Jean Siméon Chardin (French painter, 1699–1779), Woman Cleaning Turnips, ca. 1738,
oil on canvas, 46.2 x 37 cm., Alte Pinakothek
A gleba me transfigura
Sinto que sou a abelha no seu artesanato.
Meus versos têm cheiro dos matos, dos bois e dos currais.
Eu vivo no terreiro dos sítios e das fazendas primitivas.
Amo a terra de um místico amor consagrado, num esponsal sublimado,
oil on canvas, 46.2 x 37 cm., Alte Pinakothek
A gleba me transfigura
Sinto que sou a abelha no seu artesanato.
Meus versos têm cheiro dos matos, dos bois e dos currais.
Eu vivo no terreiro dos sítios e das fazendas primitivas.
Amo a terra de um místico amor consagrado, num esponsal sublimado,
procriador e fecundo.
Sinto seus trabalhadores rudes e obscuros,
suas aspirações inalcançadas, apreensões e desenganos.
Plantei e colhi pelas suas mãos calosas
e tão mal remuneradas.
Participamos receosos do sol e da chuva em desencontro,
nas lavouras carecidas.
Acompanhamos atentos, trovões longínquos e o riscar
de relâmpagos no escuro da noite, irmanados no regozijo
das formações escuras e pejadas no espaço
e o refrigério da chuva nas roças plantadas, nos pastos maduros
e nas cabeceiras das aguadas.
Minha identificação profunda e amorosa
com a terra e com os que nela trabalham.
A gleba me transfigura. Dentro da gleba,
ouvindo o mugido da vacada, o mééé dos bezerros,
o roncar e focinhar dos porcos, o cantar dos galos,
o cacarejar das poedeiras, o latir dos cães,
eu me identifico.
Sou árvore, sou tronco, sou raiz, sou folha,
sou graveto, sou mato, sou paiol
e sou a velha trilha de barro.
Pela minha voz cantam todos os pássaros, piam as cobras
e coaxam as rãs, mugem todas as boiadas que vão pelas estradas.
Sou a espiga e o grão que retornam à terra.
Minha pena (esferográfica) é a enxada que vai cavando,
é o arado milenário que sulca.
Meus versos têm relances de enxada, gume de foice
e peso de machado.
Cheiro de currais e gosto de terra.
Eu me procuro no passado.
Procuro a mulher sitiante, neta de sesmeiros.
Procuro Aninha, a inzoneira que conversava com as formigas,
e seu comadrio com o ninho das rolinhas.
Onde está Aninha, a inzoneira,
menina do banco das mais atrasadas da escola de Mestra Silvina...
Onde ficaram os bancos e as velhas cartilhas da minha escola primária?
Minha mestra... Minha mestra... beijo-lhe as mãos,
tão pobre!...
Meus velhos colegas, um a um foram partindo, raleando a fileira...
Aninha, a sobrevivente, sua escrita pesada, assentada
nas pedras da nossa cidade...
Amo a terra de um velho amor consagrado
através de gerações de avós rústicos, encartados
nas minas e na terra latifundiária, sesmeiros.
A gleba está dentro de mim. Eu sou a terra.
Identificada com seus homens rudes e obscuros,
enxadeiros, machadeiros e boiadeiros, peões e moradores.
Seus trabalhos rotineiros, suas limitadas aspirações.
Partilhei com eles de esperança e desenganos.
Juntos, rezamos pela chuva e pelo sol.
Assuntamos de um trovão longínquo, de um fuzilar
de relâmpagos, de um sol fulgurante e desesperador,
abatendo as lavouras carecidas.
Festejamos a formação no espaço de grandes nuvens escuras
e pejadas para a salvação das lavouras a se perderem.
Plantei pelas suas enxadas e suas mãos calosas.
Colhi pelo seu esforço e constância.
Minha identificação com a gleba e com sua gente.
Mulher da roça eu o sou. Mulher operária, doceira,
abelha no seu artesanato, boa cozinheira, boa lavadeira.
A gleba me transfigura, sou semente, sou pedra.
Pela minha voz cantam todos os pássaros do mundo.
Sou a cigarra cantadeira de um longo estio que se chama Vida.
Sou a formiga incansável, diligente, compondo seus abastos.
Em mim a planta renasce e floresce, sementeia e sobrevive.
Sou a espiga e o grão fecundo que retornam à terra.
Minha pena é a enxada do plantador, é o arado que vai sulcando
para a colheita das gerações.
Eu sou o velho paiol e a velha tulha roceira.
Eu sou a terra milenária, eu venho de milénios.
Eu sou a mulher mais antiga do mundo, plantada e fecundada
no ventre escuro da terra.
Sinto seus trabalhadores rudes e obscuros,
suas aspirações inalcançadas, apreensões e desenganos.
Plantei e colhi pelas suas mãos calosas
e tão mal remuneradas.
Participamos receosos do sol e da chuva em desencontro,
nas lavouras carecidas.
Acompanhamos atentos, trovões longínquos e o riscar
de relâmpagos no escuro da noite, irmanados no regozijo
das formações escuras e pejadas no espaço
e o refrigério da chuva nas roças plantadas, nos pastos maduros
e nas cabeceiras das aguadas.
Minha identificação profunda e amorosa
com a terra e com os que nela trabalham.
A gleba me transfigura. Dentro da gleba,
ouvindo o mugido da vacada, o mééé dos bezerros,
o roncar e focinhar dos porcos, o cantar dos galos,
o cacarejar das poedeiras, o latir dos cães,
eu me identifico.
Sou árvore, sou tronco, sou raiz, sou folha,
sou graveto, sou mato, sou paiol
e sou a velha trilha de barro.
Pela minha voz cantam todos os pássaros, piam as cobras
e coaxam as rãs, mugem todas as boiadas que vão pelas estradas.
Sou a espiga e o grão que retornam à terra.
Minha pena (esferográfica) é a enxada que vai cavando,
é o arado milenário que sulca.
Meus versos têm relances de enxada, gume de foice
e peso de machado.
Cheiro de currais e gosto de terra.
Eu me procuro no passado.
Procuro a mulher sitiante, neta de sesmeiros.
Procuro Aninha, a inzoneira que conversava com as formigas,
e seu comadrio com o ninho das rolinhas.
Onde está Aninha, a inzoneira,
menina do banco das mais atrasadas da escola de Mestra Silvina...
Onde ficaram os bancos e as velhas cartilhas da minha escola primária?
Minha mestra... Minha mestra... beijo-lhe as mãos,
tão pobre!...
Meus velhos colegas, um a um foram partindo, raleando a fileira...
Aninha, a sobrevivente, sua escrita pesada, assentada
nas pedras da nossa cidade...
Amo a terra de um velho amor consagrado
através de gerações de avós rústicos, encartados
nas minas e na terra latifundiária, sesmeiros.
A gleba está dentro de mim. Eu sou a terra.
Identificada com seus homens rudes e obscuros,
enxadeiros, machadeiros e boiadeiros, peões e moradores.
Seus trabalhos rotineiros, suas limitadas aspirações.
Partilhei com eles de esperança e desenganos.
Juntos, rezamos pela chuva e pelo sol.
Assuntamos de um trovão longínquo, de um fuzilar
de relâmpagos, de um sol fulgurante e desesperador,
abatendo as lavouras carecidas.
Festejamos a formação no espaço de grandes nuvens escuras
e pejadas para a salvação das lavouras a se perderem.
Plantei pelas suas enxadas e suas mãos calosas.
Colhi pelo seu esforço e constância.
Minha identificação com a gleba e com sua gente.
Mulher da roça eu o sou. Mulher operária, doceira,
abelha no seu artesanato, boa cozinheira, boa lavadeira.
A gleba me transfigura, sou semente, sou pedra.
Pela minha voz cantam todos os pássaros do mundo.
Sou a cigarra cantadeira de um longo estio que se chama Vida.
Sou a formiga incansável, diligente, compondo seus abastos.
Em mim a planta renasce e floresce, sementeia e sobrevive.
Sou a espiga e o grão fecundo que retornam à terra.
Minha pena é a enxada do plantador, é o arado que vai sulcando
para a colheita das gerações.
Eu sou o velho paiol e a velha tulha roceira.
Eu sou a terra milenária, eu venho de milénios.
Eu sou a mulher mais antiga do mundo, plantada e fecundada
no ventre escuro da terra.
(Poema publicado em livro em 1983.)
[Com seleção da professora Darcy França Denófrio, a obra ('Melhores Poemas') reúne poemas da escritora goiana Cora Coralina (1889-1985), divididos sob as temáticas 'Nos reinos de Goiás', 'Canto de Aninha', 'Criança no meu tempo', 'Paraíso perdido', 'Entre pedras e flores', 'Canto solidário' e 'Celebrações'.]
Jean Siméon Chardin, Self-portrait, 1771, pastel, Louvre
Jean-Baptiste-Siméon Chardin (Paris, 2 de novembro de 1699 – Paris, 6 de dezembro de 1779) foi um dos mais célebres pintores do barroco francês. Foi assistente e pupilo de Noël-Nicolas Coypel e de Jean-Baptiste van Loo.
Em 1724 tornou-se membro da Académie de Saint-Luc em Paris e, quatro anos mais tarde, foi aceite na Académie royale de peinture et de sculpture. Tornou-se então célebre pelas suas naturezas-mortas, representações de frutos e animais. Embora não fosse um pintor de cenas históricas, anos mais tarde, formou parte do Conselho e, em 1755, tornou-se tesoureiro da Academia.
Com as «cenas de cozinha» ou «cenas domésticas», Chardin deu continuidade à tradição provinda da pintura holandesa do século XVII. Porém, representou-as sem grande excelência. Preferia as «cenas burguesas»; gostava de representar cenas da vida da burguesia francesa, que se tornava cada vez mais influente. Nestas pinturas a tranquilidade e a concentração de tons mais vivos foram combinados com uma muito refinada técnica de conceção.
Foi memorável a sua exibição, de 1761, de pinturas selecionadas, concebidas pelos membros da Academia. Muitas delas foram trasladadas postumamente para as galerias do Louvre.
Faleceu, quase cego, em 1779, na cidade de Paris. (Daqui)
Jean-Baptiste-Siméon Chardin (Paris, 2 de novembro de 1699 – Paris, 6 de dezembro de 1779) foi um dos mais célebres pintores do barroco francês. Foi assistente e pupilo de Noël-Nicolas Coypel e de Jean-Baptiste van Loo.
Em 1724 tornou-se membro da Académie de Saint-Luc em Paris e, quatro anos mais tarde, foi aceite na Académie royale de peinture et de sculpture. Tornou-se então célebre pelas suas naturezas-mortas, representações de frutos e animais. Embora não fosse um pintor de cenas históricas, anos mais tarde, formou parte do Conselho e, em 1755, tornou-se tesoureiro da Academia.
Com as «cenas de cozinha» ou «cenas domésticas», Chardin deu continuidade à tradição provinda da pintura holandesa do século XVII. Porém, representou-as sem grande excelência. Preferia as «cenas burguesas»; gostava de representar cenas da vida da burguesia francesa, que se tornava cada vez mais influente. Nestas pinturas a tranquilidade e a concentração de tons mais vivos foram combinados com uma muito refinada técnica de conceção.
Foi memorável a sua exibição, de 1761, de pinturas selecionadas, concebidas pelos membros da Academia. Muitas delas foram trasladadas postumamente para as galerias do Louvre.
Faleceu, quase cego, em 1779, na cidade de Paris. (Daqui)
Second wife of Chardin, 1775, pastel, 46 x 38 cm., Louvre
"A vida não é senão uma contínua sucessão de oportunidades para sobreviver."
Jean Siméon Chardin, Le Panier de fraises des bois, 1761, huile sur toile, 38 x 46 cm.
Jean Siméon Chardin, Still Life with Attributes of the Arts, 1766, oil on canvas,
112 x 140.5 cm., Hermitage Museum
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