Alfred Augustus Glendening, Sr., 1840-1921), The first days of spring, 1896
Ode sobre a Indolência
I
Numa certa manhã eu vi as três as figuras,
Curvadas, de perfil, mãos juntas, uma a uma,
Seguindo atrás da outra, mudas e seguras,
Sandálias suaves, vestes alvas, pés de pluma;
Como formas de mármore em alto-relevo
Sobre uma urna, foram-se, ao girar a face
Do vaso; mas voltando ao ângulo anterior,
Mostraram-se mais uma vez como as descrevo,
E eram-me tão estranhas como se as achasse
Numa ânfora de Fídias um pesquisador.
II
Como é possível, Sombras, que eu não as conheça,
Máscaras mudas que se movem para mim?
Que plano silencioso tinham na cabeça
Para a minha indolência arrebatar assim?
Era a hora madura e eu já me comprazia
Na abençoada nuvem de ócio do verão.
Pesado o olhar, a pulsação quase parada,
Os prazeres sem cor e a vida já vazia.
Ah! por que não desaparecem e se vão,
E me deixam em paz, sozinho, com meu – nada?
III
Uma terceira vez romperam minha paz as
Figuras mudas; cada qual por um momento
Me olhou de frente, e eu só queria era ter asas
Para segui-las e saber do seu intento;
A primeira, uma bela moça, era o Amor;
A segunda, de rosto pálido e sem viço
E olhos cansados, a Ambição que a tudo via.
A última, a que eu mais amo, e a quem o desfavor
Persegue, era uma jovem com ar insubmisso;
Essa era o meu demónio – a Poesia.
IV
Foram-se as três e eu só queria asas ainda;
Loucura! O que é o Amor? Quem sabe onde ele mora?
Quanto à Ambição! – é desprezível, porque vinda
De um coração pequeno, a febre de uma hora;
À Poesia! – não doa uma só alegria, –
Ao menos para mim, – de dia imersa em suas
Cismas; à noite, no ópio do seu tédio imenso;
Pudesse eu ter uma era livre de agonia,
Sem conhecer jamais a mutação das luas
Nem ouvir nunca a voz penosa do bom-senso!
V
E uma vez mais vieram; – ah! por que razão?
Meu sono se adornava de secretos sonhos,
Minha alma era uma relva, flores pelo chão,
Com sombras sugestivas e raios risonhos;
A névoa da manhã não me trazia chuva;
Nas pálpebras de maio, só lágrimas prestes;
Calor, botões em flor, um tordo ia cantar,
E da janela aberta eu via a vide e a uva;
Sombras, a hora do adeus chegou; em suas vestes
Nenhuma lágrima desceu do meu olhar.
VI
Adeus, meus três fantasmas! Não há quem me faça
Erguer esta cabeça da relva e das flores.
Não quero ser a ovelha-guia de uma farsa,
Nem seguirei uma dieta de louvores.
Voltem a ser figuras-máscaras de urna.
Adeus! deixem morrer de tédio a minha mente.
Visões? Já tenho a minha provisão noturna,
E outras, mais ténues, para as horas matinais.
Retirem-se, de vez, do meu ser indolente,
Para as nuvens dos céus, e não voltem jamais.
John Keats, em "Byron e Keats – Entreversos".
Campinas SP: Editora UNICAMP, 2009.
Tradução de Augusto de Campos
Byron era um artista do verso. Os XVII Cantos do Don Juan
(1818-1823) contêm perto de 2 mil estrofes em oitava-rima, quase o dobro
de Os Lusíadas. Cerca de 16 mil versos de elaboração complexa e rimário
insólito. Radical, não cedeu à censura. Os primeiros cantos do D.
Juan foram publicados anonimamente, tal era o risco de serem
confiscados. A obra de Keats é aqui representada por quatro de suas Odes
(1819), dois sonetos (1816-1818) e um fragmento do poema
longo, Endymion (1817). O poeta tinha 20 e poucos anos quando escreveu
essas maravilhas. Confrontadas aqui, as poéticas de Byron e de Keats
reemergem solidarizadas como contradições heurísticas e dialéticas da
linguagem poética. Discórdias aparentes, ao cabo concordantes e
parentes." - Augusto de Campos
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