Pintura de Edgar Walter
Os Amigos
Amigos cento e dez, e talvez mais,
Eu já contei. Vaidades que eu sentia!
Supus que sobre a terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais.
Amigos cento e dez, tão serviçais,
Tão zelosos das leis da cortesia,
Que eu, já farto de os ver, me escapulia
Às suas curvaturas vertebrais.
Um dia adoeci profundamente.
Ceguei. Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quase rotos.
- Que vamos nós (diziam) lá fazer?
Se ele está cego, não nos pode ver...
Que cento e nove impávidos marotos!
Camilo Castelo Branco
Camilo Castelo Branco, retratado por Bottelho
Novelista entre os anos 50 e 80 do século XIX e um dos grandes génios da Literatura Portuguesa, Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco nasceu a 16 de março de 1825, em Lisboa, e suicidou-se a 1 de junho de 1890 em S. Miguel de Seide, Famalicão. Órfão de mãe aos dois anos e de pai aos nove, passou, a partir desta idade, a viver em Vila Real com uma tia paterna. Aos 16 anos, casou-se com Joaquina Pereira, em Friúme, Ribeira de Pena. Em 1844, instalou-se no Porto com o intuito de cursar Medicina, acabando por não passar do 2º ano. Em 1845, estreou-se na poesia e no ano seguinte no teatro e também no jornalismo - atividade, aliás, que nunca abandonaria. Viúvo desde 1847, fixou-se definitivamente no Porto a partir de 1848 (onde, em 1846, já estivera preso por ter raptado Patrícia Emília, um dos seus tumultuosos amores, de quem teria uma filha). De 1849 a 1851 consolidou a sua atividade jornalística, retomou o teatro, estreou-se no romance com Anátema (1851), conheceu a alta-roda portuense bem como os meios boémios e foi protagonista de aventuras romanescas.
Em 1853, abandonou o curso de Teologia no Seminário Episcopal, fundou vários jornais e em 1855 tornou-se o redator principal de O Porto e de Carta. Nessa altura, o seu nome começava a soar nos meios jornalísticos e literários do Porto e de Lisboa: já alimentara várias polémicas e publicara alguns romances. Mas foi a partir de 1856 que atingiu a maturidade literária (no domínio dos processos de escrita) com o romance (por alguns autores considerado novela) Onde Está a Felicidade?. Foi ainda neste ano que iniciou o relacionamento amoroso com Ana Plácido, casada desde 1850 com Manuel Pinheiro Alves.
Por proposta de Alexandre Herculano, foi eleito sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa em 1858 - ano em que nasceu Manuel Plácido, filho de Camilo e de Ana Plácido. Em 1860, Manuel Pinheiro Alves desencadeou o processo de adultério: em junho foi presa a mulher e a 1 de outubro Camilo entregou-se na cadeia da Relação do Porto. D. Pedro V visitou-o, em 1861, na cadeia, e a 16 de outubro desse ano os réus foram absolvidos. Era intensa a atividade literária de Camilo (não sendo a esse facto de todo alheias as dificuldades económicas): entre 1862 e 1863, o escritor publicou onze novelas e romances atingindo uma notoriedade dificilmente igualável. Em 1864, fixou-se na quinta de S. Miguel de Seide (propriedade de Manuel Pinheiro Alves que, entretanto, falecera em 1863) e nasceu-lhe o terceiro filho, Nuno. Quatro anos depois, dirigiu a Gazeta Literária do Porto; em 1870 iniciou o processo do viscondado (o título ser-lhe-ia atribuído em 1885) e, em 1876, tomou consciência da loucura do segundo filho, Jorge. No ano seguinte morreu Manuel Plácido. A partir de 1881, agravaram-se os padecimentos, incluindo a doença dos olhos que o afetava. Em 1889, por ocasião do seu aniversário, foi objeto de calorosa homenagem de escritores, artistas e estudantes, promovida por João de Deus. No ano seguinte, já cego, impossibilitado de escrever (a escrita foi, no fim de contas, a sua grande paixão), suicidou-se com um tiro de revólver. A casa de Seide é hoje o museu do escritor e na sua vizinhança foram inauguradas, a 1 de junho de 2005, as novas instalações do Centro de Estudos Camilianos.
Camilo foi o primeiro escritor profissional entre nós. Dotado de uma capacidade prodigiosa para efabular narrativas, conhecedor profundo do idioma, observador, ora complacente ora sarcástico, da sociedade (sobretudo da aristocracia decadente e da burguesia boçal e endinheirada), inclinado (por gosto, por temperamento e formação) para a intriga e análise passionais (muitas vezes atingindo o sublime da tragédia, como no Amor de Perdição), este genial autor romântico deixou-nos uma obra incontornável (apesar de irregular) na evolução da prosa literária portuguesa. De facto, foi na novela passional e no "romance de costumes" que Camilo se notabilizou, legando-nos uma série de personagens ainda hoje inesquecíveis, quadros e situações que valem pela espontaneidade narrativa, pelo ritmo avassalador da ação, pela sugestão realista e ainda pela novidade temática, como em A Queda dum Anjo. A sua versatilidade literária e criadora (aliada à necessidade de não perder o público com a progressiva influência de Eça e de Teixeira de Queirós) levaram-no a assimilar (depois de ter parodiado) a atitude estética e os processos de escrita do Realismo e do Naturalismo, visíveis nesse notável livro que é A Brasileira de Prazins e em certa medida já iniciados com Novelas do Minho.
A sua arte de narrar constituiu, a par da de Eça de Queirós, um modelo literário para muitos escritores, principalmente até meados do século XX.
As suas obras principais são: A Filha do Arcediago, 1855; Onde está a Felicidade?, 1856; Vingança, 1858; O Romance dum Homem Rico, 1861; Amor de Perdição, 1862; Memórias do Cárcere, 1862; O Bem e o Mal, 1863; Vinte Horas de Liteira, 1864; A Queda dum Anjo, 1865; O Retrato de Ricardina, 1868; A Mulher Fatal, 1870; O Regicida, 1874; Novelas do Minho, 1875-1877; Eusébio Macário, 1879; A Brasileira de Prazins, 1882.
Além destas obras em prosa narrativa, assinale-se ainda os outros géneros (ou domínios) pelos quais se repartiu o labor de Camilo: poesia, teatro (de que se devem destacar O Morgado de Fafe em Lisboa, 1861, e O Morgado de Fafe Amoroso, 1865), dezenas de traduções (do francês e do inglês), polémica, prefácios, biografia, história, crítica literária, jornalismo e epistolografia (compreendendo mais de duas mil cartas).
Camilo Castelo Branco. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012.
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