Ferdinand Leeke
(German Painter, 1859–1937), Flower Gatherers, 1914
Entre março e abril
Que cheiro doce e fresco,
por entre a chuva,
me traz o sol,
me traz o rosto,
entre março e abril
o rosto que foi meu,
o único
que foi afago e festa e primavera?
Oh cheiro puro de só da terra!
não das mimosas,
que já tinham florido
no meio dos pinheiros;
não dos lilases,
pois era cedo ainda
para mostrarem
o coração às rosas;
mas das tímidas, doces flores
de cor difícil,
entre limão e vinho,
entre marfim e mel
abertas no canteiro junto ao tanque.
Frésias,
ó pura memória
de ter cantado —
pálidas, fragrantes,
entre chuva e sol
e chuva
— que mãos vos colhem,
agora que estão mortas
as mãos que foram minhas?
por entre a chuva,
me traz o sol,
me traz o rosto,
entre março e abril
o rosto que foi meu,
o único
que foi afago e festa e primavera?
Oh cheiro puro de só da terra!
não das mimosas,
que já tinham florido
no meio dos pinheiros;
não dos lilases,
pois era cedo ainda
para mostrarem
o coração às rosas;
mas das tímidas, doces flores
de cor difícil,
entre limão e vinho,
entre marfim e mel
abertas no canteiro junto ao tanque.
Frésias,
ó pura memória
de ter cantado —
pálidas, fragrantes,
entre chuva e sol
e chuva
— que mãos vos colhem,
agora que estão mortas
as mãos que foram minhas?
Eugénio de Andrade, in "Coração do Dia",
Lisboa: Iniciativas, 1958.
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