terça-feira, 7 de maio de 2024

"Ama-me por amor do amor somente" - Poema de Elizabeth Barrett Browning


Peder Severin Krøyer (Danish painter, 1851–1909), Marie in the garden, 1895. 
 
 
 
Soneto 14

 
Ama-me por amor do amor somente.
Não digas: “Amo-a pelo seu olhar,
O seu sorriso, o modo de falar
Honesto e brando. Amo-a porque se sente

Minh’alma em comunhão constantemente
Com a sua.” Porque pode mudar
Isso tudo, em si mesmo, ao perpassar
Do tempo, ou para ti unicamente.

Nem me ames pelo pranto que a bondade
De tuas mãos enxuga, pois se em mim
Secar, por teu conforto, esta vontade

De chorar, teu amor pode ter fim!
Ama-me por amor do amor, e assim
Me hás de querer por toda a eternidade.


Elizabeth Barrett Browning
'Sonnets from the Portuguese nº 14′, 1845 
Tradução de Manuel Bandeira
  
 
 
 

A Reabilitação do Amor


À indiferença oponhamos o amor, à dúvida oponhamos a fé.
O céu tem ainda o azul radiante dos dias da mocidade; a natureza é ainda a bela insensível, que assiste radiosa e iluminada às nossas lágrimas eternas, que o vento enxuga num momento!
Contemplemos de mais alto a evolução dos ideais e a transformação das coisas.
Se na terra somos efémeros de uma hora, nunca se quebra a cadeia que se vai forjando, dos ideais belos que concebemos ao passar.
Soframos, tal é o nosso destino e quase o nosso dever, mas amemos, que é o meio de tornarmos fecunda para os outros a dor que acima de nós mesmo nos levanta, a dor que é inspiração de todo o bom, de todo o belo, que em nós há.
O pessimismo leva à abdicação da vontade, à própria negação do sofrimento, pela completa insensibilidade a que aspira, e que de vez em quando já começa a atingir.
Não vale a pena! Eis a divisa da nossa desolada geração!
Pois é necessário que, em contradição e em protesto a este lema egoístico, se levante das nossas entranhas de mães, dos nossos corações de mulheres, um grito de amor intenso, um grito de amor fecundante e poderoso.
Porque um dos defeitos da nossa quadra é este: depois de termos dado ao amor um lugar enorme, predominante, decisivo e tirânico, tendemos a cercear-lhe todos os direitos, a destruir-lhe todas as influências boas.
O nosso século, que por meio de radiante romantismo fez do amor o Deus pagão que foi na Renascença, hoje, pela escola científica do temperamento e do meio, vai fazer do amor um poder inconsciente, que, segundo as circunstâncias em que é chamado a atuar, é um órgão de reprodução animal, ou um elemento de corrupção dissolvente.
Reabilitemos o amor.
Façamos dele alguma coisa de mais ou de menos do que o estão fazendo os mestres da literatura contemporânea, fotógrafos, neste ponto, dos costumes decadentes da época.
Ele não é a suprema e última embriaguez embrutecedora em que a humanidade tende a adormecer, como essa literatura de sensualismo agonizante, parece querer demonstrar-nos; pelo contrário, ele, é a fonte da eterna juventude em que, os velhos, da velhice precoce deste século, da velhice que se traduz pelo excesso do pensamento e da sensação, podem ainda retemperar as forças exaustas; é dele que podem ainda partir as grandes iniciativas transformadoras, as poderosas e viris energias, os sonhos iluminados da virtude e do bem.

Maria Amália Vaz de Carvalho (1847 - 1921), in "Cartas a Luísa", 1886


Veloso Salgado (Pintor português, 1864 –1945),
Retrato de Maria Amália Vaz de Carvalho
 

Maria Amália Vaz de Carvalho, escritora e poetisa portuguesa, nasceu em 1847, em Lisboa, e faleceu em 1921. Descendente de famílias ilustres nas Letras e nas armas (descendente do poeta quinhentista Sá de Miranda), esposa do poeta parnasiano Gonçalves Crespo, é sobretudo conhecida pela sua faceta de educadora, tendo deixado uma vasta obra acerca da formação das crianças e das mulheres (Cartas a Uma Noiva, 1891), onde assume posições tradicionalistas.
O seu talento revelou-se através de crónicas, artigos políticos, folhetins de crítica e diversas traduções. Em 1867, fez a sua estreia literária com o poema romântico Uma Primavera de Mulher, prefaciado por Tomás Ribeiro e aplaudido por Castilho, Mendes Leal e Bulhão Pato, entre outros. Em 1876, publicou o seu primeiro livro, Vozes no Ermo, o qual foi elogiado por escritores como Guerra Junqueiro.
No seu salão literário, recebeu escritores como Camilo, Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro e António Cândido. Iniciou a sua colaboração jornalística no Diário Popular, onde assinava com o pseudónimo Valentina de Lucena, mas colaborou também no Jornal do Comércio, Repórter, Artes e Letras, Diário de Notícias, Novidades, Ocidente e Comércio do Porto. Grande parte dessas crónicas, nomeadamente as consagradas à crítica literária, foram reunidas nos volumes Serões no Campo (1877), Arabescos (1880), Em Portugal e no Estrangeiro (1899) e Figuras de Ontem e de Hoje (1902). 
Em 1886, de parceria com o seu marido, Gonçalves Crespo, editou a antologia infantil Contos para os Nossos Filhos. Entre 1898 e 1903 publicou a biografia Vida do Duque de Palmela D. Pedro de Sousa e Holstein. Em 1912, ingressou na Academia das Ciências de Lisboa, a par com Carolina Michaëlis, tornando-se as duas primeiras mulheres portuguesas a receberem essa distinção. Apesar da feição subjetiva e impressionista, os seus textos de crítica literária espelham leituras de orientação moderna e europeia e revelam o conhecimento das doutrinas de Taine relativas à influência da raça e do meio sobre o indivíduo: "a obra do poeta só poderá ser compreendida plenamente por quem lhe houver estudado a vida; uma completa e explica a outra; subordina-se-lhe e recebe dela a consagração e a realidade" (in Arabescos).
Na sua vasta obra, destacam-se também Crónicas de Valentina (1890), A Arte de Viver na Sociedade (1897), As Nossas Filhas (1905) e No Meu Cantinho (1909). Foi condecorada com o oficialato da Ordem de Sant'Iago, tendo sido também eleita sócia da Academia das Ciências. (daqui)

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