Monumento a
Júlio Dinis, no Porto, sua cidade natal.
[O
Monumento é constituído por busto em bronze, da autoria do
Mestre João da Silva (1880 – 1960), que assenta sobre plinto em granito. O conjunto é complementado com elegante figura feminina que presta homenagem através de deposição de grinalda de flores junto ao busto do poeta. O conjunto resultou de uma homenagem da Faculdade de Medicina do Porto e oferta do monumento à Câmara Municipal da mesma cidade. Foi inaugurado em 1 de Junho de 1926.]
A esmola do pobre
Nos toscos degraus da porta
De igreja rústica e antiga,
Velha trémula e mendiga
Implorava compaixão.
Quase um século contado
De atribulada existência,
Ei-la enferma e na indigência,
Que à piedade estende a mão.
Duas crianças brincavam
À distância, na alameda;
Uma trajada de seda,
Da outra humilde era o trajar.
Uma era rica, outra pobre,
Ambas loiras e formosas,
Nas faces a cor das rosas,
Nos olhos o azul do ar.
A rica, ao deixar os jogos,
Vencida pelo cansaço,
Viu a mendiga – e ao regaço
Uma esmola lhe lançou.
Ela recebe-a; e a criança,
Que a socorre compassiva,
Em prece fervente e viva,
Aos anjos encomendou.
De um ligeiro sentimento
De vaidade possuída,
À criança mal vestida
Disse a do rico trajar:
- «O prazer de dar esmolas
A ti e aos teus não é dado;
Pobre como és, coitado,
Aos pobres o que hás de dar?»
Então a criança pobre,
Sem más sombras de desgosto,
Tendo o sorriso no rosto,
Da igreja se aproximou;
E após, serena, em silêncio,
Ao chegar junto da velha,
Descobrindo-se, ajoelha,
E a magra mão lhe beijou.
E a mendiga alvoroçada,
Ao colo os braços lhe lança,
E beija a pobre criança,
Chorando de comoção!
É assim que a caridade
Do pobre ao pobre consola;
Nem só da mão sai a esmola,
Sai também do coração.
Escritor português,
Júlio Dinis é o pseudónimo literário mais conhecido de
Joaquim Guilherme Gomes Coelho, entre os vários que o autor adotou ao longo da sua carreira literária.
Nasceu a 14 de novembro de 1839, no Porto, e morreu a 12 de setembro de 1871, na mesma cidade. Licenciou-se em Medicina, mas dedicou-se sobretudo à literatura, podendo ser considerado como um escritor de transição, situado entre o fim do Romantismo e o início do Realismo.
É autor de poesias, peças de teatro, textos de teorização literária, mas destaca-se sobretudo como romancista, deixando em pouco mais de trinta e dois anos de vida uma produção original e inovadora, que contribuiu grandemente para a criação do romance moderno em Portugal.
Órfão de mãe aos seis anos, estudou na Academia Politécnica a partir de 1853, onde se relacionou com o poeta portuense Soares de Passos, e ingressou na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, em 1855, ano em que dois irmãos seus morrem, vítimas da tuberculose. Por essa altura, entrou para um grupo de teatro, o "Cenáculo", e escreveu as suas primeiras peças de teatro, que viriam a ser postumamente reunidas nos três volumes do Teatro Inédito, em 1946-1947.
Em 1860, ano da morte de Soares de Passos, abandonou o "Cenáculo" e estreou-se na revista "A Grinalda" com poesias românticas que viriam a fazer parte das Poesias (1870).
Em 1861, concluiu o curso de Medicina. Nos dois anos seguintes, publicou em folhetim no Jornal do Porto alguns dos contos que seriam postumamente compilados em Serões da Província, assinando ora Júlio Dinis, ora Diana de Aveleda.
Em 1863, passou uma temporada em casa de familiares, em Ovar, para se tratar da tuberculose, declarada um ano antes. Aí, descobre os encantos da vida rural, que estará presente em grande parte das suas obras - Júlio Dinis foi principalmente um escritor de espaços, oferecendo-nos quadros onde revela uma preocupação pela veracidade nas descrições das aldeias, dos ambientes e caracteres, e na evolução da intriga.
Em 1865, ingressou na Escola Médico-Cirúrgica, onde se formara, como demonstrador.
O seu primeiro romance, As Pupilas do Senhor Reitor, é publicado em folhetins no Jornal do Porto, em 1866, e em volume um ano depois. Seguem-se-lhe, em 1868, Uma Família Inglesa (retrato da vida citadina, dando especial relevo à pequena burguesia nascente) e A Morgadinha dos Canaviais, no mesmo ano em que As Pupilas do Senhor Reitor, adaptadas ao teatro, são representadas no Teatro da Trindade.
Em 1869, parte para a Madeira, em busca de uma melhoria do seu estado de saúde, regressando, um ano depois, ao Porto, onde publica os Serões da Província. No mesmo ano, concluiu o seu quarto romance, Os Fidalgos da Casa Mourisca, cujas provas tipográficas já não acabará de rever.
Em 1871, no mesmo ano em que as Pupilas do Senhor Reitor são representadas no Rio de Janeiro, assinalando já a celebridade do escritor além fronteiras, morre prematuramente, vítima da tuberculose.
Em 1874, surge o volume póstumo das Poesias e, em 1910, a compilação de textos narrativos e teóricos Inéditos e Esparsos.
Júlio Dinis - cujo conhecimento da língua e da cultura inglesas (a sua mãe era de ascendência irlandesa) lhe possibilitou a leitura de novelistas como Jane Austen, Richardson, Thackeray e Dickens, cujas obras são marcadas pelo realismo psicológico - deixou uma produção romanesca eivada de componentes realistas e românticos. Assim, se a sua conceção do romance, exposta em Inéditos e Esparsos, baseada na lentidão da narrativa, na averiguação da verdade, no tratamento de temas familiares e quotidianos, o aproxima da estética realista, a idealização do campo, da mulher, da família, a tendência para a solução harmoniosa dos conflitos, o pendor moralizador dos desfechos das intrigas, o otimismo do seu ideal social, em que felicidade amorosa e harmonização social são indissociáveis, têm ressonâncias românticas.
Júlio Dinis. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-09-26].
Pedro Abrunhosa - "Toma Conta de Mim" [2013]
Música e Letra - Pedro Abrunhosa