Não sou daqui
Não sou daqui. Mamei em peitos oceânicos
Minha mãe era ninfa meu pai chuva de lava
Mestiça de onda e de enxofres vulcânicos,
Sou de mim mesma pomba húmida e brava.
De mim mesma e de vós, ó capitães trigueiros,
Barbeados pelo sol penteados pela bruma!
Que extraístes do ar dessa coisa nenhuma
A génese a pluma do meu país natal.
Não sou daqui das praias da tristeza,
Do insone jardim dos glaciares
Levai minha nudez minha beleza,
E colocai-a à sombra dos palmares.
Não sou daqui. A minha pátria não é esta
Bússola quebrada dos impulsos.
Sou rápida sou solta talvez nuvem
Nuvens minhas irmãs que me argolais os pulsos!
Tomai os meus cabelos. Levai-os para a floresta.
É lá que o meu amigo pastor de estrelas pasce
O marulho das folhas com pássaros nas vozes
O sol adormecido nos braços da giesta
A manhã rarefeita na corrida do alce
O luar orbitado no salto da gazela
Os animais velozes do sítio onde se nasce...
Levai-me, peixes da minha pele itinerante!
Quero ir à pesca, colher no espelho da laguna
O lírio da nudez a perdida inocência
O coração do bosque a dar-se sem penumbra
Visto através da minha transparência.
Levai-me, ó minhas mãos branco exílio de ramos!
Meus dedos virtuais folhas de palma!
Sois os órgãos sensíveis da choupana
Onde quero deitar a minha alma.
Levai-me, olhos meus implícitas montanhas
Florescência de cumes para poisarem águias!
Quero ter pensamentos que me cheirem a lenha
Esfregar o espírito em plantas aromáticas
Uma alma com pétalas guerrilheiras selvagens
Abertas a uma luta de prata verdadeira
Uma alma que seja verde que tenha asas
E dance nua para os deuses da fogueira...
Jogai, jogo do arco laço azul infância coisas
Que o desencanto confisca e abandona na cave!
Como uma criança joga papagaio, jogai
Este farrapo de ânsia poeira da cidade
Onde ninguém tem pressa de ser ave;
E tu, anjo de pedra do meu grito! Anjo
Esculpindo em pranto seco! Anjo enxuto!
Tu que me afogas o olhar no infinito
E as mãos no lodo dum gesto irresoluto.
Tece, ó arranha de luz no esconso da garganta!
Coração de andorinha estrangulada!
O luar o jardim a cigarra que canta
O leito de verdura para eu me dar à esperança,
Rosa que aspiro num esquivo vão de escada.
Natália Correia,
in Cântico do País Emerso, 1961
Alfredo Roque Gameiro (Pintor e desenhador português, 1864-1935),
Minha mãe era ninfa meu pai chuva de lava
Mestiça de onda e de enxofres vulcânicos,
Sou de mim mesma pomba húmida e brava.
Barbeados pelo sol penteados pela bruma!
Que extraístes do ar dessa coisa nenhuma
A génese a pluma do meu país natal.
Não sou daqui das praias da tristeza,
Do insone jardim dos glaciares
Levai minha nudez minha beleza,
E colocai-a à sombra dos palmares.
Não sou daqui. A minha pátria não é esta
Bússola quebrada dos impulsos.
Sou rápida sou solta talvez nuvem
Nuvens minhas irmãs que me argolais os pulsos!
Tomai os meus cabelos. Levai-os para a floresta.
É lá que o meu amigo pastor de estrelas pasce
O marulho das folhas com pássaros nas vozes
O sol adormecido nos braços da giesta
A manhã rarefeita na corrida do alce
O luar orbitado no salto da gazela
Os animais velozes do sítio onde se nasce...
Levai-me, peixes da minha pele itinerante!
Quero ir à pesca, colher no espelho da laguna
O lírio da nudez a perdida inocência
O coração do bosque a dar-se sem penumbra
Visto através da minha transparência.
Levai-me, ó minhas mãos branco exílio de ramos!
Meus dedos virtuais folhas de palma!
Sois os órgãos sensíveis da choupana
Onde quero deitar a minha alma.
Levai-me, olhos meus implícitas montanhas
Florescência de cumes para poisarem águias!
Quero ter pensamentos que me cheirem a lenha
Esfregar o espírito em plantas aromáticas
Uma alma com pétalas guerrilheiras selvagens
Abertas a uma luta de prata verdadeira
Uma alma que seja verde que tenha asas
E dance nua para os deuses da fogueira...
Jogai, jogo do arco laço azul infância coisas
Que o desencanto confisca e abandona na cave!
Como uma criança joga papagaio, jogai
Este farrapo de ânsia poeira da cidade
Onde ninguém tem pressa de ser ave;
E tu, anjo de pedra do meu grito! Anjo
Esculpindo em pranto seco! Anjo enxuto!
Tu que me afogas o olhar no infinito
E as mãos no lodo dum gesto irresoluto.
Tece, ó arranha de luz no esconso da garganta!
Coração de andorinha estrangulada!
O luar o jardim a cigarra que canta
O leito de verdura para eu me dar à esperança,
Rosa que aspiro num esquivo vão de escada.
Natália Correia,
in Cântico do País Emerso, 1961
Natália Correia (1923 - 1993), mulher de paixões, casou quatro vezes ao longo dos seus 70 anos. Fez televisão, foi jornalista, dramaturga, poetisa e estreou-se na ficção com o romance infantil «Aventuras de um Pequeno Herói», em 1945.
Nasceu nos Açores em 1923 e aos 11 anos desloca-se para Lisboa. Foi jornalista no Rádio Clube Português e colaborou no jornal Sol. Ativista política: apoiou a candidatura de Humberto Delgado; assumiu publicamente divergências com o Estado Novo e foi condenada a prisão com pena suspensa em 1966, pela «Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica».
Deputada após o 25 de Abril, fez programas de televisão destacando-se o “Mátria” que apresentava o lado matriarcal da sociedade portuguesa.
Fundou o bar “Botequim”, onde cantou durante muitos anos, transformando-o no ponto de reunião da elite intelectual e política nas décadas de 1970 e 80.
Organizou várias antologias de poesia portuguesa como “Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses” ou “Antologia da Poesia do Período Barroco”.
Natália Correia foi uma versejadora de êxito, uma mulher carismática com uma vida social intensa, não fez concessões à mediania e notabilizou-se por uma vasta obra intelectual. (daqui - ver e ouvir)
Deputada após o 25 de Abril, fez programas de televisão destacando-se o “Mátria” que apresentava o lado matriarcal da sociedade portuguesa.
Fundou o bar “Botequim”, onde cantou durante muitos anos, transformando-o no ponto de reunião da elite intelectual e política nas décadas de 1970 e 80.
Organizou várias antologias de poesia portuguesa como “Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses” ou “Antologia da Poesia do Período Barroco”.
Natália Correia foi uma versejadora de êxito, uma mulher carismática com uma vida social intensa, não fez concessões à mediania e notabilizou-se por uma vasta obra intelectual. (daqui - ver e ouvir)
Rua do Arco do Marquês do Alegrete, em Lisboa, década de 1910.
(Aguarela )
Alfredo Roque Gameiro, Autorretrato, década de 1910,
Aguarela sobre cartão, 40 x 29,5 cm
Alfredo Roque Gameiro (Minde, 1864 – Lisboa, 1935), oriundo de uma família de comerciantes, começa a
trabalhar em Lisboa, em 1874, como desenhador-litógrafo na oficina de
seu meio-irmão Justino Roque Gameiro. Ingressa, como pensionista do
Estado, na Escola de Artes e Ofícios de Leipzig, em 1883, e mantém,
durante toda a década de 1880, uma colaboração constante como ilustrador
de diversas publicações, com destaque para o Álbum de Costumes Populares Portugueses, de 1888.
Quando regressa a Lisboa o artista assume a direção artística das Oficinas da Companhia Nacional Editora – cargo que abandona quando é nomeado professor na Escola Industrial do Príncipe Real (1894) – e participa regularmente nos salões anuais do Grémio Artístico (depois Sociedade Nacional de Belas-Artes), com desenhos e aguarelas. Em 1900 os seus trabalhos são selecionados para integrar as exposições da delegação portuguesa na Exposição Universal de Paris, onde recebe uma Medalha de Honra. Em 1911 abre um atelier em Lisboa, onde passa a ministrar regularmente cursos de aguarela.
As suas pinturas, tratadas com uma intensa capacidade de observação e captação da luz e da cor, aliam uma qualidade técnica, de rigoroso desenho, a atributos expressivos. Aborda temáticas variadas como o retrato, a paisagem, as cenas rurais e urbanas, mas dedica-se sobretudo a marinhas. (daqui)
Quando regressa a Lisboa o artista assume a direção artística das Oficinas da Companhia Nacional Editora – cargo que abandona quando é nomeado professor na Escola Industrial do Príncipe Real (1894) – e participa regularmente nos salões anuais do Grémio Artístico (depois Sociedade Nacional de Belas-Artes), com desenhos e aguarelas. Em 1900 os seus trabalhos são selecionados para integrar as exposições da delegação portuguesa na Exposição Universal de Paris, onde recebe uma Medalha de Honra. Em 1911 abre um atelier em Lisboa, onde passa a ministrar regularmente cursos de aguarela.
As suas pinturas, tratadas com uma intensa capacidade de observação e captação da luz e da cor, aliam uma qualidade técnica, de rigoroso desenho, a atributos expressivos. Aborda temáticas variadas como o retrato, a paisagem, as cenas rurais e urbanas, mas dedica-se sobretudo a marinhas. (daqui)
De todos os filhos de Roque Gameiro, Màmía foi o modelo mais retratado, quer pelo pai Alfredo, quer pelas irmãs Raquel e Helena, quer pelo noivo (depois marido) Jaime.
Màmía Roque Gameiro tinha dezoito anos na altura em que o pai executou este estudo. O artista privilegia o doce rosto da filha mais nova, acentuando as suas finas feições, assim como os ombros, deixando apenas levemente esboçados os braços e o vestido.
A cabeça um pouco inclinada para a esquerda do observador permite distinguir um olhar pensativo, parecendo velado por suave melancolia. Um caracol de cabelo castanho descai sobre o peito e introduz uma nota de cor que aviva a tonalidade clara do vestido.
A jovem posiciona-se sentada num cadeirão, também delineado parcialmente. O artista sugere um espaço através de aguadas muito diluídas, enquadramento esse que faz ressaltar a figura do modelo. (daqui)
Màmía Roque Gameiro tinha dezoito anos na altura em que o pai executou este estudo. O artista privilegia o doce rosto da filha mais nova, acentuando as suas finas feições, assim como os ombros, deixando apenas levemente esboçados os braços e o vestido.
A cabeça um pouco inclinada para a esquerda do observador permite distinguir um olhar pensativo, parecendo velado por suave melancolia. Um caracol de cabelo castanho descai sobre o peito e introduz uma nota de cor que aviva a tonalidade clara do vestido.
A jovem posiciona-se sentada num cadeirão, também delineado parcialmente. O artista sugere um espaço através de aguadas muito diluídas, enquadramento esse que faz ressaltar a figura do modelo. (daqui)
Maria Emília Roque Gameiro Martins Barata, conhecida como Màmia Roque Gameiro ou Mamia Roque Gameiro (Amadora, 7 de setembro de 1901 – Lisboa, 6 de Julho de 1996), foi uma pintora e ilustradora portuguesa.
Nascida a 7 de setembro de 1901, na Amadora, Maria Emília Roque Gameiro era filha do pintor e aguarelista português Alfredo Roque Gameiro e de Maria da Assunção de Carvalho Forte, sendo irmã de Raquel Roque Gameiro, Manuel Roque Gameiro, Helena Roque Gameiro Leitão de Barros e Ruy Roque Gameiro.
Devido ao interesse de todos os filhos pelas artes, a família de Roque
Gameiro recebeu a alcunha de "tribo dos pincéis", passando ainda Maria
Emília a ser publicamente conhecida pela alcunha de "Màmia". (daqui)
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