sexta-feira, 8 de novembro de 2024

"Soneto contra as pesporrências" - Poema de Fernando Assis Pacheco



Cruzeiro Seixas (Poeta e pintor surrealista português, 1920-2020),
'As palavras só têm um valor real na poesia', 2001. Serigrafia sobre papel.


Soneto contra as pesporrências


É favor não pedirem a esta poesia
que faça o jeito às alegadas tendências
do tempo nem às vãs experiências
que sempre a deixaram de mão fria

o que iria bem mas mesmo bem seria
num jornal a coluna das ocorrências
as coisas da vida mais do que as pesporrências
editoriais do comentador do dia

o que vai mal com ela são as petulâncias
de que se vestem muitas redundâncias
dando-se públicos ares de sabedoria

que o leitor farto das arrogâncias
magistrais troca por outras instâncias
onde pode mandá-las pra casa da tia


Fernando Assis Pacheco
, A Musa Irregular, 1991.
(Antologia poética)


"A Musa Irregular" de Fernando Assis Pacheco
Edição/reimpressão: 11-2006
Editor: Assírio & Alvim
 

SINOPSE

A primeira edição de A Musa Irregular apareceu em Lisboa, com a chancela da Hiena Editora, em Fevereiro de 1991. Teria segunda edição em 1996 e terceira em 1997, ambas nas Edições Asa. A presente segue naturalmente a primeira, efetuando as correções que o próprio Fernando Assis Pacheco deixou manuscritas. (daqui)


A Musa Irregular

A Musa Irregular reúne a obra poética completa do autor, coligindo volumes editados, dispersos e inéditos. No trajeto poético coberto pela coletânea, as obras compostas durante e sob o efeito da experiência da guerra colonial têm um papel fundamental na instituição de um sujeito poético que, sobre um fundo de dor e revolta, desenvolverá estratégias de conservação como o distanciamento irónico ou o humor. A situação limite da guerra, limiar da vida, da humanidade e da própria identidade, impõe um esforço de autocontrolo e de resistência contra a desintegração psíquica ("Abençoado o meu domínio / sobre os nervos desfeitos, shazam!", "Rascunhos e Fragmentos") que marcará a sua escrita poética enquanto recusa de cedência ao lirismo angustiado: "não posso deixar que a tristeza / sujeite estes versos. [...] não me vou deixar / transformar num poeta azedo." ("Animais de Fogo"). 

Colada à experiência e ao vivido, a poesia de Fernando Assis Pacheco reclama-se de uma total liberdade e opõe-se a qualquer tipo de experiência literária profissionalizada ou institucionalizada ("É favor não pedirem a esta poesia / que faça jeito às alegadas tendências / do tempo nem às vãs experiências / que sempre a deixaram de mão fria", "Soneto contra as Pesporrências"), não se coibindo de tocar conscientemente os limites do antilirismo, deixando-se embeber pelo prosaico e desenvolvendo um trabalho de subversão gramatical. A singular combinação de traços como a denúncia de alienações coletivas, as pausas líricas para a evocação de afetos e vivências (o pai, a filha, os amores de Coimbra), a declarada "educação maneirista" que acentua o rigor compositivo, a pluralidade de registos, a abertura a uma vanguarda com uma postura subjetiva conferem a A Musa Irregular uma estatuto singular na poesia da segunda metade da época contemporânea. (daqui)

 

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