quinta-feira, 29 de setembro de 2011

"Lá quando a Tua voz deu ser ao nada" - Soneto de Bocage



Domingos Sequeira, Alegoria à Fundação da Casa Pia, 1792-1794



Lá quando a Tua voz deu ser ao nada


Lá quando a Tua voz deu ser ao nada,
Frágil criaste, ó Deus, a Natureza;
Quiseste que aos encantos da beleza
Amorosa paixão fosse ligada:

Às vezes em seus desgostos desmandada,
Nos excessos desliza-se a fraqueza;
Fingem-Te então com ímpeto, e braveza
Erguendo contra nós a dextra armada:

Ó almas sem acordo, e sem brandura,
Falsos órgãos do Eterno! Ah!… Profanai-o,
Dando-lhe condição tirana e dura!

Trovejai, que eu não tremo e não desmaio;
Se um Deus fulmina os erros da ternura,
Uma lágrima só Lhe apaga o raio.


 
 

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

"Sinfonia de Cor" - Poema de Armando Côrtes Rodrigues


José Navarro Llorens (pintor espanhol, 1867-1923), La playa de Valencia


Sinfonia de Cor


Sempre defronte
de mim
o mar azul, o mar imenso, o mar sem fim,
todo igual e azul até ao horizonte.

Neste dia delirante
de luz crua a jorrar, intensa, lá do alto,
uma vela distante
mancha de branco o seu azul-cobalto.

Um traço de espuma branca
junto à penedia
marca a linha da costa em enseada franca.

E a nota branca
das gaivotas em bando,
esvoaçando
à revelia,
e um ritmo novo de alegria,
de ruído e de graça.

Perto uma vela passa,
lenço branco a acenar...

Não ter asas também para poder voar
aonde me levasse a minha fantasia!
E ser gaivota e mergulhar
na água e bater asas,
alegre, todo o dia!

Poisar nos calhaus negros, que são brasas,
brasas negras a arder,
e ver aos pés a referver
aos borbotões de espuma.

Dar um grito e subir,
subir alto e distante,
já quando a terra se esfuma
e o mar aumenta, quanto mais avante.

Partir!

Partir para o delírio das alturas,
só, entre o céu e o mar,
longe do mundo e mais das criaturas.

Ah! Não ter asas e poder voar
de alma desvairada,
entontecer-me de espaço...

– Nota branca riscada
entre o azul do céu e o azul do mar.

Depois voltar
para ver
o sol morrer
num clarão de fogueira,
incendiando o céu, metalizando o mar...

E ver a noite abrir
o regaço
para deixar cair
uma a uma as estrelas.

Adormecer a vê-las...

Depois sonhar,
num delírio de cor, a noite inteira.


Armando César Côrtes-Rodrigues,
in 'Antologia Poética' 


 
José Navarro Llorens, Horse-drawn Carriage and Child on the Beach


"Se eu não fosse um físico, provavelmente seria músico. Eu penso sobre música frequentemente. Eu sonho acordado com música. Eu vejo minha vida em termos de música... obtenho mais alegria na vida através da música." -  Albert Einstein


Cesária Évora - Mar Azul


Cize, como era conhecida Cesária Évora, nasceu a 27 de Agosto de 1941 no Mindelo - Cabo Verde e veio a falecer em 17 de Dezembro de 2011. Aos 16 anos começou a cantar em bares e hotéis, donde veio a ganhar o epíteto de Rainha das Mornas.
Cesária tinha essa enorme capacidade de através da melodia e pela sua voz, por a alma, de buscar no fundo todo um passado vivido, com uma naturalidade crua e vestida de imensa arte.
Desde a saudade da terra natal, à colonização portuguesa que por via do pai, viveu socialmente as complexas relações sociais, até à emigração escrava de São Tomé.
Voz que também foi ouvida pelos soldados portugueses, em finais dos anos 60 através da rádio, principalmente na Guiné, quando ainda não tinha dimensão internacional.
Deixou de cantar durante uns anos para sustentar a família com o seu trabalho. Mais tarde encorajada pelo conhecido músico Bana, volta a cantar. Mas o salto internacional deu-se quando um empresário luso-francês, José da Silva a encorajou a atuar em Paris, gravando em 1988 o álbum "La diva aux pied nus" (A Diva dos pés descalços). A partir daí ganhou projeção internacional, dando espetáculos um pouco por todo o mundo. Tem o seu ponto alto quando ganha em 2004 o Grammy de melhor álbum de World Music contemporânea.
Fica, em seu registo histórico, dentro de sua passagem nesta vida, a voz e o ritmo, de uma certa maneira de viver e de estar.
Cantava com a alma e o espírito interligados como se de uma ciência complexa fosse.
Sabia da "moenga", aliás a sua música era e é dinâmica. Com um cigarro na mão e um copo de whisky na outra, a sua música é subtilmente entendida no espírito, após o ouvinte passar certas fronteiras de estados de almas... Nesses patamares mais subtis da consciência, sente-se na plenitude, a música de Cesária Évora... Uma verdadeira Diva que atravessa gerações. (Daqui)
 
 

"Quadras soltas" - Poemas de António Aleixo


Victor Brauner, Dancing girl, 1934


 Quadras soltas


De te ver fiquei repeso,
Em vez de ganhar perdi;
Quis prender-te, fiquei preso,
E não sei se te prendi.

A começar pelo «urso»
De Coimbra, a estudantada,
Só quando se acaba o curso,
Sabe que não sabe nada.

Alheio ao significado,
Diz o povo, e com razão,
Quando ouve um grande aldrabão:
- Dava um bom advogado.

Há tantos burros mandando
Em homens de inteligência,
Que às vezes fico pensando
Que a burrice é uma ciência!

Foste beijar o menino,
Quando, afinal eu vi bem
Que beijaste o pequenino
Porque gostavas da mãe.

Sem que o discurso eu pedisse,
Ele falou; e eu escutei,
Gostei do que ele não disse;
Do que disse não gostei.

Para não fazeres ofensas
E teres dias felizes,
Não digas tudo o que pensas,
Mas pensa tudo o que dizes.

Sei que pareço um ladrão...
Mas há muitos que eu conheço
Que não parecendo o que são,
São aquilo que eu pareço.




Victor Brauner, The Surrealist, 1947


"Um Homem percorre o mundo inteiro em busca daquilo que precisa e volta a casa para encontrá-lo."

George Moore, The Brook Kerish


Susana Félix - Amanhecer

domingo, 25 de setembro de 2011

"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" - Soneto de Luís de Camões


Frederik Sødring, The "Summer Spire" on the Chalk Cliffs of the Island Møn. Moonlight



Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem – se algum houve – as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
que já coberto foi de neve fria,
e enfim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto:
que não se muda já como soía.


Luís de Camões, in "Sonetos"



Frederik Sødring, Rønneby Waterfall at Blekinge, Sweden, 1836


"Perde-se a vida quando a pretendemos resgatar à custa de demasiadas preocupações."

(William Shakespeare)


sábado, 24 de setembro de 2011

"Nem Sempre sou Igual" - Poema de Alberto Caeiro


Felix Nussbaum, Tríade, 1944
 


Nem sempre sou igual no que digo e escrevo

 
Nem sempre sou igual no que digo e escrevo.
Mudo, mas não mudo muito.
A cor das flores não é a mesma ao sol
De que quando uma nuvem passa
Ou quando entra a noite
E as flores são cores da sombra.
Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores.
Por isso quando pareço não concordar comigo,
Reparem bem para mim:
Se estava virado para a direita,
Voltei-me agora para a esquerda,
Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés –
O mesmo sempre, graças ao céu e à terra
E aos meus olhos e ouvidos atentos
E à minha clara simplicidade de alma...


Alberto Caeiro, in “O Guardador de Rebanhos – Poema XXIX”
Heterónimo de Fernando Pessoa.


Genesis - In Too Deep


"Coloque a lealdade e a confiança acima de qualquer coisa; não te alies aos moralmente inferiores; não receies corrigir teus erros." - Confúcio


"O Nosso Livro" - Poema de Florbela Espanca


Harold Gilman (1876-1919)



O Nosso Livro 


Livro do meu amor, do teu amor, 
Livro do nosso amor, do nosso peito... 
Abre-lhe as folhas devagar, com jeito, 
Como se fossem pétalas de flor. 

Olha que eu outro já não sei compor 
Mais santamente triste, mais perfeito 
Não esfolhes os lírios com que é feito 
Que outros não tenho em meu jardim de dor! 

Livro de mais ninguém! Só meu! Só teu! 
Num sorriso tu dizes e digo eu: 
Versos só nossos mas que lindos sois! 

Ah, meu Amor! Mas quanta, quanta gente 
Dirá, fechando o livro docemente: 
"Versos só nossos, só de nós os dois!..."


in "Livro de Sóror Saudade" 



Antonio Vivaldi - Wiosna


"Maria" - Poema de Antero de Quental


Alfred Stevens (Belgian painter,1823-1906), Lighthouse at dusk


Maria

 
Tenho cantado esperanças...
Tenho falado d'amores...
Das saudades e dos sonhos
Com que embalo as minhas dores...

Entre os ventos suspirando
Vagas, ténues harmonias,
Tendes visto como correm
Minhas doidas fantasias.

E eu cuidei que era poesia
Todo esse louco sonhar...
Cuidei saber o que é vida
Só porque sei delirar...

Só porque à noite, dormindo
Ao seio d'uma visão,
Encontrava algum alívio,
Meu dorido coração,

Cuidei ser amor aquilo
E ser aquilo viver...
Oh! que sonhos que se abraçam
Quando se quer esquecer!

Eram fantasmas que a noite
Trouxe, e o dia já levou...
À luz d'estranha alvorada
Hoje minha alma acordou!

Esquecei aqueles cantos...
Só agora sei falar!
Perdoa-me esses delírios...
Só agora soube amar!


Antero de Quental 




"Ver é obra da poesia. Dizer é obra do poema. Dizer bem é artesanato. Mas ninguém pode dizer bem o que viu mal. Um poema puramente artesanal não existe."

(Sophia de Mello Breyner Andresen)


Danúbio Azul
Johann Strauss 

"Entrei no café com um rio na algibeira" - Poema de José Gomes Ferreira


Georges Lacombe (1868-1946), Marine bleue, Effet de vague, 1893,
 Musée des Beaux-Arts de Rennes.


Entrei no café com um rio na algibeira


Entrei no café com um rio na algibeira 
e pu-lo no chão, 
a vê-lo correr 
da imaginação... 

A seguir, tirei do bolso do colete 
nuvens e estrelas 
e estendi um tapete 
de flores 
a concebê-las. 

Depois, encostado à mesa, 
tirei da boca um pássaro a cantar 
e enfeitei com ele a Natureza 
das árvores em torno 
a cheirarem ao luar 
que eu imagino. 

E agora aqui estou a ouvir 
A melodia sem contorno 
Deste acaso de existir 
- onde só procuro a Beleza 
para me iludir 
dum destino. 






Quando aqueles que chegavam
olhavam os que partiam
os que partiam choravam
os que ficavam sorriam
 

In Manual de Prestidigitação,
 (Antologia Poética)


domingo, 18 de setembro de 2011

"A Maior Flor do Mundo" - José Saramago




"E se as histórias para crianças passassem a ser de leitura obrigatória para os adultos? Seriam eles capazes de aprender realmente o que há tanto tempo têm andado a ensinar?" - José Saramago
 


A Maior Flor do Mundo


“Se quiseres falar ao coração de um homem, conta uma história. Dessas em que não faltam animais, ou deuses e muita fantasia. Porque é assim, suave e docemente que se despertam consciências”. - Jean de La Fontaine


Retrato de José Saramago por Bottelho
 

"O egoísmo pessoal, o comodismo, a falta de generosidade, as pequenas cobardias do quotidiano, tudo isto contribui para essa perniciosa forma de cegueira mental que consiste em estar no mundo e não ver o mundo, ou só ver dele o que, em cada momento, for susceptível de servir os nossos interesses." - José Saramago

sábado, 17 de setembro de 2011

"De Tarde" - Poema de Cesário Verde


Vladimir Volegov, Picnic among Poppies


De Tarde 

 
Naquele «pic-nic» de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!
 
 

Elvis Presley - Love Me Tender


"Sou uma pessoa de gostos simples, basta-me o melhor." 

(Oscar Wilde)
 

"Noite fechada" - Poema de Cesário Verde


Charles Courtney Curran (1861-1942), Paris at night, 1889



Noite fechada


Lembras-te tu do sábado passado,
Do passeio que demos, devagar,
Entre um saudoso gás amarelado
E as carícias leitosas do luar?

Bem me lembro das altas ruazinhas,
Que ambos nós percorremos de mãos dadas:
Às janelas palravam as vizinhas;
Tinham lívidas luzes as fachadas.

Não me esqueço das coisas que disseste,
Ante um pesado tempo com recortes;
E os cemitérios ricos, e o cipreste
Que vive de gorduras e de mortes!

Nós saíramos próximo ao sol-posto,
Mas seguíamos cheios de demoras;
Não me esqueceu ainda o meu desgosto
Nem o sino rachado que deu horas.

Tenho ainda gravado no sentido,
Porque tu caminhavas com prazer,
Cara rapada, gordo e presumido,
O padre que parou para te ver.

Como uma mitra a cúpula da igreja
Cobria parte do ventoso largo;
E essa boca viçosa de cereja
Torcia risos com sabor amargo.

A Lua dava trémulas brancuras,
Eu ia cada vez mais magoado;
Vi um jardim com árvores escuras,
Como uma jaula todo gradeado!

E para te seguir entrei contigo
Num pátio velho que era dum canteiro,
E onde, talvez, se faça inda o jazigo
Em que eu irei apodrecer primeiro!

Eu sinto ainda a flor da tua pele,
Tua luva, teu véu, o que tu és!
Não sei que tentação é que te impele
Os pequeninos e cansados pés.

Sei que em tudo atentavas, tudo vias!
Eu por mim tinha pena dos marçanos,
Como ratos, nas gordas mercearias,
Encafurnados por imensos anos!

Tu sorrias de tudo: os carvoeiros,
Que aparecem ao fundo dumas minas,
E à crua luz os pálidos barbeiros
Com óleos e maneiras femininas!

Fins de semana! Que miséria em bando!
O povo folga, estúpido e grisalho!
E os artistas de ofício iam passando,
Com as férias, ralados do trabalho.

O quadro interior, dum que à candeia,
Ensina a filha a ler, meteu-me dó!
Gosto mais do plebeu que cambaleia,
Do bêbado feliz que fala só!

De súbito, na volta de uma esquina,
Sob um bico de gás que abria em leque,
Vimos um militar, de barretina
E galões marciais de pechisbeque,

E enquanto ela falava ao seu namoro,
Que morava num prédio de azulejo,
Nos nossos lábios retiniu sonoro
Um vigoroso e formidável beijo!

E assim ao meu capricho abandonada,
Erramos por travessas, por vielas,
E passamos por pé duma tapada
E um palácio real com sentinelas.

E eu que busco a moderna e fina arte,
Sobre a umbrosa calçada sepulcral,
Tive a rude intenção de violentar-te
Imbecilmente, como um animal!

Mas ao rumor dos ramos e da aragem,
Como longínquos bosques muito ermos,
Tu querias no meio da folhagem
Um ninho enorme para nós vivermos.

E, ao passo que eu te ouvia abstratamente,
Ó grande pomba tépida que arrulha,
Vinham batendo o macadame fremente,
As patadas sonoras da patrulha,

E através a imortal cidadezinha,
Nós fomos ter às portas, às barreiras,
Em que uma negra multidão se apinha
De tecelões, de fumos, de caldeiras.

Mas a noite dormente e esbranquiçada
Era uma esteira lúcida de amor;
Ó jovial senhora perfumada,
Ó terrível criança! Que esplendor!

E ali começaria o meu desterro!...
Lodoso o rio, e glacial, corria;
Sentamo-nos, os dois, num novo aterro
Na muralha dos cais de cantaria.

Nunca mais amarei, já que não amas,
E é preciso, decerto, que me deixes!
Toda a maré luzia como escamas,
Como alguidar de prateados peixes.

E como é necessário que eu me afoite
A perder-me de ti por quem existo,
Eu fui passar ao campo aquela noite
E andei léguas a pé, pensando nisto.

E tu que não serás somente minha,
Às carícias leitosas do luar,
Recolheste-te, pálida e sozinha,
À gaiola do teu terceiro andar!


Cesário Verde
(1855-1886),
in O Livro de Cesário Verde


Leona Lewis - The First Time Ever I Saw Your Face


"Tudo o que não nos destrói, torna-nos mais fortes."

(Friedrich Nietzsche)


quinta-feira, 15 de setembro de 2011

"Máximo de Tédio no Máximo de Civilização" - Texto de Eça de Queirós


Clyde Aspevig, Moonrise
 


Máximo de tédio no máximo de civilização


"Na Terra tudo vive - e só o homem sente a dor e a desilusão da vida. E tanto mais as sente, quanto mais alarga e acumula a obra dessa inteligência que o torna homem, e que o separa da restante Natureza, impensante e inerte. É no máximo de civilização que ele experimenta o máximo de tédio. A sapiência, portanto, está em recuar até esse honesto mínimo de civilização, que consiste em ter um tecto de colmo, uma leira de terra e o grão para nela semear. Em resumo, para reaver a felicidade, é necessário regressar ao Paraíso - e ficar lá, quieto, na sua folha de vinha, inteiramente desguarnecido de civilização, contemplando o anho aos saltos entre o tomilho, e sem procurar, nem com o desejo, a árvore funesta da Ciência!"


Eça de Queirós, in 'Civilização'


Clyde Aspevig, Alpine Lake


"O cansaço ronca em cima de uma pedra, enquanto a indolência acha duro o melhor travesseiro."

(William Shakespeare)


"Dependência do Governo" - Texto de Eça de Queirós


Louis Moeller, 'Different Opinions', High Museum


Dependência do Governo


"... Diz-se geralmente que, em Portugal, o público tem ideia de que o Governo deve fazer tudo, pensar em tudo, iniciar tudo: tira-se daqui a conclusão que somos um povo sem poderes iniciadores, bons para ser tutelados, indignos de uma larga liberdade, e inaptos para a independência. A nossa pobreza relativa é atribuída a este hábito político e social de depender para tudo do Governo, e de volver constantemente as mãos e os olhos para ele como para uma Providência sempre presente."
 
Eça de Queirós, in 'Cartas de Inglaterra'
 

David Teniers the Younger, Tavern scene, 1640
 
 
 "O homem de bem exige tudo de si próprio; o homem medíocre espera tudo dos outros."

(Confúcio)
 
 

"Política de Interesse" - Texto de Eça de Queirós


Theodor Zasche (1862-1922)


Política de Interesse


"Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e o engenho, e o bom senso, e a moralidade, nestes dois factos que constituem o movimento político das nações.
A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse.
A política é uma arma, em todos os pontos revolta pelas vontades contraditórias; ali dominam as más paixões; ali luta-se pela avidez do ganho ou pelo gozo da vaidade; ali há a postergação dos princípios e o desprezo dos sentimentos; ali há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de nobre, de generoso, de grande, de racional e de justo; em volta daquela arena enxameiam os aventureiros inteligentes, os grandes vaidosos, os especuladores ásperos; há a tristeza e a miséria; dentro há a corrupção, o patrono, o privilégio. A refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se, brada-se, foge-se, destrói-se, corrompe-se. Todos os desperdícios, todas as violências, todas as indignidades se entrechocam ali com dor e com raiva.
À escalada sobem todos os homens inteligentes, nervosos, ambiciosos (...) todos querem penetrar na arena, ambiciosos dos espectáculos cortesãos, ávidos de consideração e de dinheiro, insaciáveis dos gozos da vaidade."


 Eça de Queirós, in 'Distrito de Évora (1867)




"O mal da grandeza é quando ela separa a consciência do poder."

(William Shakespeare)


"A Vitalidade de uma Nação" - Texto de Eça de Queirós


Vasily PerovAn der Eisenbahn, 1868
 
 

A Vitalidade de uma Nação


"Uma nação vive, prospera, é respeitada, não pelo seu corpo diplomático, não pelo seu aparato de secretarias, não pelas recepções oficiais, não pelos banquetes cerimoniosos de camarilhas: isto nada vale, nada constrói, nada sustenta; isto faz reduzir as comendas e assoalhar o pano das fardas - mais nada. Uma nação vale pelos seus sábios, pelas suas escolas, pelos seus génios, pela sua literatura, pelos seus exploradores científicos, pelos seus artistas. Hoje, a superioridade é de quem mais pensa; antigamente era de quem mais podia: ensaiavam-se então os músculos como já se ensaiam as ideias."


Eça de Queirós, in 'Distrito de Évora'


Vasily Perov (1833-1882), The Hunters at Rest, 1871


"Os homens deviam ser o que parecem ou, pelo menos, não parecerem o que não são."

(William Shakespeare)
 

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

"Portugal está a atravessar a pior crise" - Texto de Eça de Queirós


George Henry Boughton, Weeding the Pavement, 1882



Portugal está a atravessar a pior crise


Que fazer? Que esperar? Portugal tem atravessado crises igualmente más: - mas nelas nunca nos faltaram nem homens de valor e carácter, nem dinheiro ou crédito. Hoje, crédito não temos, dinheiro também não - pelo menos o Estado não tem: - e homens não os há, ou os raros que há são postos na sombra pela Política. De sorte que esta crise me parece a pior - e sem cura.


Eça de Queirós, in' Correspondência (1891)


Eça de Queirós


José Maria de Eça de Queirós (Póvoa de Varzim, 25 de novembro de 1845 — Paris, 16 de agosto de 1900) foi um dos maiores escritores portugueses e simultaneamente um dos maiores pensadores. Foi autor, entre outros romances de reconhecida importância, de “Os Maias” e “O crime do Padre Amaro”; este último é considerado por muitos o melhor romance realista português do século XIX.

Retratou como ninguém a sociedade e a psicologia dos portugueses, num estilo irónico e humorístico único, presente nos seus romances, crónicas e correspondência. Mais radical nos seus primeiros escritos, mais conservador nos últimos, em todos grassa uma actualidade e uma acutilância que continua a surpreender passados mais de cem anos sobre a sua morte.

A visão e crítica de Eça de Queirós sobre os costumes em geral, e os portugueses em particular, continua surpreendentemente válida nos dias de hoje, provando que a evolução é pouco mais que um conjunto de progressos técnicos, e que as características do povo português, em todos os aspectos da sociedade, se mantêm praticamente iguais.


George Henry Boughton,The Town of Doorn, North Holland 
 (also known as A Dead City of the Zuider Zee, Holland)


"O homem que não tem a música dentro de si e que não se emociona com um concerto de doces acordes é capaz de traições, de conjuras e de rapinas." - William Shakespeare


terça-feira, 13 de setembro de 2011

"A única crítica é a gargalhada!" - Texto de Eça de Queirós


Artur Loureiro (Porto, 1853 - Gerês, 1932), O pão político, ca. 1924

“(…) A única crítica é a gargalhada!
Nós bem o sabemos: a gargalhada nem é um raciocínio, nem um sentimento; não cria nada, destrói tudo, não responde por coisa alguma. E no entanto é o único comentário do mundo político em Portugal.
Um Governo decreta? Gargalhada.
Reprime? Gargalhada. Cai? Gargalhada. E sempre esta política, liberal ou opressiva, terá em redor dela, sobre ela, envolvendo-a como a palpitação de asas de uma ave monstruosa, sempre, perpetuamente, vibrante, e cruel - a gargalhada!
Política querida, sê o que quiseres, toma todas as atitudes, pensa, ensina, discute, oprime - nós riremos. A tua atmosfera é de chalaça.

Eça de Queirós, in 'Uma Campanha Alegre


Artur Loureiro, The Death of Burke, 1892, private collection 
 

Uma Campanha Alegre


Obra publicada em 1890-1891, em dois volumes, que reúne os folhetins escritos por Eça de Queirós em As Farpas, onde o autor traça um panorama crítico da sociedade, da vida política, da religião, da opinião pública, do jornalismo e da literatura do seu tempo - temas tratados com humor e ironia, que atravessam a sua obra de romancista voltada para o inquérito à vida social, sobretudo os romances da fase dita realista-naturalista. 

Dos vários artigos, saliente-se, no "Estudo social de Portugal em 1871", o panorama geral da época contemporânea deveras desanimador: "O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. (...) Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida..."). Atente-se, igualmente, pela recorrência do tema na obra de ficção do autor, nos artigos "As meninas da geração nova em Lisboa e a educação contemporânea" e "O problema do adultério", que se debruçam sobre o problema do adultério e das suas causas sociais e morais, quase sempre relacionadas com uma educação mal orientada. Os artigos abordam, contudo, variadíssimas questões, desde reflexões sobre a religião e sobre a educação religiosa, até considerações acerca do exercício do poder político.

No domínio da literatura, Eça critica sobretudo o lirismo convencional e hipócrita do Romantismo tardio, bem como o romance passional, que considera ter consequências negativas na educação feminina. (daqui)
 

domingo, 11 de setembro de 2011

"O Meu Alentejo" - Poema de Florbela Espanca


Branco Cardoso, Alentejo


O Meu Alentejo


Meio-dia. O sol a prumo cai ardente,
Dourando tudo... ondeiam nos trigais
D´ouro fulvo, de leve... docemente...
As papoulas sangrentas, sensuais...

Andam asas no ar; e raparigas,
Flores desabrochadas em canteiros, 
Mostram por entre o ouro das espigas
Os perfis delicados e trigueiros...

Tudo é tranquilo, e casto, e sonhador...
Olhando esta paisagem que é uma tela
De Deus, eu penso então: onde há pintor,

Onde há artista de saber profundo,
Que possa imaginar coisa mais bela,
Mais delicada e linda neste mundo?!


in ‘Mensageira das Violetas’ 



Britney Spears - I'm Not A Girl, Not Yet A Woman. 


"Sirvo-me de animais para ensinar o homem." 

 Jean de La Fontaine,
 Fábulas