quinta-feira, 19 de setembro de 2013

"Os convencidos da vida" - Texto de Alexandre O'Neill


Painel exterior do Tribunal de Ovar, de Jorge Barradas, 1965


Os convencidos da vida


Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear. 
Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força. 
Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista. 
Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido precisa de irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se?

(...) No corre-que-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes. É tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la. Depende do que, na circunstância, ele julgar que lhe será mais útil. 
Para quem o sabe observar, para quem tem a pachorra de lhe seguir a trajectória, o convencido da vida farta-se de cometer «gaffes». Não importa: o caminho é em frente e para cima. A pior das «gaffes», além daquelas, apenas formais, que decorrem da sua ignorância de certos sinais ou etiquetas de casta, de classe, e que o inculcam como um arrivista, um «parvenu», a pior das «gaffes» é o convencido da vida julgar-se mais hábil manobrador do que qualquer outro. 
Daí que não seja tão raro como isso ver um convencido da vida fazer plof e descer, liquidado, para as profundas. Se tiver raça, pôr-se-á, imediatamente, a «refaire surface». Cá chegado, ei-lo a retomar, metamorfoseado ou não, o seu propósito de se convencer da vida - da sua, claro - para de novo ser, com toda a plenitude, o convencido da vida que, afinal... sempre foi.


Alexandre O'Neill, in "Uma Coisa em Forma de Assim"


Revista ABC, número 360, ano VII, 9 de Junho de 1927.
Capa de Jorge Barradas (1894-1971)


Pintor português, Jorge Nicholson Moore Barradas nasceu em 1894, em Lisboa. Os seus primeiros trabalhos, incursões no campo da caricatura e da ilustração, recolheram da crítica da época os melhores elogios. Enquanto ilustrador, colaborou em importantes jornais e revistas, como a Ideia Nacional, Seara Nova e Ilustração Portuguesa.
A experiência no campo das artes gráficas influenciou as suas primeiras obras, caracterizadas por um equilíbrio de cor, texturas e luz, associado a uma simplicidade do tratamento das formas.
Jorge Barradas estabeleceu a ligação entre a inspiração naturalista e a tendência fauve em representações da cidade de Lisboa e das suas gentes. Os seus quadros mais famosos retratam as lavadeiras e as vendedoras ambulantes de Lisboa, na azáfama do dia a dia. Na sua obra pictórica, executada sobre suportes de grande formato, a linearidade e simplificação dos corpos humanos convive com jogos de contraste de cor e luz, caracterizadores do Fauvismo. Em meados dos anos 40, estende a sua atividade artística à cerâmica, produzindo peças de cariz decorativo.
Ainda nessa década, contribui para a decoração do café "A Brasileira" e do "Bristol Clube" em Lisboa. Faleceu na capital no ano de 1971.

Jorge Barradas. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. 


Revista ABC, número 315, ano III, 29 de Julho de 1926.
Capa de Jorge Barradas (1894-1971)


Revista ABC, número 334, ano VII, 9 de Dezembro de 1926.
Capa de Jorge Barradas (1894-1971)


Revista ABC, número 362, ano VII, 23 de Junho de 1927.
Capa de Jorge Barradas (1894-1971)

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