Carta de Guia
Mesmo com este calor eu quero ir.
Aos tropeções, aos bordos, de qualquer maneira,
porque há pessoas que estão à minha espera
e que nasceram pra eu me importar com elas.
Há vinte e dois anos que estou a falar de mim
e hei de falar de mim a vida inteira:
tanta coisa que eu tenho para dizer,
e passar ao papel!
A anatomia da minha alma, principalmente,
que há de ficar escrita,
pra que vejam como é esquisito um homem por dentro.
Mesmo com este calor eu quero ir.
Aos tropeções, aos bordos, de qualquer maneira,
porque há pessoas que estão à minha espera
e que nasceram pra eu me importar com elas.
Há vinte e dois anos que estou a falar de mim
e hei de falar de mim a vida inteira:
tanta coisa que eu tenho para dizer,
e passar ao papel!
A anatomia da minha alma, principalmente,
que há de ficar escrita,
pra que vejam como é esquisito um homem por dentro.
Mas agora, neste momento,
e noutros iguaizinhos a este,
ponho de parte o binóculo com que me espreito
e graças ao qual tudo o que em mim é pequeno me parece grande
e vou pra frente, apesar do calor,
apesar de ir como um bêbado.
Há mãos estendidas, lábios secos.
Casas aonde o Sol tem pudor de entrar, de tão infectas.
Aonde Deus taparia o nariz, se chegasse à porta.
Quando as palavras são como pensos de linho,
não há nada melhor para a alma, feita de carne em chaga de um homem.
Por isso é que vou indiferente a este calor de Junho.
O binóculo fica à espera.
Eu fico à espera.
Largo barcos e redes,
não aconteça que os outros todos que estão à minha espera
tenham morrido já, quando eu chegar,
ou já não tenham ouvidos para as minhas palavras,
nem lábios que percebam
a frescura de água que eu levar...
Sebastião da Gama, in Itinerário Paralelo
Dominando e vigiando silenciosamente a cidade do Lis que se estende a seus pés, o castelo medieval de Leiria
foi edificado no topo de uma luxuriante e íngreme colina, constituindo
um conjunto de rara beleza entre património construído e paisagem
natural.
Para além da sua função militar, o castelo de Leiria integra, de forma soberba, uma ala do antigo Palácio de D. Dinis e acolhe ainda as ruínas da sua igreja gótica.
Os primórdios deste castelo - no período anterior à fundação de Portugal - encontram-se envoltos em bruma e esquecimento, dado que escassos ou nenhuns vestígios desse tempo sobreviveram até aos nossos dias.
Para além da sua função militar, o castelo de Leiria integra, de forma soberba, uma ala do antigo Palácio de D. Dinis e acolhe ainda as ruínas da sua igreja gótica.
Os primórdios deste castelo - no período anterior à fundação de Portugal - encontram-se envoltos em bruma e esquecimento, dado que escassos ou nenhuns vestígios desse tempo sobreviveram até aos nossos dias.
Com efeito, no contexto das guerras da Reconquista do século XII, Leiria surgia como ponto-chave da estratégia militar de defesa da fronteira sul do Condado Portucalense. Este castelo situava-se numa área de permanentes sobressaltos, zona onde a guerra entre o Islão e o mundo cristão marcava o quotidiano das inseguras povoações localizadas a sul do Rio Mondego.
Ainda príncipe e jovem, D. Afonso Henriques conquista Leiria e o seu castelo aos Mouros. Pouco depois, em 1135, uma notícia informa que a fortaleza estava a ser erguida de raiz. Defendido por uma guarnição comandada pelo cavaleiro Paio Guterres, o castelo leiriense seria alvo, dois anos mais tarde, de um impiedoso assalto das tropas almóadas. Sem o auxílio de D. Afonso Henriques, em pleito na Galiza, Paio Guterres abandona o castelo, após feroz e sangrenta resistência.
O castelo de Leiria iria mudar de mãos ainda por mais duas vezes, colocado definitivamente sob as armas cristãs nos alvores da nacionalidade portuguesa. Em 1144, o castelo é restaurado, ao mesmo tempo que a sua guarnição era reforçada.
Entretanto, Leiria desenvolvia-se e viria a receber carta de foral, sendo-lhe igualmente concedido o título de vila. D. Sancho I confirmaria este estatuto através de novo foral, atribuído cerca de 50 anos depois. Por outro lado, as muralhas estendiam o seu manto protetor às novas áreas da urbe românica.
O castelo de Leiria torna-se importante nas Cortes de 1254, mandadas convocar por D. Afonso III. A parte residencial do Paço Real, que sofreu melhoramentos significativos, assume maior protagonismo no tempo de D. Dinis - altura em que este soberano e sua mulher, a Rainha Santa Isabel, elegem o castelo de Leiria como uma das suas residências sazonais.
Da reforma românica ao tempo de D. Sancho I subsistem ainda partes da barbacã e da cerca amuralhada, reforçada por torres de vigia.
No centro ergue-se o núcleo mais forte e imponente, sob o ponto de vista de defesa militar, destacando-se a poderosa Torre de Menagem, dividida em três andares e coroada por ameias quadrangulares, obra pertencente ao período de D. Dinis.
Debruçada sobre a cidade e solidamente assente na muralha exterior avulta a graciosa Loggia do Paço Real, constituída pelos seus oito belos arcos do gótico ogival - obra que foi reconstruída neste século pelo arquiteto Ernesto Korrodi. Este Paço Real é composto por corpo central de três pisos, ladeado por torreões com arcadas e cobertos por telhados. Interiormente, a clareza dos seus salões reflete uma certa simplicidade de formas e uma grandeza de espaços.
Os panos de muralha, com as suas torres defensivas, ocultam no seu interior outra das preciosidades da Leiria Medieval: a arruinada Igreja de Nossa Senhora da Pena, singular obra religiosa do gótico trecentista, ostentando um singelo portal ogival de cinco arquivoltas apoiadas em belos colunelos. A abside ainda resiste e mostra a sua cobertura de abóbadas nervuradas. Os panos laterais da capela-mor são rasgados por frestas ogivais de dois lumes, encimadas por quadrifólios. (daqui)
Ainda príncipe e jovem, D. Afonso Henriques conquista Leiria e o seu castelo aos Mouros. Pouco depois, em 1135, uma notícia informa que a fortaleza estava a ser erguida de raiz. Defendido por uma guarnição comandada pelo cavaleiro Paio Guterres, o castelo leiriense seria alvo, dois anos mais tarde, de um impiedoso assalto das tropas almóadas. Sem o auxílio de D. Afonso Henriques, em pleito na Galiza, Paio Guterres abandona o castelo, após feroz e sangrenta resistência.
O castelo de Leiria iria mudar de mãos ainda por mais duas vezes, colocado definitivamente sob as armas cristãs nos alvores da nacionalidade portuguesa. Em 1144, o castelo é restaurado, ao mesmo tempo que a sua guarnição era reforçada.
Entretanto, Leiria desenvolvia-se e viria a receber carta de foral, sendo-lhe igualmente concedido o título de vila. D. Sancho I confirmaria este estatuto através de novo foral, atribuído cerca de 50 anos depois. Por outro lado, as muralhas estendiam o seu manto protetor às novas áreas da urbe românica.
O castelo de Leiria torna-se importante nas Cortes de 1254, mandadas convocar por D. Afonso III. A parte residencial do Paço Real, que sofreu melhoramentos significativos, assume maior protagonismo no tempo de D. Dinis - altura em que este soberano e sua mulher, a Rainha Santa Isabel, elegem o castelo de Leiria como uma das suas residências sazonais.
Da reforma românica ao tempo de D. Sancho I subsistem ainda partes da barbacã e da cerca amuralhada, reforçada por torres de vigia.
No centro ergue-se o núcleo mais forte e imponente, sob o ponto de vista de defesa militar, destacando-se a poderosa Torre de Menagem, dividida em três andares e coroada por ameias quadrangulares, obra pertencente ao período de D. Dinis.
Debruçada sobre a cidade e solidamente assente na muralha exterior avulta a graciosa Loggia do Paço Real, constituída pelos seus oito belos arcos do gótico ogival - obra que foi reconstruída neste século pelo arquiteto Ernesto Korrodi. Este Paço Real é composto por corpo central de três pisos, ladeado por torreões com arcadas e cobertos por telhados. Interiormente, a clareza dos seus salões reflete uma certa simplicidade de formas e uma grandeza de espaços.
Os panos de muralha, com as suas torres defensivas, ocultam no seu interior outra das preciosidades da Leiria Medieval: a arruinada Igreja de Nossa Senhora da Pena, singular obra religiosa do gótico trecentista, ostentando um singelo portal ogival de cinco arquivoltas apoiadas em belos colunelos. A abside ainda resiste e mostra a sua cobertura de abóbadas nervuradas. Os panos laterais da capela-mor são rasgados por frestas ogivais de dois lumes, encimadas por quadrifólios. (daqui)
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