segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

"Amigo" - Poema de Cora Coralina



Harold Harvey (British painter, 18741941), Wayside Minstrels, 1922.
 

Amigo


Vamos conversar
Como dois velhos que se encontram
no fim da caminhada.
Foi o mesmo nosso marco de partida.
Palmilhamos juntos a mesma estrada.

Eu era moça.
Sentia sem saber
seu cheiro de terra,
seu cheiro de mato,
seu cheiro de pastagens

É que havia dentro de mim,
no fundo obscuro de meu ser
vivências e atavismo ancestrais:
fazendas, latifúndios,
engenhos e currais.

Mas... ai de mim!
Era moça da cidade.
Escrevia versos e era sofisticada.

Você teve medo.
O medo que todo homem sente
da mulher letrada.

Não pressentiu, não adivinhou
aquela que o esperava
mesmo antes de nascer.

Indiferente
tomaste teu caminho
por estrada diferente.
Longo tempo o esperei
na encruzilhada,
depois... depois...
carreguei sozinha
a pedra do meu destino.

Hoje, no tarde da vida,
apenas,
uma suave e perdida relembrança.


Cora Coralina (18891985),
in Meu Livro de Cordel, 1976.



Harold Harvey, The Mangolds, 1904.


"O homem mais feliz, seja ele um rei ou um camponês, é o que encontrou a paz em seu lar."

Johann Wolfgang von Goethe
,
Goethe's Werke - Volumes 9-11 - página 13,
J. G. Cotta, 1828 

 

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