domingo, 24 de novembro de 2024

"Guerra" - Poema de Maria de Lourdes Brandão


Eliseu Visconti (Pintor, desenhista e designer ítalo-brasileiro, 1866 - 1944),
 Volta às Trincheiras, 1917, Fundação Edson Queiroz.
 
 

Guerra


São olhos – narizes – braços e pernas – seios e sexos
vidas. Seres humanos.
Para alguns, apenas pedaços de carne
mas é carne que sente. Carne que sofre.
Corpos que uma bomba reduz a nada
e depois ficam na terra mutilados.
Cheirando a morte.

Eram olhos que viam o sol e a lua.
Azuis? Castanhos?
Narizes que aspiravam o perfume das matas.
Bocas que beijavam e falavam de amor.
Braços que enlaçavam.
Pernas que caminhavam.
Sexos que davam e recebiam prazer.
Cérebros e corações que pensavam. Batiam.
E gostavam de viver.

Agora.
São apenas pedaços de carne ensanguentada
que começam a apodrecer
e vão a enterrar.

Mas era carne que vivia. Corpos que sentiam.
Com sangue – veias – artérias – inteligência – livre arbítrio e opção
transformados em carne de canhão.
É gente como nós que morre na guerra.
Crianças que não entendem nada de nada.
Jovens. Muitos jovens, na plenitude da vida
(nas guerras, são sempre os jovens que mais sofrem,
justamente aqueles que ainda não viveram).
Homens e mulheres que têm tudo para dar.
E velhos e doentes.
Gente de carne e osso
milhares de seres humanos
Com olhos – narizes – braços – pernas – seios e sexos.

Há explicações para a guerra?
Ferir – matar – torturar... Porquê?
Por ambição?
Porque ter raiva e ódio de quem nem se conhece?
Porque semear tristezas e destruição?

Conheço as respostas mas não me dizem nada.
Democracia – liberdade – honra – dever – patriotismo
são palavras bonitas
mas não justificam transformar seres humanos
em carne de canhão!

Apalpem-se, senhores que fazem a guerra,
e pensem
é carne igual à vossa. Sensível. Macia.
Carne que tem vida
transformada, por vossa causa, em carne retalhada
membros amputados e chagas sangrando.
São mortes de corpos irreconhecíveis
uivando!

São milhares de seres humanos
que não sabem sequer porque mataram ou morreram.

Jogados como bichos, numa vala.
Reduzidos a um número.
A uma saudade.
Ao nada.

Que posso fazer contra a guerra
senão falar – gritar – escrever?
Que posso eu, que não sou ninguém,
dizer em favor da paz?
Apenas repetir, enquanto tiver forças,
não há carne de canhão
apenas seres humanos!
Carne que sente. Carne que sofre.
Gente que quer viver
e a guerra leva à morte.


Maria de Lourdes Brandão
, 'Vivências'


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