Edgar Degas (French Impressionist artist, 1834–1917), Interior, also known as The Rape, 1868-1869,
O Poeta diz: a vida
é uma «merda» que precisa ser vista com o máximo
requinte.
O requinte do olhar. Olhar que o obrigue a pecar.
Porque a vida
tal como o olhar
exerce-se fora da inocência dos sentidos
numa mesma intenção
e cumplicidade: a da boca
cega
que procura já, da morte, o peito recém-nascido
e canibal.
Porque é nesse altar
onde o pavio aceso toda a noite fulgura
que os lábios se entreabrem: flagelados de jejum
e castidade — céu despedaçado pela
águia fracionando
o espaço
das cidades.
Não há intimidade no mal — escreve o poeta exilado.
Vinda de onde, então,
Poesia,
a poderosa luz da tua absurda
generosidade?
Do «animal que se sente no mundo como a água
na água?» — Não se sabe.
Escreve-se por nada, Arnaldo, para ninguém,
para nada.
Por isso, implacável, a ti mesma
eu me ofereço — um osso duro de roer
mas que ácido floresce
no aroma que mistura o oiro à merda e o mar
ao sal.
A Frágil Reparação da Minha Morte -
Antologia (1974-2023)
Antologia (1974-2023)
A frágil reparação da minha morte : antologia (1974-2023) -
Eduarda Chiote; org. Maria F. Roldão. - Porto:
Officium Lectionis, 2023. - 229, [6] p. ; 24 cm. (daqui)
Eduarda Chiote; org. Maria F. Roldão. - Porto:
Officium Lectionis, 2023. - 229, [6] p. ; 24 cm. (daqui)
Com organização de Maria F. Roldão, a editora Officium Lectionis acaba de publicar a Antologia (1974-2023) de Eduarda Chiote. Com um lúcido e estruturado texto de abertura, foram selecionados poemas de nove dos treze livros de poemas escritos pela autora entre 1974 e 2022, aos quais se acrescentam dois conjuntos de inéditos. (daqui)
Descrição
Concedeste-me a liberdade
sabendo que não queria (não podia) soltar-me:
que, deste modo, te pertenceria
– prisioneira para sempre
da minha escravidão.
Transformaste-me (com o meu acordo)
numa adúltera shakespear(iana)
e romântica.
Sim, deste-me a possibilidade de pecar em paz,
privando-me do teatral jogo sem jogo das crianças,
em verdade brincando de brincar
ao brincar.
Mas não se pode viver sem omissão
– faz parte da natural privacidade,
tal como o indizível
da poesia.
Porque, muito pelo contrário
e ao contrário do que é suposto pensar,
as regras poéticas são algemas a que se oferece o pulso.
Acaso te ocorreu simples?
Meu amor, meu pobre amor, entre a convenção
e a veneração nos movemos: foi então,
essa, a frágil reparação da minha Morte? – o teres inventado
o perdão, para quem culpa
não tinha?
sabendo que não queria (não podia) soltar-me:
que, deste modo, te pertenceria
– prisioneira para sempre
da minha escravidão.
Transformaste-me (com o meu acordo)
numa adúltera shakespear(iana)
e romântica.
Sim, deste-me a possibilidade de pecar em paz,
privando-me do teatral jogo sem jogo das crianças,
em verdade brincando de brincar
ao brincar.
Mas não se pode viver sem omissão
– faz parte da natural privacidade,
tal como o indizível
da poesia.
Porque, muito pelo contrário
e ao contrário do que é suposto pensar,
as regras poéticas são algemas a que se oferece o pulso.
Acaso te ocorreu simples?
Meu amor, meu pobre amor, entre a convenção
e a veneração nos movemos: foi então,
essa, a frágil reparação da minha Morte? – o teres inventado
o perdão, para quem culpa
não tinha?
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