segunda-feira, 21 de setembro de 2015

"Mãe!" - Poema de Almada Negreiros


Almada Negreiros, Maternidade, 1935



Mãe!


Mãe! a oleografia está a entornar o amarelo do Deserto por cima da 
minha vida. O amarelo do Deserto é mais comprido do que um dia todo! 
Mãe! eu queria ser o árabe! Eu queria raptar a menina loira! 
Eu queria saber raptar. 
Dá-me um cavalo, mãe! Até a palmeira verde está esmeralda! E o anel?! 

A minha cabeça amolece ao sol sobre a areia movediça do Deserto! 
A minha cabeça está mole como a minha almofada! 

Há uns sinais dentro da minha cabeça, como os sinais do Egípcio, 
como os sinais do Fenício. Os sinais destes já têm antecedentes e eu 
ainda vou para a vida. 

Não há muros para que haja estrada! Não há muros para pôr cartazes! 
Não está a mão de tinta preta a apontar — por aqui! 
Só há sombras do sol nas laranjeiras da outra margem, e todas as noites 
o sono chega roubado! 

Mãe! As estrelas estão a mentir. Luzem quando mentem. Mentem 
quando luzem. Estão a luzir, ou mentem? 
Já ia a cuspir para o céu! 

Mãe! a minha estrela é doida! Coube-me nas sortes a Estrela-doida! 

Mãe! dá-me um cavalo! Eu já sou o galope! Há uma palmeira, Mãe! 
O que quer dizer um anel? Tem uma esmeralda. 

Mãe! eu quero ser as três oleografias! 



in 'Antologia Poética'

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