terça-feira, 22 de março de 2022

"As Adolescentes" - Poema de António Osório


Constance Rea (British painter, c.1866–1952), Girl with a Mandolin, oil on canvas,
 
 
 
As Adolescentes 
 
 
A pele mosqueada da maçã reineta,
um ar vago e doce, feliz.
Subitamente correm como rapazes,
são a corda do arco
que se dilata e a seta do corpo
chega aos quinze anos,
quando abrem as ancas
e amam como se fossem mães.
 
 in 'A Raiz Afectuosa'
 


 
A Raiz Afetuosa
 
'A Raiz Afetuosa' reúne uma atividade poética que, estética e ideologicamente formada nos anos 50 e datada dos anos de 1965 a 1971, só foi publicada em volume no início dos anos 70. É assim que este livro de estreia, A Raiz Afetuosa, de António Osório, publicado em 1972, evocando afetos familiares e a solidariedade com todos os seres, animais ou plantas, numa voz aparentemente alheia ao percurso de fuga simultaneamente ao real e à subjetividade efetuado por vários poetas contemporâneos, surge como um caso singular no panorama literário em que se revela. Insólita, por natural, é nesta obra "a raiz afetuosa" que une o poeta a tudo o que vive e que ama, para além da vida e da morte, polos, aliás, relativos - "nem a vida cessa nem a morte sepulta" («Argos», in A Ignorância da Morte) -, quando o poema ressuscita os mortos («Dante», «Elegia», «In Memoriam», «Maiakovski»), quando indaga na natureza a muda testemunha que sobrevive ao tempo («A um Mirto»), quando renasce nos seus filhos ou desafia os "Vindouros", descortinando acima da caducidade e da efemeridade uma lógica superior pela qual "As marés chegam e partem, / tudo morre e começa (o vento, / o tumulto dos cais, a luta dos homens)" («Tejo, 26 de junho»). Mas, no espaço de uma poesia filha do modernismo, como é toda a poesia contemporânea, onde "um canto enraizado no ritmo imemorial do coração só pode ser «ingénuo» em segundo grau" (cf. LOURENÇO, Eduardo, p. 7), a reconciliação com a vida e com a simplicidade subtrai-se à prática romântica de um subjetivismo sentimental e óbvio, por um misto de "ternura" e "lucidez amarga" (idem, p. 10) que neutraliza a comoção, por uma espécie de "ironia que se transmuda em piedade, de repúdio, suma de montanhas e montanhas sobrepondo-se, de esconjurar a crueldade e, ainda de trazer consigo, piedosamente, a chave do jazigo de Deus" (cf. OSÓRIO, A. - «Dedicatória a meu tio Henrique», in Décima Aurora). No mesmo sentido, a depuração da escrita, característica que comunga com outros poetas revelados nos anos 60 e 70, como forma de uma lírica de regresso à celebração das coisas elementares, é, em António Osório, colocada, pela redução de figuras e de adjetivos e pela submissão da frase a processos elípticos, ao serviço, não da expressão obscura e crítica, mas de uma sobriedade pela qual a evidência se sobrepõe ao enigma (cf. LOURENÇO, ibid., p. 15), na conquista de uma essencial "humildade discursiva" (MAGALHÃES, Joaquim Manuel - prefácio a Décima Aurora, 1982). (Daqui)
 

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