sábado, 23 de fevereiro de 2013

"Poema do Futuro" - António Gedeão


Martin Johnson Heade, Hummingbirds at Their Nest - Sun Gems



Poema do Futuro


Conscientemente escrevo e, consciente,
medito o meu destino.

No declive do tempo os anos correm,
deslizam como a água, até que um dia
um possível leitor pega num livro
e lê,
lê displicentemente,
por mero acaso, sem saber porquê.

Lê, e sorri.
Sorri da construção do verso que destoa
no seu diferente ouvido;
sorri dos termos que o poeta usou
onde os fungos do tempo deixaram cheiro a mofo;
e sorri, quase ri, do íntimo sentido,
do latejar antigo
daquele corpo imóvel, exumado
da vala do poema.

Na História Natural dos sentimentos
tudo se transformou.

O amor tem outras falas,
a dor outras arestas,
a esperança outros disfarces,
a raiva outros esgares.

Estendido sobre a página, exposto e descoberto,
exemplar curioso de um mundo ultrapassado,
é tudo quanto fica,
é tudo quanto resta
de um ser que entre outros seres
vagueou sobre a Terra.


in 'Poemas Póstumos'
[Rómulo de Carvalho (pseudónimo  António Gedeão),
Poeta/Professor/Pedagogo/Investigador (1906-1997)]



 Martin Johnson Heade, Apple Blossoms and a Hummingbird, 1875


  Martin Johnson Heade, Amethyst Hummingbirds


  Martin Johnson Heade, Cherokee Roses on a Light Gray Cloth


 Martin Johnson Heade, A Vase of Corn Lilies and Heliotrope


Martin Johnson Heade, Two Cherokee Rose Blossoms on a Table


Martin Johnson Heade, Orchid and Hummingbird near a Mountain Waterfall


Martin Johnson Heade, Passion Flowers and Hummingbirds

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