Armando Viana, Paraguassu, 1936, óleo sobre tela, 113 x 159 cm
Arte Poética
Escrever um poema
é como apanhar um peixe
com as mãos
nunca pesquei assim um peixe
mas posso falar assim
sei que nem tudo o que vem às mãos
é peixe
o peixe debate-se
tenta escapar-se
escapa-se
eu persisto
luto corpo a corpo
com o peixe
ou morremos os dois
ou nos salvamos os dois
tenho de estar atenta
tenho medo de não chegar ao fim
é uma questão de vida ou de morte
quando chego ao fim
descubro que precisei de apanhar o peixe
para me livrar do peixe
livro-me do peixe com o alívio
que não sei dizer
"Nasci sensitiva e assim hei de morrer, muito provavelmente... nós somos o que somos e não o que quereríamos ser; não te parece? Tens que me aceitar como eu sou visto que só assim eu creio que me possam ter amor."
Florbela Espanca, Correspondência (1920)
Florbela Espanca (Vila Viçosa, 8 de Dezembro de 1894 — Matosinhos, 8 de Dezembro de 1930), batizada como Flor Bela de Alma da Conceição Espanca, foi uma poetisa e contista portuguesa.
Depois de concluir os estudos liceais em Évora, frequentou a Faculdade de Direito de Lisboa.
A abordagem crítica da sua obra poética, marcada pela exaltação passional, tem permanecido demasiado devedora de correlações, mais ou menos implícitas, estabelecidas entre o seu conturbado percurso biográfico - uma existência amorosa e socialmente malograda que culminaria com um suicídio aos 36 anos de idade, e uma voz poética feminina, egotista e sentimental, singularmente isolada no contexto literário das primeiras décadas do século.
Na verdade, a leitura mais imparcial das suas composições, entre as quais se contam alguns dos mais belos sonetos da língua portuguesa, permite posicioná-la quer na matriz de uma poesia finissecular que, formalmente, cruza caracteres decadentistas, simbolistas (são várias as referências na sua poesia a autores simbolistas) e neorromânticos (acusando a admiração por certos autores da terceira geração romântica, como Antero de Quental, "à maneira de um epígono de António Nobre" (cf. PEREIRA, José Augusto Seabra - prefácio a Obras Completas de Florbela Espanca, vol. I, Poesia, Lisboa, D. Quixote, 1985, p. IV), quer, ainda, pela forma como a vivência do amor promove, a cada passo, uma mitificação do eu, na senda decertos autores do primeiro modernismo como Mário de Sá-Carneiro, Alfredo Guisado ou António Botto.
Por outra via, a da literatura mística, Florbela Espanca reata conscientemente ("Soror Saudade") com a tradição da literatura claustral feminina que recebera, no período de maior florescimento, uma marca conceptista, mantida na poética de Florbela por certa propensão para a exploração das antíteses morte/vida, amor/dor, verdade/engano. A imagem da mulher que sofre de ilusão em ilusão amorosa, que reitera até ao desespero a sua fatalidade, que dá expressão a uma existência irremediavelmente minada pela ansiedade e pela incompreensão, acabou por, na receção alargada da sua poesia, sobrepor-se a outros nexos temáticos com igual pertinência, como a dor de pensar e a aspiração à simplicidade ("Quem me dera voltar à inocência / Das coisas brutas, sãs, inanimadas, / Despir o vão orgulho, a incoerência: / - Mantos rotos de estátuas mutiladas!" ("Não Ser"); ou a forma como a busca do amor se volve essencialmente em busca de si mesma através dos estilhaços de um ser que não sabe ser sozinho: "Ó pavoroso mal de ser sozinha! / Ó pavoroso e atroz mal de trazer / Tantas almas a rir dentro da minha!" ("Loucura", in Sonetos).
Florbela Espanca. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-09-10].
Bibliografia
Poesia
- 1919 - Livro de Mágoas. Lisboa: Tipografia Maurício.
- 1923 - Livro de Sóror Saudade. Lisboa: Tipografia A Americana.
- 1931 - Charneca em Flor. Coimbra: Livraria Gonçalves.
- 1931 - Juvenília: versos inéditos de Florbela Espanca (com 28 sonetos inéditos). Estudo crítico de Guido Battelli. Coimbra: Livraria Gonçalves.
- 1934 - Sonetos Completos (Livro de Mágoas, Livro de Sóror Saudade, Charneca em Flor, Reliquiae). Coimbra: Livraria Gonçalves.
Prosa
- 1931 - As Máscaras do Destino. Porto: Editora Marânus.
- 1981 - Diário do Último Ano. Prefácio de Natália Correia. Lisboa: Livraria Bertrand.
- 1982 - O Dominó Preto. Prefácio de Y. K. Centeno. Lisboa: Livraria Bertrand.
Coletâneas
- 1985/86 - Obras Completas de Florbela Espanca. 8 vols. Edição de Rui Guedes. Lisboa: Publicações Dom Quixote.
- 1994 - Trocando Olhares. Estudo introdutório, estabelecimento de textos e notas de Maria Lúcia Dal Farra. Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda.
Epistolografia
- 1931 - Cartas de Florbela Espanca (A Dona Júlia Alves e a Guido Battelli). Coimbra: Livraria Gonçalves.
- 1949 - Cartas de Florbela Espanca. Prefácio de Azinhal Abelho e José Emídio Amaro. Lisboa: Edição dos Autores.
Armando Viana, Subúrbio, Óleo sobre tela
Armando Martins Viana (Rio de Janeiro, 1897 — Rio de Janeiro, 1992) foi um pintor, desenhista e professor brasileiro.
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