domingo, 26 de maio de 2024

"O Jogo" - Poema de Nuno Júdice


Leonard Campbell Taylor (British painter, 1874 – 1969), Patience, 1906.
 


O Jogo


Eu, sabendo que te amo,
e como as coisas de amor são difíceis,
preparo em silêncio a mesa
do jogo, estendo as peças
sobre o tabuleiro, disponho os lugares
necessários para que tudo
comece: as cadeiras
uma em frente da outra, embora saiba
que as mãos não se podem tocar,
e que para além das dificuldades,
hesitações, recuos
ou avanços possíveis, só os olhos
transportam, talvez, uma hipótese
de entendimento. É então que chegas,
e como se um vento do norte
entrasse por uma janela aberta,
o jogo inteiro voa pelos ares,
o frio enche-te os olhos de lágrimas,
e empurras-me para dentro, onde
o fogo consome o que resta
do nosso quebra-cabeças.


Nuno Júdice
, in "A Fonte da Vida", 1997
 

Sem comentários: