quarta-feira, 10 de setembro de 2014

"Arte Poética" - Poema de Adília Lopes


Armando Viana, Paraguassu, 1936,  óleo sobre tela, 113 x 159 cm
 


Arte Poética


Escrever um poema 
é como apanhar um peixe 
com as mãos 
nunca pesquei assim um peixe 
mas posso falar assim 
sei que nem tudo o que vem às mãos 
é peixe 
o peixe debate-se 
tenta escapar-se 
escapa-se 
eu persisto 
luto corpo a corpo 
com o peixe 
ou morremos os dois 
ou nos salvamos os dois 
tenho de estar atenta 
tenho medo de não chegar ao fim 
é uma questão de vida ou de morte 
quando chego ao fim 
descubro que precisei de apanhar o peixe 
para me livrar do peixe 
livro-me do peixe com o alívio 
que não sei dizer 


in 'Um Jogo Bastante Perigoso'


Armando Viana, Navios, Óleo sobre tela, 50 x 65 - 1953


"Nasci sensitiva e assim hei de morrer, muito provavelmente... nós somos o que somos e não o que quereríamos ser; não te parece? Tens que me aceitar como eu sou visto que só assim eu creio que me possam ter amor."

Florbela Espanca, Correspondência (1920)




Florbela Espanca  (Vila Viçosa, 8 de Dezembro de 1894 — Matosinhos, 8 de Dezembro de 1930), batizada como Flor Bela de Alma da Conceição Espanca, foi uma poetisa e contista portuguesa.

 Depois de concluir os estudos liceais em Évora, frequentou a Faculdade de Direito de Lisboa.

A abordagem crítica da sua obra poética, marcada pela exaltação passional, tem permanecido demasiado devedora de correlações, mais ou menos implícitas, estabelecidas entre o seu conturbado percurso biográfico - uma existência amorosa e socialmente malograda que culminaria com um suicídio aos 36 anos de idade, e uma voz poética feminina, egotista e sentimental, singularmente isolada no contexto literário das primeiras décadas do século. 

Na verdade, a leitura mais imparcial das suas composições, entre as quais se contam alguns dos mais belos sonetos da língua portuguesa, permite posicioná-la quer na matriz de uma poesia finissecular que, formalmente, cruza caracteres decadentistas, simbolistas (são várias as referências na sua poesia a autores simbolistas) e neorromânticos (acusando a admiração por certos autores da terceira geração romântica, como Antero de Quental, "à maneira de um epígono de António Nobre" (cf. PEREIRA, José Augusto Seabra - prefácio a Obras Completas de Florbela Espanca, vol. I, Poesia, Lisboa, D. Quixote, 1985, p. IV), quer, ainda, pela forma como a vivência do amor promove, a cada passo, uma mitificação do eu, na senda decertos autores do primeiro modernismo como Mário de Sá-CarneiroAlfredo Guisado ou António Botto.

Por outra via, a da literatura mística, Florbela Espanca reata conscientemente ("Soror Saudade") com a tradição da literatura claustral feminina que recebera, no período de maior florescimento, uma marca conceptista, mantida na poética de Florbela por certa propensão para a exploração das antíteses morte/vida, amor/dor, verdade/engano. A imagem da mulher que sofre de ilusão em ilusão amorosa, que reitera até ao desespero a sua fatalidade, que dá expressão a uma existência irremediavelmente minada pela ansiedade e pela incompreensão, acabou por, na receção alargada da sua poesia, sobrepor-se a outros nexos temáticos com igual pertinência, como a dor de pensar e a aspiração à simplicidade ("Quem me dera voltar à inocência / Das coisas brutas, sãs, inanimadas, / Despir o vão orgulho, a incoerência: / - Mantos rotos de estátuas mutiladas!" ("Não Ser"); ou a forma como a busca do amor se volve essencialmente em busca de si mesma através dos estilhaços de um ser que não sabe ser sozinho: "Ó pavoroso mal de ser sozinha! / Ó pavoroso e atroz mal de trazer / Tantas almas a rir dentro da minha!" ("Loucura", in Sonetos).

Florbela Espanca. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-09-10].


Bibliografia

Poesia
  • 1919 - Livro de Mágoas. Lisboa: Tipografia Maurício. 
  • 1923 - Livro de Sóror Saudade. Lisboa: Tipografia A Americana.
  • 1931 - Charneca em Flor. Coimbra: Livraria Gonçalves.
  • 1931 - Juvenília: versos inéditos de Florbela Espanca (com 28 sonetos inéditos). Estudo crítico de Guido Battelli. Coimbra: Livraria Gonçalves.
  • 1934 - Sonetos Completos (Livro de Mágoas, Livro de Sóror Saudade, Charneca em Flor, Reliquiae). Coimbra: Livraria Gonçalves.

Prosa

Coletâneas
  • 1985/86 -  Obras Completas de Florbela Espanca. 8 vols. Edição de Rui Guedes. Lisboa: Publicações Dom Quixote.
  • 1994 - Trocando Olhares. Estudo introdutório, estabelecimento de textos e notas de Maria Lúcia Dal Farra. Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda.

Epistolografia
  • 1931 -  Cartas de Florbela Espanca (A Dona Júlia Alves e a Guido Battelli). Coimbra: Livraria Gonçalves.
  • 1949 - Cartas de Florbela Espanca. Prefácio de Azinhal Abelho e José Emídio Amaro. Lisboa: Edição dos Autores.

Armando Viana, Subúrbio, Óleo sobre tela


Armando Martins Viana (Rio de Janeiro, 1897 — Rio de Janeiro, 1992) foi um pintor, desenhista e professor brasileiro.

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