segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

"Receita de Ano Novo" - Poema de Carlos Drummond de Andrade


Frederick George Cotman (British, 1850 - 1920), One of the Family, 1880



Receita de ano novo 


Para você ganhar belíssimo Ano Novo 
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz, 
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido 
(mal vivido talvez ou sem sentido) 
para você ganhar um ano 
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras, 
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser; 
novo 
até no coração das coisas menos percebidas 
(a começar pelo seu interior) 
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota, 
mas com ele se come, se passeia, 
se ama, se compreende, se trabalha, 
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita, 
não precisa expedir nem receber mensagens 
(planta recebe mensagens? 
passa telegramas?) 

Não precisa 
fazer lista de boas intenções 
para arquivá-las na gaveta. 
Não precisa chorar arrependido 
pelas besteiras consumidas 
nem parvamente acreditar 
que por decreto de esperança 
a partir de janeiro as coisas mudem 
e seja tudo claridade, recompensa, 
justiça entre os homens e as nações, 
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, 
direitos respeitados, começando 
pelo direito augusto de viver. 

Para ganhar um Ano Novo 
que mereça este nome, 
você, meu caro, tem de merecê-lo, 
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, 
mas tente, experimente, consciente. 
É dentro de você que o Ano Novo 
cochila e espera desde sempre.


Texto extraído do "Jornal do Brasil", Dezembro/1997.



Edelweiss - André Rieu 


André Marie Nicolas Leon Rieu (Maastricht, Países Baixos, 1 de outubro de 1949) é um violinista e regente dos Países Baixos.
Conhecido como o "Embaixador das valsas", divide o topo das paradas pop da Alemanha, França e Holanda, junto a nomes como Celine Dion, Madonna, Britney Spears e Michael Jackson. Além disso, suas performances primorosas e modernas valeram-lhe os melhores postos das paradas clássicas da Billboard. O resultado são dez milhões de discos vendidos e uma carreira de sucesso em mais de trinta países.
André é filho de um diretor de orquestra que fez dos seis filhos músicos, André já tocava violino aos cinco anos. Mas foi só quando tocou sua primeira valsa, enquanto estudava no conservatório, que a paixão pela música surgiu. Como violinista da Orquestra Sinfônica de Limburg, ele mantinha atividades musicais paralelas, gravando discos independentes. O CD Strauss & Co, lançado em 1994, chegou aos EUA com o título "Da Holanda, com Amor", e na França, Espanha e Brasil como "Valsas". Os vários nomes não atrapalharam em nada a trajetória do álbum que transformou o artista em um fenômeno de crítica e vendas, com repercussão em seus trabalhos seguintes, como "The Vienna I Love", "André Rieu In Concert" e "The Christmas I Love", "Love Around the World", entre muitos outros.
Ele fala com fluência neerlandês, inglês, alemão, francês, italiano, castelhano e português.

"Ano Novo" - Poema de Chico Buarque de Hollanda



Charles Spencelayh (English painter and portraitist, 1865–1958)



Ano Novo 


O rei chegou
E já mandou tocar os sinos
Na cidade inteira
É pra cantar os hinos
Hastear bandeiras
E eu que sou menino
Muito obediente
Estava indiferente
Logo me comovo
Pra ficar contente
Porque é Ano Novo 

Há muito tempo
Que essa minha gente
Vai vivendo a muque
É o mesmo batente
É o mesmo batuque
Já ficou descrente
É sempre o mesmo truque
E que já viu de pé
O mesmo velho ovo
Hoje fica contente
Porque é Ano Novo 

A minha nega me pediu um vestido
Novo e colorido
Pra comemorar
Eu disse:
Finja que não está descalça
Dance alguma valsa
Quero ser seu par
E ao meu amigo que não vê mais graça
Todo ano que passa
Só lhe faz chorar
Eu disse:
Homem, tenha seu orgulho
Não faça barulho
O rei não vai gostar 

E quem for cego veja de repente
Todo o azul da vida
Quem estiver doente
Saia na corrida
Quem tiver presente
Traga o mais vistoso
Quem tiver juízo
Fique bem ditoso
Quem tiver sorriso
Fique lá na frente
Pois vendo valente
E tão leal seu povo
O rei fica contente
Porque é Ano Novo.


Chico Buarque


Chico Buarque - Ano Novo

 

 Francisco Buarque de Hollanda, mais conhecido por Chico Buarque ou Chico Buarque de Hollanda, (Rio de Janeiro, 19 de junho de 1944) é um músico, dramaturgo e escritor brasileiro. É conhecido por ser um dos maiores nomes da MPB. Sua discografia conta com aproximadamente oitenta discos, entre eles discos-solo, em parceira com outros músicos e compactos. É compositor de Construção, considerada uma das melhores músicas brasileiras já feitas.

Filho do historiador Sérgio Buarque de Holanda, iniciou sua carreira como escritor em 1962, quando escreveu seu primeiro conto aos 18 anos, ganhando destaque como cantor a partir de 1966, quando lançou seu primeiro álbum, Chico Buarque de Hollanda, e venceu o Festival de Música Popular Brasileira com a música A Banda. Socialista declarado autoexilou-se na Itália em 1969, devido à crescente repressão da regime militar do Brasil nos chamados "anos de chumbo", tornando-se, ao retornar, em 1970, um dos artistas mais ativos na crítica política e na luta pela democratização no país. Na carreira literária, foi vencedor de três Prémios Jabuti: o de melhor romance em 1992 com Estorvo e o de Livro do Ano, tanto pelo livro Budapeste, lançado em 2004, como por Leite Derramado, em 2010. 
Foi casado por 33 anos (de 1966 a 1999) com a atriz Marieta Severo, com quem teve três filhas, Sílvia Buarque, Helena e Luísa. Chico é irmão das cantoras Miúcha, Ana de Hollanda e Cristina

domingo, 30 de dezembro de 2012

"Canção de embalar" - Poema de José Afonso


Gustave CourbetPortrait of Juliette Courbet as a Sleeping Child, 1841.
Musée d'Orsay, Paris, France
 

Canção de embalar 


Dorme meu menino a estrela d'alva
Já a procurei e não a vi
Se ela não vier de madrugada
Outra que eu souber será p'ra ti. 

Outra que eu souber na noite escura
Sobre o teu sorriso de encantar
Ouvirás cantando nas alturas
Trovas e cantigas de embalar. 

Trovas e cantigas muito belas
Afina a garganta meu cantor
Quando a luz se apaga nas janelas
Perde a estrela d'alva o seu fulgor. 

Perde a estrela d'alva pequenina
Se outra não vier para a render
Dorme qu'inda a noite é uma menina
Deixa-a vir também adormecer. 


(Zeca Afonso)


Zeca Afonso - Canção de embalar



Galeria de Gustave Courbet

Gustave Courbet (Ornans, 10 de junho de 1819 — La Tour-de-Peilz, 31 de dezembro de 1877) foi um pintor francês. Foi acima de tudo um pintor da vida camponesa de sua região. Ergueu a bandeira do realismo contra a pintura literária ou de imaginação.


Gustave Courbet, Self-portrait with black dog, 1842
 

Gustave Courbet, Portrait of the Artist’s Father
 

Gustave Courbet, Proudhon and his children, 1865
 

Gustave Courbet, The Grain Sifters
 

Gustave Courbet, A Young Woman Reading
 

Gustave Courbet, The Hammock, 1844
 

Gustave Courbet, The Trellis, 1862
 

Gustave Courbet, Stream in the Jura Mountains (The Torrent), 1872-3
 

Gustave Courbet, Les Gorges du Saillon, 1875
 

sábado, 29 de dezembro de 2012

"O Sucesso para um Grande Amor" - Texto de Florbela Espanca


Lucy Martha Taggart (American, 1880-1960), Eleanor, 1921
 


O Sucesso para um Grande Amor 


Estou contente porque a minha querida não tem ainda o afecto exclusivo e único que há-de sentir um dia por um homem, apesar de todas as suas teorias que há-de ver voar, voar para tão longe ainda!... E no entanto, elas são tão verdadeiras! Ainda assim, minha querida Júlia, uma das coisas melhores da nossa vida de tão prosaico século, é o amor, o grande e discutido amor, o nosso encanto e o nosso mistério; as nossas pétalas de rosa e a nossa coroa de espinhos. O amor único, doce e sentimental da nossa alma de portugueses, o amor de que fala Júlio Dantas, «uma ternura casta, uma ternura sã» de que «o peito que o sente é um sacrário estrela­do», como diz Junqueiro; o amor que é a razão única da vida que se vive e da alma que se tem; a paixão delicada que dá beijos ao luar e alma a tudo, desde o olhar ao sorriso, — é ainda uma coisa nobre, bela e digna! Digna de si, do seu sentir, do seu grande coração, ao mesmo tempo violento e calmo. Esse amor que «em sendo triste, canta, e em sendo alegre, chora», esse amor há-de senti-lo um dia, e embora morto, perfumar-lhe-á a alma até à morte, num perfume de saudade que jamais o tempo levará! 
No entanto, o casamento é brutal, como a posse é sempre brutal, sempre! O melhor beijo, o beijo mais doce, aquele que se não esquece nunca, é aquele que nunca se deu, disse-o um dia um poeta, e eu creio. Só para as mulheres, as tais mulheres mais animais que espirituais, é que o casamento não é a desilusão de sempre, — mas então nós? Se ganhamos um grande amigo, o que nós sofremos muitas vezes! A revolta de tudo quanto há de delicado em nós, e que se ofende e se indigna com as afrontas que são afinal uma grande lei da Natureza! E não há homem, por superior que seja, que com­preenda esta revolta e que a desculpe! Em tudo eu penso exactamente o mesmo que a minha querida Júlia; não há nada, tanto para os homens como para a mulher, que valha a liberdade tanto alma como de pensa­mento. É o casamento um grilhão de flores e risos? De acor­do, mas é sempre um grilhão. Ria, pois, e cante com a sua bela alegria, ame doidamente alguém, mas nunca abdique nem uma só das suas graças, nem uma só das suas ideias que lhe fazem vincar a fronte às vezes com uma pequenina ruga de capricho e insolência, que fica tão bem às mulheres boni­tas; não ajoelhe nunca, porque está nisso o nosso grande mal, o nosso profundíssimo erro; nós invertemos muitas vezes os papéis, e em proveito deles, e depois as consequências são muitas vezes as paixões que devastam uma vida inteira por criaturas que se dignam dar, por último, como humilde mortalha, um olhar de compaixão! O melhor de todos os homens não vale um fanatismo, creia-me, e embora a nossa alma, com essa ânsia de amor, de ternura que canta sempre em nós, se lhes dedique completamente, que eles o não sai­bam nunca, que não suspeitem sequer!... Abdicando um grau da nossa realeza, teremos de descer sempre, sempre, até ao fim. Não é verdade isto? 

Florbela Espanca, in "Correspondência (1916)"


Lucy Martha Taggart, Landscape with Stream, 1902


"O autor na sua obra, deve ser como Deus no universo, presente em toda a parte, mas não visível em nenhuma." 



"O luar quando bate na relva" - Poema de Alberto Caeiro


Martin Johnson Heade, The Marshes at Rhode Island, 1866 
 


O luar quando bate na relva


O luar quando bate na relva
Não sei que coisa me lembra...
Lembra-me a voz da criada velha
Contando-me contos de fadas.
E de como Nossa Senhora vestida de mendiga
Andava à noite nas estradas
Socorrendo as crianças maltratadas...

Se eu já não posso crer que isso é verdade
Para que bate o luar na relva?


4-3-1914

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XIX" 
Heterónimo de Fernando Pessoa


Martin Johnson Heade, Two Fishermen in the Marsh, at Sunset (New Jersey Marshes), 1876-82



Sempre que tiveres dúvidas

Sempre que tiveres dúvidas, ou quando o teu eu te pesar em excesso, experimenta o seguinte recurso: lembra-te do rosto do homem mais pobre e mais desamparado que alguma vez tenhas visto e pergunta-te se o passo que pretendes dar lhe vai ser de alguma utilidade. Poderá ganhar alguma coisa com isso? Fará com que recupere o controlo da sua vida e do seu destino? Por outras palavras, conduzirá à autonomia espiritual e física dos milhões de pessoas que morrem de fome? Verás, então, como as tuas dúvidas e o teu eu se desvanecem. 

Mohandas Gandhi, in 'The Words of Gandhi' 


sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

"Ode II" - Poema de Lupe Cotrim Garaude


Nicolas de Largillierre (1656-1746), Portrait of Marguerite de Sève, 
 


Ode II 


Na curva insondável 
entre a solidão e a multidão, 
tomar a si e ao mundo 
nas mãos, 
e depois da atitude, 
o claro testemunho. 

Que o existir é esse instante 
ousado 
onde um ser incansável 
depõe do seu rumo, 

sem ter outra arma 
e outra paixão 
além da vida, esta morte 
frágil. 

 in 'Entre a Flor e o Tempo' 


 

"Para o homem, apenas há três acontecimentos: nascer, viver e morrer. 
Ele não sente o nascer, sofre ao morrer e esquece-se de viver."



 
 

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

"O funcionário cansado" - Poema de António Ramos Rosa


Charles Spencelayh (English painter, 1865–1958), 'The Daily Graphic'
 
 

O funcionário cansado


A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
e as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só

Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Porque não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Porque me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço?

Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo uma noite só comprida
num quarto só.  
 
 
in Poesia Presente – Antologia 
Editora: Assírio & Alvim
 

Charles Spencelayh, Reading the Standard


Charles Spencelayh, The Mandolin Player


Charles Spencelayh, Waiting Up For Her


"Homem Comum" - Poema de Ferreira Gullar


René Magritte, O mágico (autorretrato com quatro braços), 1952


Homem Comum


Sou um homem comum
de carne e de memória
de osso e esquecimento.
Ando a pé, de ônibus, de táxi, de avião
e a vida sopra dentro de mim
pânica
feito a chama de um maçarico
e pode
subitamente
cessar.

Sou como você
feito de coisas lembradas
e esquecidas
rostos e
mãos, o guarda-sol vermelho ao meio-dia
em Pastos-Bons,
defuntas alegrias flores passarinhos
facho de tarde luminosa
nomes que já nem sei
bocas bandeiras bananeiras
tudo
misturado
essa lenha perfumada
que se acende
e me faz caminhar.

Sou um homem comum
brasileiro, maior, casado, reservista,
e não vejo na vida, amigo,
nenhum sentido, senão
lutarmos juntos por um mundo melhor.
Poeta fui de rápido destino.
Mas a poesia é rara e não comove
nem move o pau-de-arara.
Quero, por isso, falar com você,
de homem para homem,
apoiar-me em você
oferecer-lhe o meu braço
que o tempo é pouco
e o latifúndio está aí, matando.

Que o tempo é pouco
e aí estão o Chase Bank,
a IT & T, a Bond and Share,
a Wilson, a Hanna, a Anderson Clayton,
e sabe-se lá quantos outros
braços do polvo a nos sugar a vida
e a bolsa
Homem comum, igual
a você,
cruzo a Avenida sob a pressão do imperialismo.
A sombra do latifúndio
mancha a paisagem,
turva as águas do mar
e a infância nos volta
à boca, amarga,
suja de lama e de fome.

Mas somos muitos milhões de homens
comuns
e podemos formar uma muralha
com nossos corpos de sonho e margaridas.


Ferreira Gullar,
in Toda poesia, 1980


René Magritte, The Six Elements, 1929


quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

"Sacode as nuvens" - Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen


Rosalba Carriera, The Four Elements, Earth, 1746


Sacode as nuvens 


Sacode as nuvens que te poisam nos cabelos,
Sacode as aves que te levam o olhar.
Sacode os sonhos mais pesados do que as pedras.
Porque eu cheguei e é tempo de me veres,
Mesmo que os meus gestos te trespassem
De solidão e tu caias em poeira,
Mesmo que a minha voz queime o ar que respiras
E os teus olhos nunca mais possam olhar.




Rosalba Carriera, The Four Elements, Wind, 1746


Era preciso agradecer às flores 


Era preciso agradecer às flores 
Terem guardado em si, 
Límpida e pura, 
Aquela promessa antiga 
Duma manhã futura. 


Sophia de Mello Breyner Andresen


Rosalba CarrieraThe Four Elements, Water, 1746


Tolerância não é Igualdade 


«Eu sou contra a tolerância, porque ela não basta. Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja diferente ainda é pouco. Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro. Sobre a intolerância já fizemos muitas reflexões. A intolerância é péssima, mas a tolerância não é tão boa quanto parece. Deveríamos criar uma relação entre as pessoas da qual estivessem excluídas a tolerância e a intolerância.» 

José Saramago, in 'Globo (2003)' 


Rosalba Carriera, The Four Elements, Fire, 1746


"Amar não é apoderar-se do outro para completar-se, mas dar-se ao outro para completá-lo." 

(Lao Zi)


Rosalba Carriera, Self-portrait, 1715


"Quem conhece os outros é sábio. Quem se conhece a si mesmo é iluminado." 

 
[Lao-Tsé (604-517 a.C.) foi um filósofo da China Antiga. A ele se atribui a fundação de um movimento filosófico que mais tarde se transformou em religião, o “Taoísmo”, cujo objetivo é a obtenção da "paz absoluta".]
 

"Breve explicação do sentido da vida" - Texto de Vergílio Ferreira


Giovanni SegantiniBagpipers of Brianzac, 1883-85



Breve explicação do sentido da vida


Como exprimir em duas linhas o que venho tentando explicar já não sei em quantos livros? A vida é um valor desconcertante pelo contraste entre o prodígio que é e a sua nula significação. Toda a «filosofia da vida» tem de aspirar à mútua integração destes contrários. Com uma transcendência divina, a integração era fácil. Mas mais difícil do que o absurdo em que nos movemos seria justamente essa transcendência. Há várias formas de resolver tal absurdo, sendo a mais fácil precisamente a mais estúpida, que é a de ignorá-lo. 
Mas se é a vida que ao fim e ao cabo resolve todos os problemas insolúveis - às vezes ou normalmente, pelo seu abandono - nós podemos dar uma ajuda. Ora uma ajuda eficaz é enfrentá-lo e debatê-lo até o gastar... Porque tudo se gasta: a música mais bela ou a dor mais profunda. Que pode ficar-nos para já de um desgaste que promovemos e ainda não operamos? Não vejo que possa ser outra coisa além da aceitação, não em plenitude - que a não há ainda - mas em resignação. Filosofia da velhice, dir-se-á. Com a diferença, porém, de que a velhice quer repouso e nós ainda nos movemos bastante. 


Vergílio Ferreira, in "Um Escritor Apresenta-se"


Giovanni Segantini, Love at the Fountain of Life, 1896


"As paixões ensinaram a razão aos homens." 



Giovanni Segantini, The Punishment of Lust


"Não é o medo da loucura que nos vai obrigar a hastear a meio a bandeira da imaginação." 


segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

"Natal é quando o homem quiser" - Poema de Ary dos Santos



Fyodor Reshetnikov
(Soviet painter, 1906-1989), Home for the Holidays, 1948



Natal é quando o homem quiser



Tu que dormes a noite na calçada de relento
Numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
Tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
És meu irmão amigo
És meu irmão

E tu que dormes só no pesadelo do ciúme
Numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
E sofres o Natal da solidão sem um queixume
És meu irmão amigo
És meu irmão

Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher

Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
Tu que inventas bonecas e comboios de luar
E mentes ao teu filho por não os poderes comprar
És meu irmão amigo
És meu irmão

E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
Fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
Pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
És meu irmão amigo
És meu irmão

Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher.


 Ary dos Santos


Fyodor Reshetnikov, Paix, 1950


Fyodor Reshetnikov, Low Marks Again, 1952 
 
 
"Ao contrário do ouro e do barro, o verdadeiro amor, dividido, não diminui."
 


Paulo de Carvalho - Quando Um Homem Quiser

"Meditação" - Poema de Fernanda de Castro


 
Ben Goossens (Belgium, 1945-), Surrealist photographer



Meditação 


Às vezes, quando a noite vem caindo, 
Tranquilamente, sossegadamente, 
Encosto-me à janela e vou seguindo 
A curva melancólica do Poente. 

Não quero a luz acesa. Na penumbra, 
Pensa-se mais e pensa-se melhor. 
A luz magoa os olhos e deslumbra, 
E eu quero ver em mim, ó meu amor! 

Para fazer exame de consciência 
Quero silêncio, paz, recolhimento 
Pois só assim, durante a tua ausência, 
Consigo libertar o pensamento. 

Procuro então aniquilar em mim, 
A nefasta influência que domina 
Os meus nervos cansados; mas por fim, 
Reconheço que amar-te é minha sina. 

Longe de ti atrevo-me a pensar 
Nesse estranho rigor que me acorrenta: 
E tenho a sensação do alto mar, 
Numa noite selvagem de tormenta. 

Tens no olhar magias de profeta 
Que sabe ler no céu, no mar, nas brasas... 
Adivinhas... Serei a borboleta 
Que vendo a luz deixa queimar as asas. 

No entanto — vê lá tu!— Eu não lamento 
Esta vontade que se impõe à minha... 
Nem me revolto... cedo ao encantamento... 
— Escrava que não soube ser Rainha! 


Fernanda de Castro, in "Antemanhã"
(Maria Fernanda Teles de Castro e Quadros Ferro, 
Escritora portuguesa, 1900-1994)



Obra de Ben Goossens 


sábado, 22 de dezembro de 2012

"Não confundas o amor com o delírio da posse" - Texto de Antoine de Saint-Exupéry


Fotografia de Maureen Bisilliat


Não confundas o amor com o delírio da posse 

 
«Não confundas o amor com o delírio da posse, que acarreta os piores sofrimentos. Porque, contrariamente à opinião comum, o amor não faz sofrer. O instinto de propriedade, que é o contrário do amor, esse é que faz sofrer. Por eu amar a Deus, meto-me a pé pela estrada fora, coxeando penosamente para o levar aos outros homens. E não reduzo o meu Deus à escravatura. E sou alimentado com o que ele dá a outros. Eu sei assim reconhecer aquele que ama verdadeiramente: é que ele não pode ser prejudicado. O amor verdadeiro começa lá onde não se espera mais nada em troca.»

Antoine de Saint-Exupéry, in "Cidadela"


Fotografia de Maureen Bisilliat 
 

“A série Pele preta deriva de meus tempos de estudante, quando frequentava ateliês de modelo vivo, atenta à anatomia, à movimentação do corpo e à iluminação.” - Maureen Bisilliat


Maureen Bisilliat


Sheila Maureen Bisilliat (Englefield Green, Surrey, 1931) é uma fotógrafa nascida na Inglaterra e naturalizada brasileira.
Filha da pintora Sheila Brannigan (1914 - 1994) e de um diplomata, estudou pintura com André Lhote (1885 - 1962) em Paris, em 1955, e na Art Students League de Nova Iorque, com Morris Kantor (1896 - 1974), em 1957.
Veio pela primeira vez ao Brasil em 1952, fixando-se definitivamente no país em 1957, na cidade de São Paulo. Nas palavras da fotógrafa, "o Brasil foi uma procura de raízes, que eu não tive quando criança. Nasci na Inglaterra, sim, mas vivi em muitos lugares. Meu pai era diplomata, o que me obrigou a uma vida meio camaleônica. O destino me amarrou ao Brasil. Foi um ficar querendo."
A partir de 1962, abandona a pintura e passa a dedicar-se à fotografia. Trabalha como fotojornalista para a Editora Abril, entre 1964 e 1972 - na revista Quatro Rodas mas virá a se destacar sobretudo na extinta revista Realidade.
Entre 1972 e 1992, juntamente com seu segundo marido, o francês Jacques Bisilliat, e o arquiteto Antônio Marcos Silva, funda a Galeria de Arte Popular O Bode. Nesse período, viaja pelo Brasil em busca de trabalhos de artistas populares e artesãos, para compor o acervo da galeria. Ainda nessa época, em 1988, a pedido do antropólogo Darcy Ribeiro, Maureen, Jacques e António Marcos são convidados a atuar na formação do acervo de arte popular latino-americano da Fundação Memorial da América Latina, em São Paulo. Para isto, os três percorrem México, Guatemala, Equador, Peru e Paraguai, recolhendo peças para a coleção permanente do Pavilhão da Criatividade do Memorial, do qual Maureen se torna curadora desde então.
Maureen Bisilliat foi bolsista da John Simon Guggenheim Memorial Foundation (Estados Unidos), em 1970; do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (1981 - 1987), da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (1984 - 1987) e da Japan Foundation (1987).
Em dezembro de 2003, sua obra fotográfica completa, com mais de 16.000 imagens, incluindo fotografias, negativos preto e branco e cromos coloridos, nos formatos 35mm e 6cmx6 cm, foi incorporada ao acervo fotográfico do Instituto Moreira Salles. (Daqui)


Maureen Bisilliat - Primeira Foto - Família Nissei, São Paulo, 1950


Dentro do vasto acervo da fotógrafa, Pele Preta destaca-se pela estética apurada e pelo forte simbolismo que Bisilliat explorou nas sombras e cortes na composição.
Bisilliat é autora de várias reportagens fundamentais para a consolidação do fotojornalismo brasileiro e sempre teve uma forte ligação com a literatura, editando vários livros de fotografia inspirados nas obras de Mário de Andrade, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Euclides da Cunha e João Cabral de Melo Neto.
O Paraty em Foco – Festival Internacional de Fotografia, homenageou a fotógrafa com a exposição individual Pele Preta, na Galeria Zoom com realização do IMS.


Fotografia de Maureen Bisilliat  


Fotografia de Maureen Bisilliat 


 Fotografia de Maureen Bisilliat.
Catadora de caranguejos em Livramento, no Rio Paraíba do Norte, PB, 1968. 


 Fotografia de Maureen Bisilliat  


"Regresso devagar ao teu sorriso como quem volta a casa..."