quarta-feira, 31 de dezembro de 2025

"Ano Novo" - Poema de Ferreira Gullar

 


Charles Conder (English-born painter, lithographer and designer, 1868-1909),
Watching the Fireworks at 
Saint-Cloud, France, c. 1893,
Sheffield Galleries and Museums Trust.



Ano Novo


Meia-noite. Fim
de um ano, início
de outro. Olho o céu:
nenhum indício.

Olho o céu:
o abismo vence o
olhar. O mesmo
espantoso silêncio
da Via-Láctea feito
um ectoplasma
sobre a minha cabeça
nada ali indica
que um ano novo começa.

E não começa
nem no céu nem no chão
do planeta:
começa no coração.

Começa como a esperança
de vida melhor
que entre os astros
não se escuta
nem se vê
nem pode haver:
que isso é coisa de homem
esse bicho
estelar
que sonha
(e luta).


Ferreira Gullar, in "Toda poesia",
Companhia das Letras, 2021.
 
 

Charles Conder, Night in the Garden in Spain, c. 1900,
 Art Gallery of Western Australia.


"Quem acende uma luz é o primeiro a beneficiar-se da claridade."
 
 
 

Sem comentários: