terça-feira, 28 de março de 2017

"Oiça vizinha: o melhor" - Poema de Augusto Gil


Paul Gustav Fischer, Portrait of a young woman in a green dress,1913



Oiça vizinha: o melhor


Oiça vizinha: o melhor
É combinarmos o modo 
De acabar com este amor 
Que me toma o tempo todo. 

Passo os meus dias a vê-la 
Bordar ao pé da sacada. 
Não me tiro da janela, 
Não leio, não faço nada... 

O seu trabalho é mais brando, 
Não lhe prende o pensamento. 
Vai conversando, bordando 
E acirrando o meu tormento... 

O meu, não: abro um artigo 
De lei, mas nunca o acabo, 
Pois dou de cara consigo 
E mando as leis ao diabo. 

Ao diabo mando as leis 
Com exceção de um artigo 
O mil e cinquenta e seis... 
Quer conhecê-lo? Eu lho digo:

"Casamento é um contrato 
Perpétuo." Este adjetivo 
Transmuda o mais lindo parto 
No assunto mais repulsivo. 

"Perpétuo!" Repare bem 
Que artigo cheio de puas 
Ainda se não fosse além 
Duma semana ou duas... 

Olhe tivesse eu mandato 
De legislar e poria: 
"Casamento é um contrato 
Duma hora – até um dia..." 

Mas não tenho. É pois melhor 
Combinarmos algum modo 
De acabar com este amor 
Que me toma o tempo todo. 


 (1873-1929)


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