El Greco (Greek painter, sculptor and architect of the Spanish Renaissance, 1541-1614),
Saint Martin and the Beggar, c. 1597-1599, National Gallery of Art, Washington DC
Tentanda via
I
Com que passo tremente se caminha
Em busca dos destinos encobertos!
Como se estão volvendo olhos incertos!
Como esta geração marcha sozinha!
Fechado, em volta, o céu! o mar, escuro!
A noite, longa! o dia, duvidoso!
Vai o giro dos céus bem vagaroso...
Vem longe ainda a praia do futuro...
É a grande incerteza, que se estende
Sobre os destinos dum porvir, que é treva...
E o escuro terror de quem nos leva...
O fruto horrível que das almas pende!
A tristeza do tempo! o espectro mudo
Que pela mão conduz... não sei aonde!
— Quanto pode sorrir, tudo se esconde...
Quanto pode pungir, mostra-se tudo. —
Não é a grande luta, braço a braço
No chão da Pátria, à clara luz da História...
Nem o gládio de César, nem a glória...
É um misto de pavor e de cansaço!
Não é a luta dos trezentos bravos,
Que o solo amado beijam quando caem...
Crentes que traz um Deus, e à guerra saem,
Por não dormir no leito dos escravos...
É a luta sem glória! é ser vencido
Por uma oculta, súbita fraqueza!
Um desalento, uma íntima tristeza
Que à morte leva... sem se ter vivido!
Não há aí pelejar... não há combate...
Nem há já glória no ficar prostrado —
São os tristes suspiros do Passado
Que se erguem desse chão, por toda a parte...
É a saudade, que nos rói e mina
E gasta, como à pedra a gota d’água...
Depois, a compaixão, a íntima mágoa
De olhar essa tristíssima ruína...
Tristíssimas ruínas! Entristece
E causa dó olhá-las — a vontade
Amolece nas águas da piedade,
E, em meio do lutar, treme e falece.
Cada pedra, que cai dos muros lassos
Do trémulo castelo do passado,
Deixa um peito partido, arruinado,
E um coração aberto em dois pedaços!
II
A estrada da vida anda alastrada
De folhas secas e mirradas flores...
Eu não vejo que os céus sejam maiores,
Mas a alma... essa é que eu vejo mais minguada!
Ah! via dolorosa é esta via!
Onde uma Lei terrível nos domina!
Onde é força marchar pela neblina...
Quem só tem olhos para a luz do dia!
Irmãos! irmãos! amemo-nos! é a hora...
É de noite que os tristes se procuram,
E paz e união entre si juram...
Irmãos! irmãos! amemo-nos agora!
E vós, que andais a dores mais afeitos,
Que mais sabeis à Via do Calvário
Os desvios do giro solitário,
E tendes, de sofrer, largos os peitos;
Vós, que ledes na noite... vós, profetas...
Que sois os loucos... porque andais na frente...
Que sabeis o segredo da fremente
Palavra que dá fé — ó vós, poetas!
Estendei vossas almas, como mantos
Sobre a cabeça deles... e do peito
Fazei-lhes um degrau, onde com jeito
Possam subir a ver os astros santos...
Levai-os vós à Pátria-misteriosa,
Os que perdidos vão com passo incerto!
Sede vós a coluna do deserto!
Mostrai-lhes vós a Via-dolorosa!
Saint Martin and the Beggar, c. 1597-1599, National Gallery of Art, Washington DC
Tentanda via
I
Com que passo tremente se caminha
Em busca dos destinos encobertos!
Como se estão volvendo olhos incertos!
Como esta geração marcha sozinha!
Fechado, em volta, o céu! o mar, escuro!
A noite, longa! o dia, duvidoso!
Vai o giro dos céus bem vagaroso...
Vem longe ainda a praia do futuro...
É a grande incerteza, que se estende
Sobre os destinos dum porvir, que é treva...
E o escuro terror de quem nos leva...
O fruto horrível que das almas pende!
A tristeza do tempo! o espectro mudo
Que pela mão conduz... não sei aonde!
— Quanto pode sorrir, tudo se esconde...
Quanto pode pungir, mostra-se tudo. —
Não é a grande luta, braço a braço
No chão da Pátria, à clara luz da História...
Nem o gládio de César, nem a glória...
É um misto de pavor e de cansaço!
Não é a luta dos trezentos bravos,
Que o solo amado beijam quando caem...
Crentes que traz um Deus, e à guerra saem,
Por não dormir no leito dos escravos...
É a luta sem glória! é ser vencido
Por uma oculta, súbita fraqueza!
Um desalento, uma íntima tristeza
Que à morte leva... sem se ter vivido!
Não há aí pelejar... não há combate...
Nem há já glória no ficar prostrado —
São os tristes suspiros do Passado
Que se erguem desse chão, por toda a parte...
É a saudade, que nos rói e mina
E gasta, como à pedra a gota d’água...
Depois, a compaixão, a íntima mágoa
De olhar essa tristíssima ruína...
Tristíssimas ruínas! Entristece
E causa dó olhá-las — a vontade
Amolece nas águas da piedade,
E, em meio do lutar, treme e falece.
Cada pedra, que cai dos muros lassos
Do trémulo castelo do passado,
Deixa um peito partido, arruinado,
E um coração aberto em dois pedaços!
II
A estrada da vida anda alastrada
De folhas secas e mirradas flores...
Eu não vejo que os céus sejam maiores,
Mas a alma... essa é que eu vejo mais minguada!
Ah! via dolorosa é esta via!
Onde uma Lei terrível nos domina!
Onde é força marchar pela neblina...
Quem só tem olhos para a luz do dia!
Irmãos! irmãos! amemo-nos! é a hora...
É de noite que os tristes se procuram,
E paz e união entre si juram...
Irmãos! irmãos! amemo-nos agora!
E vós, que andais a dores mais afeitos,
Que mais sabeis à Via do Calvário
Os desvios do giro solitário,
E tendes, de sofrer, largos os peitos;
Vós, que ledes na noite... vós, profetas...
Que sois os loucos... porque andais na frente...
Que sabeis o segredo da fremente
Palavra que dá fé — ó vós, poetas!
Estendei vossas almas, como mantos
Sobre a cabeça deles... e do peito
Fazei-lhes um degrau, onde com jeito
Possam subir a ver os astros santos...
Levai-os vós à Pátria-misteriosa,
Os que perdidos vão com passo incerto!
Sede vós a coluna do deserto!
Mostrai-lhes vós a Via-dolorosa!
III
Sim! que é preciso caminhar avante!
Andar! passar por cima dos soluços!
Como quem numa mina vai de bruços,
Olhar apenas uma luz distante!
É preciso passar sobre ruínas,
Como quem vai pisando um chão de flores!
Ouvir as maldições, ais e clamores,
Como quem ouve músicas divinas!
Beber, em taça túrbida, o veneno,
Sem contrair o lábio palpitante!
Atravessar os círculos do Dante,
E trazer desse inferno o olhar sereno!
Ter um manto da casta luz das crenças,
Para cobrir as trevas da miséria!
Ter a vara, o condão da fada aérea,
Que em ouro torne estas areias densas!
E, quando, sem temor e sem saudade,
Puderdes, dentre o pó dessa ruína,
Erguer o olhar à cúpula divina,
Heis de então ver a nova-claridade!
Heis de então ver, ao descerrar do escuro,
Bem como o cumprimento de um agouro,
Abrir-se, como grandes portas de ouro,
As imensas auroras do Futuro!
(1864)
Antero de Quental, in Odes Modernas
Odes Modernas
Coletânea de poesias, de Antero de Quental, dedicada a Germano Meireles,
publicada em 1865, que, refletindo as influências do humanitarismo de
Proudhon e da dialética evolucionista de Hegel, rompeu com a temática
sentimentalista que caracterizou a segunda geração romântica e impôs o
romantismo social, marcado pelo fervor revolucionário, pela sede de
justiça social e pela crença na apoteose futura da verdade: "O Evangelho
novo é a bíblia da Igualdade:/ Justiça, é esse o tema imenso do
sermão:/ A missa nova, essa é missa de Liberdade:/ E órgão a
acompanhar... a voz da Revolução!" ("No templo").
Referindo-se, em 1887,
na célebre "Carta autobiográfica dirigida ao Professor Wilhelm Storck",
às Odes Modernas, Antero chamar-lhes-á "poesia de combate",
caracterizando o tom e os temas predominantes no volume: "o panfletário
divisa-se muitas vezes por detrás do poeta, e a Igreja, a monarquia, os
grandes do mundo são o alvo das suas apóstrofes de nivelador idealista.
Noutras composições, é verdade, o tom é mais calmo e patenteia-se nelas a
intenção filosófica do livro, vaga sim, mas humana e elevada".
Assumindo a "missão revolucionária da poesia" exposta na nota posfacial,
é na qualidade de "Soldado do Futuro" ("Pois, se são operários do
futuro,/ Semeadores da seara nova,/ Que lançam uma ideia em cada cova,/
Da dura história sobre o chão escuro", de "Pater"), à escuta da "voz das
multidões", que Antero se dirige "A um Poeta": "Há mais alta missão,
mais alta glória:/ O combater, à grande luz da História,/
Os combates eternos da Justiça". Esta "Justitia mater" de raiz
proudhoniana aparece em "Tese e Antítese" concebida hegelianamente como a
"nova ideia" - "desgrenhada/ Torva no aspeto, à luz da barricada" - que
o poeta, como revolucionário, ajuda a revelar.
Na célebre "Nota" posfacial, Antero formula uma conceção socialmente militante da missão do poeta e da poesia, voltada para a "reconstrução do mundo humano sobre as bases eternas da Justiça, da Razão e da Verdade, com exclusão dos Reis e dos Governos tirânicos, dos Deuses e das Religiões inúteis e ilusórias", sustentando, assim, uma prática poética inconciliável com o que designa de "arte pela arte", isto é, uma poesia meramente decorativa. Este texto, juntamente com os prefácios de Teófilo Braga à Visão dos Tempos e às Tempestades Sonoras, motivou as alusões irónicas de Castilho, na carta-posfácio ao Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas, à moderna escola de Coimbra e à sua poesia ininteligível, vindo, portanto, a desencadear a Questão Coimbrã. (daqui)
Na célebre "Nota" posfacial, Antero formula uma conceção socialmente militante da missão do poeta e da poesia, voltada para a "reconstrução do mundo humano sobre as bases eternas da Justiça, da Razão e da Verdade, com exclusão dos Reis e dos Governos tirânicos, dos Deuses e das Religiões inúteis e ilusórias", sustentando, assim, uma prática poética inconciliável com o que designa de "arte pela arte", isto é, uma poesia meramente decorativa. Este texto, juntamente com os prefácios de Teófilo Braga à Visão dos Tempos e às Tempestades Sonoras, motivou as alusões irónicas de Castilho, na carta-posfácio ao Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas, à moderna escola de Coimbra e à sua poesia ininteligível, vindo, portanto, a desencadear a Questão Coimbrã. (daqui)
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