Henri Lebasque (French Post-Impressionist painter, 1865–1937), Sunset on Pont-Aven
(Young Man by the Sea), Coucher de soleil sur Pont-Aven, 1894,
Musée Thyssen-Bornemisza (Madrid).
Poema da voz que escuta
Chamam-me lá em baixo.
São as coisas que não puderam decorar-me:
As que ficaram a mirar-me longamente
E não acreditaram;
As que sem coração, no relâmpago do grito,
Não puderam colher-me.
Chamam-me lá em baixo,
Quase ao nível do mar, quase à beira do mar,
Onde a multidão formiga
Sem saber nadar.
Chamam-me lá em baixo
Onde tudo é vigoroso e opaco pelo dia adiante
E transparente e desgraçado e vil
Quando a noite vem, criança distraída,
Que debilmente apaga os traços brancos
Deste quadro negro – a Vida.
Chamam-me lá em baixo:
Voz de coisas, voz de luta.
É uma voz que estala e mansamente cala
E me escuta.
Políbio Gomes dos Santos,
in 'Voz que Escuta'
'Voz que Escuta' de Políbio Gomes dos Santos

Prematuramente desaparecido, com 27 anos, vítima de tuberculose, Políbio Gomes dos Santos deixou uma curta obra que é, não obstante, reconhecidamente a de um grande poeta.
De próxima influência presencista, pelo tom intimista em que se recorta a sua poesia e está bem presente no seu único livro em vida, As Três Pessoas (1938), não deixou de emergir em Políbio uma intenção social que cedo aproximou o poeta do Neorrealismo, ao lado de Joaquim Namorado e Fernando Namora, em Coimbra, desde 1935.
Assíduo colaborador em publicações periódicas, depois de assinar algumas poesias numa folha de Ansião, sua terra natal, participou num conjunto de jornais e revistas de Coimbra (Ensaio, Coimbra, Ágora, Página de Gente Moça in AIdeia Livre, Página dos Novos in Independência d'Águeda, Cadernos da Juventude, Páginas Literárias in Gazeta de Coimbra), no âmbito de movimentos culturais juvenis dos anos trinta que foram a génese da corrente Neorrealista.
Da individualidade fundadora, essa poesia abre-se aos outros e fala de (a) outras vozes, a (de) uma imensa humanidade que reside nesse "quadro negro – a Vida."
Chamam-me lá em baixo:
Voz de coisas, voz de luta,
É uma voz que estala e mansamente cala
E me escuta.
Em 1944, os seus parceiros de percurso acolhem na coleção "Novo Cancioneiro" um título póstumo, Voz que Escuta, cujo trabalho poético reforça a escrita laboriosa que era a de Políbio e que encontra lastro, por exemplo, na criação de Carlos de Oliveira que profundamente o admirava. (daqui)
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