Horace Pippin (American painter, 1888–1946), Sunday Morning Breakfast, 1943.
Quando os meus irmãos voltarem
Quando a minha mãe vier
e trouxer
os meus irmãos
iremos todos viver
para a estrada de Catete.
Havemos de construir com as nossas mãos
uma casita de adobe
bonita,
onde caberemos todos.
será vermelha,
toda coberta de capim.
Vai ser fácil amassar
porque o barro já está tinto
de tanto, de tanto sangue
há tanto tempo a correr.
Terá também um jardim
com rosas e buganvílias.
Vai ser fácil
pois mesmo que a chuva tarde
serão regadas
com lágrimas caídas
dos olhos de todos nós.
Quando a minha mãe vier
e trouxer
os meus irmãos
iremos todos viver
para a estrada de Catete.
E jantaremos mufete...
e beberemos quissângua
que vos virá do Bié.
E dormiremos na esteira
embalados pela brisa
que soprará no Musseque.
Quando a minha mãe vier
e trouxer
os meus irmãos
iremos todos viver
para a estrada de Catete.
Havemos de construir com as nossas mãos
uma casita de adobe
bonita,
onde caberemos todos.
será vermelha,
toda coberta de capim.
Vai ser fácil amassar
porque o barro já está tinto
de tanto, de tanto sangue
há tanto tempo a correr.
Terá também um jardim
com rosas e buganvílias.
Vai ser fácil
pois mesmo que a chuva tarde
serão regadas
com lágrimas caídas
dos olhos de todos nós.
Quando a minha mãe vier
e trouxer
os meus irmãos
iremos todos viver
para a estrada de Catete.
E jantaremos mufete...
e beberemos quissângua
que vos virá do Bié.
E dormiremos na esteira
embalados pela brisa
que soprará no Musseque.
Descansaremos
do longo caminho andado.
Descansaremos
pra mais longa caminhada...
Ah! quando a minha mãe vier
e trouxer os meus irmãos
será pequena a nossa casa bonita
(que eu tenho milhões de irmãos!)
Quando a minha mãe vier
e trouxer
os meus irmãos,
iremos varrer
as cinzas dos que partiram à frente,
e cantar,
espalhar
a nossa alegria
pelas vertentes das serras,
pelas areias das dambas,
pelos vales,
pelos montes,
pela beirinha dos rios
junto às fontes.
Havemos de cantar!...
Ah! quando a minha mãe vier
e trouxer os meus irmãos,
arderá uma fogueira
à beira
de cada trilho
e o brilho
de cada estrela
será maior...
Mãezinha, ouve o teu filho.
Não tardes, mãe,
vem depressa...
Aires de Almeida Santos
Poeta e jornalista angolano, Aires de Almeida Santos, nascido em 1922, no Planalto Central, no Chinguar, Bié (Angola), viveu, contudo, a sua infância junto do mar, na cidade de Benguela, entre o Bairro do Benfica e a Escola da Liga, onde fez a escola primária, e a adolescência na cidade do Huambo.
Concluído o ensino liceal, Aires de Almeida Santos possuía já o gosto pela escrita literária, sendo desta época alguns dos primeiros textos que foram, posteriormente, compilados no livro Meu Amor da Rua Onze.
Ideologicamente empenhado e comprometido com os valores da liberdade e da independência, o autor foi "deportado" para Luanda, nos anos 50, pela polícia colonial, onde mais tarde acabou por ser preso até finais da década de 60.
Quando saiu da prisão, a sua obra era já objeto de consagração e de análise.
Dedicando-se ao jornalismo, colaborou em vários jornais, nomeadamente Jornal de Benguela, Jornal de Angola e A Província de Angola.
Poeta da "geração da Cultura", retomou a vertente temática da anterior "geração da mensagem", cuja revista fora proibida e extinta pelas autoridades repressivas coloniais. Assim, a sua poesia centrou-se em preocupações profundamente nacionalistas e, na procura de elementos do passado remoto, encontrou formas que permitiam fazer, simultaneamente, a catarse da escravidão e a denúncia da miséria do tempo presente.
Recorrendo a uma linguagem eufemística, os textos de Aires de Almeida Santos remetem o leitor para momentos conotativos de denúncia da exploração e da repressão, associados a espaços de esperança que decorrem da implementação e projeção dos movimentos independentistas, enquanto plataformas revolucionárias e geradoras de PAZ.
Tendo vivido grande parte da sua vida em Benguela, única cidade, para além de Luanda, com alguma atividade cultural, a sua obra poética reflete uma profunda ligação a esta cidade que ele tão bem conhece física e afetivamente e que foi alicerce arquitetónico do seu imaginário infantil e "naif": "Tenho saudades do tempo/Em que corria descalço/Pelas areias do rio;/Comigo, os meus companheiros/Também descalços, correndo,/A correr ao desafio. (...)"
De cariz profundamente descritivo, a poesia de Almeida Santos permite um olhar quase fotográfico que regista, com clareza e precisão, os espaços físicos, psicológicos e sociais de uma cidade que o poeta elegeu incondicionalmente como "a sua": " (...) O Macuto da Ximinha/Que cantava todo o dia/Já não canta./O Zé Camilo, coitado,/Passa o dia deitado/A pensar em muitas coisas.(...)".
Através de uma escrita cheia de subtilezas formais, o autor entabula um colorido diálogo com a natureza, enformando temáticas que vão permitir engrossar as correntes da esperança da libertação nacional.
Aos 53 anos de idade, a exercer a profissão de jornalismo e a de guarda-livros, pôde viver o tão esperado momento da declaração da independência.
É então que toda a sua poesia, espalhada por um sem número de "mochilas clandestinas do exílio", é recolhida com o apoio do poeta David Mestre.
A sua obra poética, escassa mas de qualidade, está reunida no livro a que simbolicamente chamou Meu Amor da Rua Onze.
Morreu em Benguela em 1991. (daqui)
Concluído o ensino liceal, Aires de Almeida Santos possuía já o gosto pela escrita literária, sendo desta época alguns dos primeiros textos que foram, posteriormente, compilados no livro Meu Amor da Rua Onze.
Ideologicamente empenhado e comprometido com os valores da liberdade e da independência, o autor foi "deportado" para Luanda, nos anos 50, pela polícia colonial, onde mais tarde acabou por ser preso até finais da década de 60.
Quando saiu da prisão, a sua obra era já objeto de consagração e de análise.
Dedicando-se ao jornalismo, colaborou em vários jornais, nomeadamente Jornal de Benguela, Jornal de Angola e A Província de Angola.
Poeta da "geração da Cultura", retomou a vertente temática da anterior "geração da mensagem", cuja revista fora proibida e extinta pelas autoridades repressivas coloniais. Assim, a sua poesia centrou-se em preocupações profundamente nacionalistas e, na procura de elementos do passado remoto, encontrou formas que permitiam fazer, simultaneamente, a catarse da escravidão e a denúncia da miséria do tempo presente.
Recorrendo a uma linguagem eufemística, os textos de Aires de Almeida Santos remetem o leitor para momentos conotativos de denúncia da exploração e da repressão, associados a espaços de esperança que decorrem da implementação e projeção dos movimentos independentistas, enquanto plataformas revolucionárias e geradoras de PAZ.
Tendo vivido grande parte da sua vida em Benguela, única cidade, para além de Luanda, com alguma atividade cultural, a sua obra poética reflete uma profunda ligação a esta cidade que ele tão bem conhece física e afetivamente e que foi alicerce arquitetónico do seu imaginário infantil e "naif": "Tenho saudades do tempo/Em que corria descalço/Pelas areias do rio;/Comigo, os meus companheiros/Também descalços, correndo,/A correr ao desafio. (...)"
De cariz profundamente descritivo, a poesia de Almeida Santos permite um olhar quase fotográfico que regista, com clareza e precisão, os espaços físicos, psicológicos e sociais de uma cidade que o poeta elegeu incondicionalmente como "a sua": " (...) O Macuto da Ximinha/Que cantava todo o dia/Já não canta./O Zé Camilo, coitado,/Passa o dia deitado/A pensar em muitas coisas.(...)".
Através de uma escrita cheia de subtilezas formais, o autor entabula um colorido diálogo com a natureza, enformando temáticas que vão permitir engrossar as correntes da esperança da libertação nacional.
Aos 53 anos de idade, a exercer a profissão de jornalismo e a de guarda-livros, pôde viver o tão esperado momento da declaração da independência.
É então que toda a sua poesia, espalhada por um sem número de "mochilas clandestinas do exílio", é recolhida com o apoio do poeta David Mestre.
A sua obra poética, escassa mas de qualidade, está reunida no livro a que simbolicamente chamou Meu Amor da Rua Onze.
Morreu em Benguela em 1991. (daqui)
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