domingo, 10 de fevereiro de 2013

"A Casa do Mundo" - Poema de Luiza Neto Jorge


Sergei Tyukanov, Moon


Sergei Tyukanov, Moon


A Casa do Mundo



Aquilo que às vezes parece
um sinal no rosto
é a casa do mundo
é um armário poderoso
com tecidos sanguíneos guardados
e a sua tribo de portas sensíveis.

Cheira a teias eróticas. Arca delirante
arca sobre o cheiro a mar de amar.

Mar fresco. Muros romanos. Toda a música.
O corredor lembra uma corda suspensa entre
os Pirinéus, as janelas entre faces gregas.
Janelas que cheiram ao ar de fora
à núpcia do ar com a casa ardente.

Luzindo cheguei à porta.
Interrompo os objetos de família, atiro-lhes
a porta.
Acendo os interruptores, acendo a interrupção,
as novas paisagens têm cabeça, a luz
é uma pintura clara, mais claramente lembro:
uma porta, um armário, aquela casa.

Um espelho verde de face oval
é que parece uma lata de conservas dilatada
com um tubarão a revirar-se no estômago
no fígado, nos rins, nos tecidos sanguíneos.

É a casa do mundo:
desaparece em seguida.


Luiza Neto Jorge, O seu a seu tempo 
 


Luiza Neto Jorge



Luiza Neto Jorge

Poetisa portuguesa nascida a 10 de maio de 1939, em Lisboa, e falecida a 23 de fevereiro de 1989, na mesma cidade. Frequentou o curso de Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa e viveu em Paris, entre 1962 e 1970. 
Autora de guiões cinematográficos e de adaptações teatrais, Luiza Neto Jorge desenvolveu a atividade de tradutora, tendo traduzido, entre muitos outros autores, Apollinaire, Aragon, Artaud, Céline, Éluard, Genet, Ionesco, Michaux, Raimond Queneau, Jarry, Nerval, Boris Vian, Yourcenard. Integrou o grupo que se reuniu em torno do projeto Poesia 61, antologia poética, organizada em fascículos, que reúne textos de Casimiro de Brito, Fiama Hasse Pais Brandão, Gastão Cruz e Maria Teresa Horta, e onde publicou Quarta Dimensão
Embora a sua poesia se aproxime dos textos poéticos aí recolhidos no que espelham de uma tendência poética que, durante a década de 60, dá privilégio à palavra, à linguagem na sua opacidade, na busca de uma expressão depurada e não discursiva, ao cuidado posto na construção do poema, Luiza Neto Jorge diferencia-se quer pela importância que o legado surrealista tem na sua escrita, quer pela capacidade de diálogo com a tradição lírica. 
A sua obra poética distingue-se, num cerrado rigor construtivo, pela contenção emotiva e pelo despojamento de tudo o que é redundante face à contundência da palavra exata, numa capacidade de fusão entre poesia discursiva e poesia imagética, de transmitir a rutura com o senso comum numa expressão lapidar, onde as palavras são, "em si mesmas, pura dinamite, uma permanente vertigem, uma constante transgressão." (cf. CRUZ, Gastão, A Poesia Portuguesa Hoje, 1999, pp.153-163).

Luiza Neto Jorge. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-02-09].



Galeria de Sergei Tyukanov
Sergei Tyukanov, Time


Sergei Tyukanov, Battle with Sausages 


Sergei Tyukanov, High Fashion for Cats


Sergei Tyukanov, Musicians 


Sergei Tyukanov, Russian fairy tales, 2008


Sergei Tyukanov, Camelo


 Sergei Tyukanov, Project for Hotel and Restaurants


Sergei Tyukanov, rhinoceros


Sergei Tyukanov, Hotel and Restaurant 


Sergei Tyukanov, Flying Bottle


Sergei Tyukanov, Alice in Wonderland


Sergei Tyukanov, Cat


 Sergei Tyukanov


Sergei Tyukanov nasceu a  17 maio de 1955, numa ilha do Pacífico, situada na pequena cidade russa de Poronaisk. Como vivia isolado, os livros de ilustração infantil foram grandes companheiros durante a infância do pequeno Sergey.
Seus sketches, pinturas e desenhos imaginam mundos super-habitados por personagens da cultura russa, que se mesclam a outras referências, a exemplo das histórias em quadrinhos e para crianças, do surrealismo e de artistas como Bosch.

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