segunda-feira, 28 de março de 2022

"Fuga" - Poema de Luís Amaro


Henri Biva (French, 1848-1928), River Scene in Spring, France (View of Willow Trees 
on the Bank of a River with Waterlilies), oil on canvas, approx 60 x 49 cm.


Fuga



Numa nuvem de esquecimento
passar a vida,
sem mágoas, sem um lamento,
água correndo, impelida
pelo vento.

Ouvir a música do instante que passa
e recolhê-la no coração,
olhos fechados à dor e à desgraça,
os ouvidos atentos à canção
do instante que passa.

Beber a luz doirada que irradia
dos vastos horizontes,
e ver escoar-se o dia
entre pinhais e montes...
Doce melancolia.

Esquecer todas as agruras
que lá vão
e este negro mar de desventuras
em que voga ao sabor de torvas ondas
meu coração.


Luís Amaro
 
 

Luís Amaro (daqui)
 

Luís Amaro
(Aljustrel, 5 de maio de 1923 — Lisboa, 24 de agosto de 2018), poeta e crítico literário, co-dirigiu, com os poetas António Luís Moita, António Ramos Rosa, José Terra e Raul de Carvalho, entre 1951 e 1953, a revista Árvore, subscrevendo, no n.° 1, em "A Necessidade da Poesia", como imperativos da escrita poética, a liberdade e a isenção ("Não pode haver razões de ordem social que limitem a altitude ou a profundidade dum universo poético, que se oponham à liberdade de pesquisa e apropriação dum conteúdo cuja complexidade exige novas formas, o ir-até-ao-fim das possibilidades criadoras e expressivas."). 
 
Colaborou noutras publicações como Seara Nova, Távola Redonda e Portucale, e foi diretor-adjunto e consultor editorial da revista Colóquio/Letras. Mais conhecido pela sua atividade editorial e de investigação literária (organizou a edição de Ensaios Críticos Sobre José Régio, da Poesia Completa de Mário Beirão, entre outras iniciativas), desenvolveu uma atividade poética curta, mas significativa, tendo editado, em 1949, o volume Dádiva, reeditado com outros poemas, em 1975, sob o título de Diário Íntimo
 
Poeta predominantemente melancólico e disfórico, para António Ramos Rosa (cf. "Luís Amaro entre o sonho e a dor", in Rosa, António Ramos - A Parede Azul, Estudos sobre Poesia e Artes Plásticas, Lisboa, Caminho, 1991, pp. 75-78), "Luís Amaro é fiel a esse espaço interior a que se chama alma e a sua poesia é a tentativa permanente de se integrar nela ou de a habitar, mau grado todas as agressões do mundo exterior [...] o que ela diz é sempre a pureza do sonho irrealizado mas vivo na sua virtualidade permanente que ilumina a vida e secretamente a alimenta".(Daqui)
 
 
 Henri Biva, Matin à Villeneuve (From Waters Edge), c. 1905-06, oil on canvas, 153.7 x 127cm, 
painted at Villeneuve l'Etang, Marnes-la-Coquette (Seine-et-Oise), France, private collection


"A história provou a capacidade demolidora da poesia e nela me refugio incondicionalmente." 

(Pablo Neruda)

 
Henri Biva, Tranquility, oil on canvas, 61 x 74 cm, Signed and dedicated "a mes chers enfants 
Lison et Marcelle Maitre, Henri Biva."
 

"A poesia é um ato de paz. A paz entra dentro da composição de um poeta tal como a farinha entra na composição do pão."
 
in Confieso que he vivido. Memórias. (Autobiografia), Barcelona, Seix Barral, 1974.
[Prémio Nobel da Literatura em 1971]
 
 

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