenciado e doutorado em Filosofia, foi docente na Universidade de Coimbra. Colaborou em Árvore, Cadernos do Meio-Dia, Távola Redonda e Eros. A sua produção integra um modelo de poesia nascida de uma preocupação especulativa e filosofante e moldada sobre a experiência existencial.
Vítor Matos e Sá é o pseudónimo de Vítor Raul da Costa Matos.
Vítor Matos e Sá. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-09-22].
Caetano Veloso - Livros
Livros
Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.
Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.
Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor tátil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou o que é muito pior por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.
Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.
Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.
Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor tátil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou o que é muito pior por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.
Foto de Caetano Veloso, 2011
Caetano Veloso
Poeta, compositor e cantor brasileiro, irmão de Maria Bethânia, Caetano Emanuel Teles Viana Veloso nasceu em 1942, no estado da Baía.
Desde pequeno, Caetano revelou pendores artísticos, demonstrando gosto
por música, desenho e pintura. Na rádio, ouve os cantores da música
brasileira em voga, como Luiz Gonzaga; na cidade, os sambas de roda e os
pontos de macumba. Em 1952, faz uma gravação única, para desfrute
familiar, cantando "Feitiço da Vila" (de Vadico e Noel Rosa) e "Mãezinha
querida" (de Getúlio Macedo e Lourival Faissal), hit de Carlos Galhardo. Ao piano, quem o acompanha é a irmã Nicinha. Quatro anos mais tarde, fica uns tempos no Rio de Janeiro,
onde frequenta o auditório da Rádio Nacional, palco de apresentações
dos maiores ídolos musicais brasileiros de então. Em 1960, muda-se com a
família para Salvador, onde prossegue os seus estudos.
A partir daí, intensifica-se o seu interesse por música - graças à bossa nova, particularmente ao cantor e violonista baiano João Gilberto; por cinema - graças ao Cinema Novo, particularmente ao diretor Glauber Rocha,
também baiano; e por teatro. Na universidade local, a programação de
eventos proporcionou-lhe um ambiente modernizador e vanguardista.
Enquanto absorvia essa atmosfera, Caetano escreveu críticas de cinema
para o Diário de Notícias, cuja secção cultural é dirigida por Glauber Rocha. Ele aprende a tocar viola e canta com a irmã Maria Bethânia nos bares de Salvador. Na TV, aprecia quando, às vezes, aparece um cantor novo, chamado Gilberto Gil. É numa dessas aparições que a sua mãe, a senhora Canô, o chama: "Caetano, vem ver o preto que você gosta".
Em 1963, Caetano Veloso entra na Faculdade de Filosofia da Universidade
Federal da Bahia. Finalmente conhece Gilberto Gil, a quem é apresentado
pelo produtor Roberto Santana, Gal Costa (ainda Maria da Graça, na época) e Tom Zé. O primeiro trabalho musical surge no seguimento desses contactos. Ainda neste ano, Caetano compôs a banda sonora da peça "O boca de ouro", de Nelson Rodrigues, do diretor baiano Álvaro Guimarães, que o convida também para compor a banda de "A exceção e a regra", de Bertolt Brecht.
Estes trabalhos foram as primeiras expressões artísticas do cantor e
tiveram um papel decisivo na sua decisão de se tornar cantor-compositor.
No ano seguinte, em junho, no programa televisivo "Nós, por exemplo", com Caetano, Gil, Bethânia, Gal e Tom Zé,
entre outros, o cantor integra os eventos de inauguração do Teatro Vila
Velha. Uma agradável mistura de canções e textos, o programa "Nós, por
exemplo" acabará por influenciar a conceção de espetáculos semelhantes
que virão a ser feitos no Rio de Janeiro e em São Paulo pouco depois.
O ano de 1965 estabelece um marco de particular importância para Caetano: em Salvador, conhece João Gilberto - para ele um dos artistas mais importantes do Brasil
e uma das principais referências do seu trajeto artístico. Abandona a
faculdade e acompanha sua irmã Bethânia, chamada ao Rio para substituir Nara Leão no espetáculo "Opinião". Gil, Gal e Tom Zé também se transferem para o Sul do Brasil. Em maio, Caetano grava o seu primeiro single, com dois temas, "Cavaleiro" e "Samba em paz", ambos de sua autoria, pela RCA. A sua irmã, Maria Bethânia, lança "É de manhã", um original de Caetano. Ainda nesse ano, a colaboração de Caetano com Gil, Gal, Bethânia e Tom Zé continuou no espetáculo "Arena canta Bahia".
Em 1966, concorre, como compositor, ao Festival Nacional da Música Popular, em São Paulo,
com o tema "Boa palavra", interpretado por Maria Odette. A canção
consegue o quinto lugar. Ainda neste ano, recebe o prêmio de melhor
letra no 2.º Festival de Música Popular Brasileira, da TV Record, com a
canção original "Um dia".
Em julho de 1967, assina com a Philips e lança o LP de estreia, Domingo, dividido com Gal Costa;
do repertório, constam "Coração vagabundo" e "Avarandado", entre
outras. O disco mostra uma filiação do artista ao estilo da bossa-nova;
no texto na contracapa, um aviso: "Minha inspiração agora está tendendo
para caminhos muito diferentes dos que segui até aqui". O movimento
tropicalismo estava já em marcha, revolucionando as estéticas artísticas
e culturais da sociedade brasileira. No ano seguinte, edita o seu
primeiro LP
individual, de título homónimo. Deste disco destacam-se alguns grandes
sucessos como "Alegria, alegria", "Tropicália", "Soy loco por ti,
América" (de Gil e Capinan), "No dia que eu vim-me embora" e
"Superbacana". A carreira de Caetano estava definitivamente lançada no
trilho do sucesso. Todavia, ainda neste ano, em plena ditadura no Brasil, Caetano é preso, na companhia de Gilberto Gil, por alegado desrespeito ao hino e à bandeira brasileira. Ambos são libertados poucos meses depois.
A carreira de Caetano é prosseguida com variadas gravações e participações especiais das quais se destacam Caetano Veloso (1969), Araçá Azul (1973), Muitos Carnavais (1977), Bethânia e Caetano (1978), Outras Palavras (1981), Totalmente Demais (1986), Caetanando (1987),Livro (1997). Publicou os livros Alegria, Alegria (1977) e Verdade Tropical (1997), narrando neste último alguns acontecimentos da sua vida. Contracenou em vários filmes e realizou, em 1986, O Cinema Falado.
É considerado um autor original e decisivo na moderna evolução da
música brasileira, principalmente ao nível da criação literária.
No ano 2000 ganhou o prémio grammy para o melhor disco na categoria de world music, com o seu álbum Livro.
Posteriormente,
edita, entre outros, o disco Noites do Norte (2001), um álbum que
regista um som simples e grandioso, reeditado ao vivo no mesmo ano, o
disco Eu Não Peço Desculpa (2002), com Jorge Mauttner, o livro Letra Só (2003), a coletânea de êxitos Antologia (2003) e o álbum Cê (2006), que revela uma fase musical mais rebelde e provocadora..
Da sua carreira constam também as participações na banda sonora dos filmes Habla Con Ella, de Pedro Almodóvar, onde o cantor aparece cantando "Cucurucucu Paloma", e Frida, filme galardoado com o Óscar de Melhor Banda Sonora, com a interpretação do tema "Burn it Blue", por Caetano e Lila Downs. (Daqui)