sexta-feira, 16 de setembro de 2016

"Sextina" - Poema de Manuel Alegre


Francis Picabia, The Dance at the Spring, 1912, oil on canvas, 
Philadelphia Museum of Art



Sextina


Tanto de amor se disse que não sei 
Como dizer que amor é outra coisa 
Que nem só o teu corpo me fez rei 
Nem tua alma só me deu a rosa 
Tanto se disse menos o dizer 
Esta paixão que é de todo o ser 

E ao fim do ser ainda a outra coisa 
Mais do que corpo e alma e ser não ser 
Como entre vida e morte e sexo e rosa 
Um morrer e um nascer. Como dizer 
Este reino em que sou o servo e o rei 
Como dizer se tanto e ainda não sei 

Como dizer este Elsenor sem rei 
Se tanto disse menos o dizer 
Esta paixão que sabe o que não sei 
Em Elsenor de ser e de não ser 
Senão que amor ainda é outra coisa 
Como entre o corpo e a morte o anjo e a rosa 

Como dizer do sexo a alma e a rosa 
Se amor é mais que ter e mais que ser 
Um morrer ou nascer ou outra coisa 
Entre a vida e a morte e um não dizer 
Senão que disse tanto e ainda não sei 
Como dizer de amor se servo ou rei 

Se disse tanto menos o dizer 
Esta paixão da alma que não sei 
Se é o sexo ou seu anjo ou só o ser 
Entre a vida e a morte o breve rei 
Deste reino que fica à beira-rosa 
Do teu corpo onde amor é outra coisa 

Como dizer de amor ser e não ser 
Se amor mais do que amor é outra coisa 
Mais do que ser e ter mais que dizer 
Um morrer e nascer entre anjo e rosa 
Ou entre o corpo e a alma o servo e o rei 
Como dizer se tanto e ainda não sei 


in "Chegar Aqui" (1984)

Sem comentários: