Em louvor da desordem.
Exaltando
o vinho e os seus fermentos.
Em louvor dos motivos
e em louvor
da pura insensatez,
nos sentaremos nós ouvindo este homem,
atravessados pelo seu galope.
Como a uma criança, aconchegamos tudo aquilo que ele amou.
Tudo o que é térreo
e sujo
e sorridente,
e oferece o rosto
de chapão à luz.
Coisas que nos deslizam sob a pele disparando calor.
Regendo as linhas
fundamentais da vida.
Há um nó de caminhos onde este homem
se pôs a esconder pólvora e sementes,
calendários rurais.
Dele não pode falar-se sem que se ouça
a espantosa alegria.
Sem que de novo bata pelos sítios
o eco de um tambor,
É bem possível
que a canção vele, oculta nas cidades.
Que se incline nos nossos pensamentos
como um espelho lunar,
duro e pacífico.
E sob o seu olhar nos desloquemos
por entre a turbulência.
E dela venha um íntimo sentido
e o seu ardor nos saiba
conduzir.
Pois deste homem ficou o ofício.
Os meios.
Sabemos de que modo se levantam
as pedras sobre as pedras.
Sabemos de que modo as aguçar.
Existe anda
um cordão de linguagens.
Vibra teimosamente o ar, movido por sopros e até mesmo
por fadigas.
E a sua voz empurra e alimenta essas circulações.
É o vento do sol
que permanece.
Zeca Afonso (José Afonso) - Vejam Bem
"Cantares do Andarilho" (1968)
"Cantar, dizem, é um afastamento da morte. A voz suspende o passo da morte e, em volta, tudo se torna pegada da vida."
in 'Na berma de nenhuma estrada e outros contos'
Sem comentários:
Enviar um comentário