domingo, 5 de maio de 2024

"Saudades da Infância" - Poema de Augusto de Santa Rita



William-Adolphe Bouguereau (French painter, 1825–1905), L'Innocence, 1893.
[Women, young children, and lambs are all symbols of innocence.]
 
 
Saudades da Infância

I

Minha mãe, que saudade, ai que imensa saudade,
Daquele tempo d'oiro em que era menino.
Tendo dentro do peito a imensa claridade
Que há nas notas de orquestra executando um hino!

Daquele tempo bom, sonoro e cristalino,
Que do meu ser voou para a Imortalidade;
Em que tudo era grande e só eu pequenino
E em que cada minuto era uma eternidade.

Desse tempo ideal, só feito de candura.
Em que até mesmo o Mar tinha maior grandeza,
O Sol tinha mais brilho e os campos mais verdura,

E em que eu, ao pôr as mãos, criava em minha reza
A conceção de Deus, por entre a noite escura.
Velando lá do Céu por toda a Natureza!

II

Ai, que saudade, oh Mãe! desses tempos risonhos
Passados entre o tanque o Sol nele espelhante,
À sombra do pomar ou por entre os medronhos.
Ou de chapéu armado em cima do mirante!

Em que eram cor de rosa os meus ingénuos sonhos
É d'oiro sobre azul cada ilusório instante!
Ai, que saudade, oh Mãe! desse tempo distante,
Dos momentos de agora assazmente enfadonhos!

Desse tempo ideal em que fizera um ninho,
— (Onde à noite baixava) — em meu peito, a Alvorada,
E um anjo. que eu sabia haver asas de arminho.

Vigiava por mim na celestial Morada!
E em que o meu pensamento era tão levezinho,
E em que o meu coração não me pesava nada!
 

Augusto Santa-Rita
,
in Antologia da Primeira Infância
 
 
Augusto de Santa-Rita (fotografia publicada na Ilustração Portuguesa, nº. 543, 17 julho 1916) 
Augusto de Santa-Rita
 
Augusto de Santa-Rita (Lisboa, 1888 - Lisboa, 1956), filho do poeta Guilherme de Santa-Rita (1859-1905) e irmão de Santa-Rita Pintor, os seus primeiros passos literários foram dados na senda do pós-simbolismo, mas próximos, já em muitos aspetos, da estética futurista e «sensacionista», da geração do Orpheu. A esta primeira fase pertencem, por exemplo, as obras Árias Rezas - Canções e Cantares, I série, 1912, II série, 1916; Praias do Mistério, poemas, 1916, Teatro Lírico e A Rosa de Papel, poema dramático, 1917.

A sua obra poética evoluiu depois para «uma sentimentalidade saudosista, uma religiosidade vulgar e formular, um pitoresco muito previsível e enumerativo, um nacionalismo de propaganda», como sublinhou Óscar Lopes (Auto da Vida Eterna, 1925; O Poema de Fátima, 1930; Poema de Lisboa, 1957), e a que se sobrepôs a sua intensa produção nos domínios da literatura infantil, quer em verso (O Mundo dos Meus Bonitos, 1920; Pá-Tá-Pá, 1928), quer em prosa novelística (De Marçano a Milionário, 1930; A Bomba Mágica, 1932; A Princesa Estrelinha, 1951), quer escrevendo peças para um teatro de fantoches que criou em 1943 e a que deu o nome «Teatro de Mestre Gil».

Ainda nos domínios da literatura dramática, escreveu duas peças rústicas em 1 ato (Lobos no Povoado, 1916, e O Zagalote, 1950), um drama histórico (Corcundas e Malhados, 1921), uma peça radiofónica em verso (As Quatro Idades, 1936), um Auto da Tentação, em colaboração com Luís de Oliveira Guimarães (1941) e o poema dramático Eternidade (1950).

Dirigiu, a partir de 1926, sob o pseudónimo Pápim, e com o desenhador Eduardo Malta (Pápusse), o suplemento infantil Pim-Pam-Pum!, no jornal O Século
 
in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. III, Lisboa, 1994. (daqui)
 

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