segunda-feira, 2 de setembro de 2013

"Não julgues segundo a soma" - Texto de Antoine de Saint-Exupéry


William J. Glackens (American realist painter, 1870-1938), La Villette, 1895 
 


Não julgues segundo a soma


Não hás de julgar segundo a soma. Vens-me dizer que não há nada a esperar daqueles acolá. São grosseria, gosto do lucro, egoísmo, ausência de coragem, fealdade. Mas se me podes falar assim das pedras, as quais são rudeza, peso morno e espessura, já o não podes daquilo que tiras das pedras: estátua ou templo. Quase nunca vi o ser comportar-se como o teriam feito prever as suas partes. Se pegares em vizinhos à parte, virás a concluir que cada um deles odeia a guerra e não está disposto a abandonar o lar, porque ama os filhos e a esposa e as refeições de aniversário; nem a derramar o sangue, porque é bom, dá de comer ao cão e faz carícias ao burro, nem a roubar outrem, pois tu bem vês que ele apenas preza a sua própria casa e puxa o lustro às suas madeiras e manda pintar as paredes e perfuma o jardim de flores. E dir-me-ás: «Eles representam no mundo o amor à paz...» No entanto, o império deles não passa de uma grande terrina onde se vai cozendo a guerra. E a bondade deles e a doçura deles pelo animal ferido e a emoção deles à vista de flores não passam de ingrediente de uma magia que prepara o tilintar das armas, da mesma maneira que aquela mistura de neve, de madeira envernizada e de cera quente prepara as grandes palpitações do coração, embora a captura não seja, como nunca é, da essência do laço.


Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), in "Cidadela"
 

 
William Glackens, Theater Scene, 1903, oil on canvas, 32.4 x 39.4 cm
 
 
William Glackens, Under the Trees, Luxembourg Gardens, 1906,
Munson Williams Proctor Institute, Utica, New York, USA


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