sábado, 22 de dezembro de 2012

"Natal à beira rio" - Poema de David Mourão Ferreira


Philipp Otto Runge, Descanso na Fuga para o Egito, 1805-1806



Natal à beira rio 


É o braço do abeto a bater na vidraça? 
E o ponteiro pequeno a caminho da meta! 
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa, 
A trazer-me da água a infância ressurreta. 

Da casa onde nasci via-se perto o rio. 
Tão novos os meus Pais, tão novos no passado! 
E o Menino nascia a bordo de um navio 
Que ficava, no cais, à noite iluminado… 

Ó noite de Natal, que travo a maresia! 
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra. 
E quanto mais na terra a terra me envolvia 
E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra. 

Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me 
À beira desse cais onde Jesus nascia… 
Serei dos que afinal, errando em terra firme, 
Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia? 


David Mourão-Ferreira
 (Lisboa, 1927 – 1996) 


Giorgione, Adoration of the Magi, c. 1505


"Não se pode manter a paz pela força, mas sim pela concórdia."

(Albert Einstein)

Sem comentários: