segunda-feira, 29 de agosto de 2011

"Escrever" - Texto de Clarice Lispector


Felice Casorati (Italian, 1883-1963), Portrait of Germana, 1952



Escrever


Eu disse uma vez que escrever é uma maldição. Não me lembro por que exatamente eu o disse, e com sinceridade. Hoje repito: é uma maldição, mas uma maldição que salva.

Não estou me referindo muito a escrever para jornal. Mas escrever aquilo que eventualmente pode se transformar num conto ou num romance. É uma maldição porque obriga e arrasta como um vício penoso do qual é quase impossível se livrar, pois nada o substitui. E é uma salvação.

Salva a alma presa, salva a pessoa que se sente inútil, salva o dia que se vive e que nunca se entende a menos que se escreva. Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada.

Que pena que só sei escrever quando espontaneamente a “coisa” vem. Fico assim à mercê do tempo. E, entre um verdadeiro escrever e outro, podem-se passar anos.

Lembro-me agora com saudade da dor de escrever livros.


Clarice LispectorA descoberta do mundo, 1999.



John Lennon - Woman

domingo, 28 de agosto de 2011

"Romance Gramatical" - Texto de Fernanda Braga da Cruz


Juan Gris (1887-1927),  Livre, pipe et verres, 1915



Romance Gramatical


Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador.
Um substantivo masculino, com aspecto plural e alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. O artigo era bem definido, feminino, singular. Ela era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal. Era ingénua, silábica, um pouco átona, um pouco ao contrário dele, que era um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por leituras e filmes ortográficos.
O substantivo até gostou daquela situação; os dois, sozinhos, naquele lugar sem ninguém a ver nem ouvir. E sem perder a oportunidade, começou a insinuar-se, a perguntar, conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado e permitiu-lhe esse pequeno índice.
De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro.
Óptimo, pensou o substantivo; mais um bom motivo para provocar alguns sinónimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeçou a movimentar-se. Só que em vez de descer, sobe e pára exactamente no andar do substantivo.
Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela no seu aposento.
Ligou o fonema e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, suave e relaxante. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela.
Ficaram a conversar, sentados num vocativo, quando ele recomeçou a insinuar-se. Ela foi deixando, ele foi usando o seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo.
Todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo directo.
Começaram a aproximar-se, ela tremendo de vocabulário e ele sentindo o seu ditongo crescente. Abraçaram-se, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples, passaria entre os dois.
Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula.
Ele não perdeu o ritmo e sugeriu-lhe que ela lhe soletrasse no seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, pois estava totalmente oxítona às vontades dele e foram para o comum de dois géneros.
Ela, totalmente voz passiva. Ele, completamente voz activa. Entre beijos, carícias, parónimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais.
Ficaram uns minutos nessa próclise e ele, com todo o seu predicativo do objecto, tomava a iniciativa. Estavam assim, na posição de primeira e segunda pessoas do singular.
Ela era um perfeito agente da passiva; ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular.
Nisto a porta abriu-se repentinamente.
Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo e entrou logo a dar conjunções e adjectivos aos dois, os quais se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas.
Mas, ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tónica, ou melhor, subtónica, o verbo auxiliar logo diminuiu os seus advérbios e declarou a sua vontade de se tornar particípio na história. Os dois olharam-se; e viram que isso era preferível, a uma metáfora por todo o edifício.
Que loucura, meu Deus!
Aquilo não era nem comparativo. Era um superlativo absoluto. Foi-se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado aos seus objectos. Foi-se chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo e propondo claramente uma mesóclise-a-trois.
Só que, as condições eram estas:
Enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria no gerúndio do substantivo e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.
O substantivo, vendo que poderia transformar-se num artigo indefinido depois dessa situação e pensando no seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história. Agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, atirou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva. 

Fernanda Braga da Cruz (Aluna de Letras, que obteve a vitória num concurso interno promovido pelo professor da cadeira de Gramática Portuguesa.)

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

"Noite e Dia" - Poema de Nuno Júdice


Winslow Homer, Artists Sketching in the White Mountains, 1868, oil on panel 



Noite e Dia


E então a noite caiu, para que não se falasse
do cair da noite. A noite caiu tão fria como as
últimas noites que caíram, neste princípio de
Inverno, e ninguém pôs um colchão por baixo
dela para que a noite não se magoasse, ao cair.
A noite limitou-se a cair, e com ela caiu o céu
sem lua, com todas as estrelas do universo a
caírem com ela. Só os olhos não caíram, porque
para verem o céu e as estrelas que o enchiam
tiveram de se levantar. E foi preciso falar
do cair da noite para que os olhos tomassem
a direcção do céu, e descobrissem tudo o que
havia no céu sem lua. «Deixem cair a noite»,
disse alguém. E logo alguém pediu que o
dia se levantasse, como se uma coisa estivesse
ligada a outra. Então, o dia levantou-se da
noite que caiu; e a noite caiu sobre o dia
que se levantava, para que a sua queda fosse
amparada pelo colchão do dia, e as estrelas
tivessem onde pousar, à medida que caíam.


As Coisas Mais Simples


Winslow Homer, On the Beach


" Liberta-te....
e corre em demanda da felicidade.
Deixa-te encantar pelo mar,
as aves e as flores...
e vê como todos se vestiram de festa
por causa de ti."


Poeta e dramaturgo alemão
(1815-1884)


Famoso discurso de Steve Jobs na Stanford University em 2005 
(legendado em português) 


"...Sempre disse que se chegasse o dia em que não conseguisse corresponder aos meus deveres e expectativas como CEO da Apple, seria o primeiro a dizer-vos. Infelizmente, esse dia chegou", escreveu Steve Jobs na carta de demissão, divulgada no dia 24 de agosto de 2011 e dirigida ao conselho de administração e à "comunidade Apple".
Steven Paul "Steve" Jobs (São Francisco, Califórnia, 24 de fevereiro de 1955) é um magnata e inventor americano. Foi co-fundador, ex-presidente e ex-diretor executivo da Apple Inc.
No final da década de 1970, Jobs, em conjunto com Steve Wozniak e Mike Markkula, entre outros, desenvolveu e comercializou uma das primeiras linhas de computadores pessoais de sucesso, a série Apple II. No começo da década de 1980, ele estava entre os primeiros a perceber o potencial comercial da interface gráfica de usuário guiada pelo mouse, o que levou à criação do Macintosh.
Após perder uma disputa de poder com a mesa diretora em 1984, Jobs demitiu-se da Apple e fundou a NeXT, uma companhia de desenvolvimento de plataformas direcionadas aos mercados de educação superior e administração. A compra da NeXT pela Apple em 1996 levou Jobs de volta à companhia que ele ajudara a fundar, e ele serviu como seu CEO de 1997 a 24 de Agosto de 2011, ano em que anunciou sua renúncia ao cargo, recomendando Tim Cook como sucessor. 

(Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.)


Tim Cook, que desempenhava o cargo de director de operações, estava já ao comando da empresa na ausência de Jobs, tal como acontecera também em 2004, quando Steve Jobs foi operado ao pâncreas. Há muito que Cook era apontado como o muito provável sucessor do conhecido co-fundador.
Foi logo em 1998 que Tim Cook, cinco anos mais novo do que Jobs, começou a gan­har o estatuto de número dois den­tro da empresa. E, desde então, foi acumulando respon­s­abil­i­dades: por exem­plo, negociou com as principais oper­ado­ras de tele­co­mu­ni­cações a com­er­cial­iza­ção do iPhone e planeia a nível global a venda de produtos. Cresceu numa das pou­cas cidades do estado do Alabama, nos EUA, que têm lig­ação ao mar. 
É conhecido por gostar de exercício físico, pela exigência no trabalho e por ser introvertido e muito diferente do espírito facilmente irascível de Jobs. 


quarta-feira, 17 de agosto de 2011

"O Baile" - Poema de Natércia Freire


Maria Helena Vieira da Silva, Biblioteca em Fogo, óleo sobre tela, 1974.



O Baile 


Névoa em surdina 
A sombra que acompanha 
As finas pernas a dançar na tarde. 
Jogo de jovens corpos. 
Música de montanha, 
Num tempo teu e meu 
De eternidade. 
E eu, as duas estranhas. 

Olha quem toca o ponto 
Que há no fim! 
Ao fim de mim, 
No ponto para que vim. 
Ao fim de mim 
No ponto donde vim. 
Vulto de agulha 
Em fumo de água e lenha. 

Eu, as duas estranhas. 

É sempre pelos outros que falamos. 
Eu, as duas estranhas, por mim falam. 
Em estradas como ramos 
oscilamos. E vamos 
Convergentes, dispersas, disparadas 
Pelos tiros de magos inocentes 
Do caos ao sol 
Em gradações de escadas. 

Ouve-se às vezes uma voz: — Presente! 
E já no corpo as almas vão trocadas. 

Foi em concretos dias de sol-posto, 
Em fábricas de fios de uma aranha, 
Que se teceram 
Em finíssimas teias de desgosto, 
(Eu) as duas estranhas. 
in 'Antologia Poética'



Pintores Portugueses

Vieira da Silva 
Pintora portuguesa. Nasceu em Lisboa em 1908. Faleceu em 1992.




Júlio Resende
Pintor português. Nasceu no Porto em 1917.



Júlio Pomar
Artista plástico português. Nasceu em Lisboa em 1929.



Manuel Cargaleiro 
Artista plástico português. Nasceu em Vila Velha de Ródão em 1927.



Paula Rego
Pintora portuguesa. Nasceu em Lisboa em 1935.



Graça Morais
Pintora portuguesa. Nasceu em Vieiro, Bragança em 1948


Nadir Afonso
Pintor e arquitecto português. Nasceu em Chaves em 1920.



Mário Botas
Pintor português. Nasceu em 1952 na Nazaré. Faleceu em 1983.



Cruzeiro Seixas
Poeta e pintor surrealista português. Nasceu na Amadora em 1920.



"Um grande utensílio de amor" - Poema de Mário Cesariny


 O escultor Alberto Nunes no seu atelier, 1887, Museu do Chiado,
Museu Nacional de Arte Contemporânea
 


Um grande utensílio de amor


um grande utensílio de amor 
meia laranja de alegria 
dez toneladas de suor 
um minuto de geometria 

quatro rimas sem coração 
dois desastres sem novidade 
um preto que vai para o sertão 
um branco que vem à cidade 

uma meia-tinta no sol 
cinco dias de angústia no foro 
o cigarro a descer o paiol 
a trepanação do touro 

mil bocas a ver e a contar 
uma altura de fazer turismo 
um arranha-céus a ripar 
meia-quarta de cristianismo 

uma prancha sem porta sem escada 
um grifo nas linhas da mão 
uma Ibéria muito desgraçada 
um Rossio de solidão 


in 'Discurso Sobre a Reabilitação do Real Quotidiano'



António Ramalho - Pintor português 
(Nasceu em Mesão Frio em 1859 e faleceu em 1916)




Amadeo de Souza Cardoso - Pintor português  
(Nasceu em Amarante em 1887 e faleceu em Espinho em 1918.)




Almada Negreiros - Pintor, poeta e escritor português 
(Nasceu em S.Tomé em 1893 e morreu em Lisboa em 1970.)



Abel Manta - Pintor português
(Nasceu em Gouveia em 1888. Faleceu em 1982.)



Columbano - Pintor português 
(Nasceu em Lisboa em 1857. Faleceu em 1929.)




António Carneiro - Pintor português 
(Nasceu em Amarante em 1872. Faleceu em 1930.)




 Henrique Medina - Pintor retratista português
(Nasceu no Porto em 1901. Faleceu em 1988.)




Dominguez Alvarez - Pintor português de origem galega 
(Nasceu no Porto em 1906. Morreu em 1942.)




Artes plásticas 


As artes plásticas ou belas-artes são as formações expressivas realizadas utilizando-se de técnicas de produção que manipulam materiais para construir formas e imagens que revelem uma conceção estética e poética em um dado momento histórico. O surgimento das artes plásticas está diretamente relacionado com a evolução da espécie humana.
As artes plásticas surgiram na pré-história. Existem diversos exemplos da pintura rupestre em cavernas. Até os dias atuais há sempre uma necessidade de expressão artística utilizando novos meios. É nas artes plásticas que encontramos o uso de novos meios para a criação, invenção e apreciação estética.
A pintura refere-se genericamente à técnica de aplicar pigmento em forma líquida a uma superfície, a fim de colori-la, atribuindo-lhe matizes, tons e texturas.
Em um sentido mais específico, é a arte de pintar uma superfície, tais como papel, tela, ou uma parede (pintura mural ou de afrescos). A pintura a óleo é considerada por muitos como um dos suportes artísticos tradicionais mais importantes; grandes obras de arte, tais como a Mona Lisa, são pinturas a óleo; com o desenvolvimento tecnológico dos materiais, outras técnicas tornaram-se igualmente importantes como, por exemplo, a tinta acrílica.
Diferencia-se do desenho pelo uso dos pigmentos líquidos e do uso constante da cor, enquanto aquele apropria-se principalmente de materiais secos.
No entanto, há controvérsias sobre essa definição de pintura. Com a variedade de experiências entre diferentes meios e o uso da tecnologia digital, a ideia de que pintura não precisa se limitar à aplicação do "pigmento em forma líquida". Atualmente o conceito de pintura pode ser ampliado para a representação visual através das cores. Mesmo assim, a definição tradicional de pintura não deve ser ignorada. O concernente à pintura é pictural, pictórico, pinturesco, ou pitoresco.
Na pintura, um dos elementos fundamentais é a cor. A relação formal entre as massas coloridas presentes em uma obra constitui sua estrutura básica, guiando o olhar do espectador e propondo-lhe sensações de calor, frio, profundidade, sombra, entre outros. Estas relações estão implícitas na maior parte das obras da História da Arte e sua explicitação foi uma bandeira dos pintores abstratos ou não-figurativos. A cor é considerada por muitos artistas como a base da imagem. (daqui)

"Ascensão" - Poema de João Rui de Sousa


 
Auguste Rodin, The Kiss, 1882


Ascensão 
 
 
Beijava-te como se sobe uma escadaria:
pedra a pedra, do luminoso para o obscuro,
do mais visível para o mais recôndito
- até que os lábios fossem
não o ardor da sede, nem sequer a magia
da subida,
mas o tremor que é pétala do êxtase,
o lento desprender do sol do corpo
com o feliz quebranto dos meus dedos. 


João Rui de Sousa
,
in 'Obstinação do Corpo', 1996


Auguste Rodin by Edward Steichen, 1902 

Artista francês, Auguste Rodin nasceu a 12 de dezembro de 1840, em Paris, e faleceu em 1917. 
Dotado de um talento natural para a perceção das formas, nunca foi contudo admitido na Escola de Belas-Artes. 
 
A cabeça em argila Homem com o Nariz Partido foi rejeitada pelo Salão de 1864. Tornou-se aluno e assistente de Carrier-Belleuse, executando algumas das encomendas que este recebia. A descoberta da obra de Michelangelo Buonarroti, numa viagem a Itália em 1874, libertou o seu estilo e fez-lhe integrar a importância do modelado. 
 
A controvérsia gerada no Salão de 1877 pela Idade do Bronze acabou por lhe granjear a proteção oficial. Recebeu assim várias encomendas, entre elas o projeto de As Portas do Inferno, o monumento Os Burgueses de Calais e a estátua de Honoré de Balzac.  
 
A sua reputação continuou a aumentar, expondo no Salão de Paris, na Exposição de Bruxelas e na Exposição Universal de 1900. 
 
Rodin quebrava as superfícies para dar novos efeitos de luz, deixava partes por acabar, exprimindo a ideia de a estátua brotar da pedra. 
 
A paixão por Camille Claudel, sua colaboradora e irmã do escritor Paul Claudel, inspirou-lhe as várias versões de O Beijo e outras obras de temática erótica. A última fase de Rodin liga-se ao movimento simbolista e inclui uma série de mãos e de figuras femininas alegóricas.
 
Auguste Rodin. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora.


Auguste Rodin, Primavera: jovem com chapéu de palha, 1865
[retrato de Rose Beuret-Rodin, esposa do escultor]

Bronze


Auguste Rodin, 'O Pensador'
 
 
“Eu escolho um bloco de mármore e dele retiro tudo o que não preciso.”
 
(Auguste Rodin) 
 



"O espírito esboça, mas é o coração que modela".

(Auguste Rodin) 


 
Auguste Rodin, 'Os Burgueses de Calais'


terça-feira, 16 de agosto de 2011

"Mona Lisa" - Pintura de Leonardo da Vinci


Leonardo da VinciMona Lisa or La Gioconda (1503–1505/1507), Louvre, Paris, France


Mona Lisa (1503–1507 — Louvre) é o retrato que mais tem rendido, em termos de literatura — tem dado origem a contos, romances, poemas e até mesmo óperas (e paródia) desde seu tempo, como a Monna Vanna de Salai — em toda a história da arte. Foi uma obra famosa desde o momento da sua criação; e inspirou muitos, como o jovem Rafael, que se embebedou nela. Seu sorriso subtil é visto em sua crueldade e tem sido considerado o implacável sorriso de mulher que escraviza os homens. Outros foram deslumbrados pelo seu encanto, pela sua doçura. Para o crítico Walter Pater, simboliza o "espírito moderno com todos os seus traços patogênicos", considerando como a "beleza extraída desde o interior, trabalhando a carne, célula por célula". Provocado pelo mestre no modelo com o toque do alaúde, como citado por Vasari: "Mona Lisa era muito bela e Leonardo, ao mesmo tempo que a pintava, procurava que tivesse alguém cantando, tocando algum instrumento ou brincando. Desta forma, o modelo foi mantido em um bom humor e não adotava um aspecto triste, cansado [...]". (Daqui) 



Detalhe da face, mostrando o efeito subtil do sfumato
particularmente nas sombras em torno dos olhos.

Detalhe dos olhos de Lisa 

Detalhe da  boca de Lisa 

Detalhe das mãos de Lisa, com a mão direita apoiada no seu lado esquerdo. 
Leonardo escolheu este gesto em vez de um anel de casamento para descrever Lisa
 como uma mulher virtuosa e fiel esposa.
 
 
 Mona Lisa

A pintura "Mona Lisa", realizada pelo pintor renascentista Leonardo da Vinci, representa uma enigmática figura feminina sobre uma paisagem que tem sido interpretada como o retrato de uma dama, provavelmente florentina. Apesar das reduzidas dimensões que apresenta (setenta e sete por cinquenta e três centímetros), adquiriu um significado mítico que ultrapassa em muito a sua real importância para a história da arte, eclipsando outras obras de maior interesse do seu próprio autor. Este fascínio advém em grande parte da ambígua e idealizada expressão da personagem, transmitida pelo seu misterioso sorriso.
Imersa numa enigmática e complexa teia de interpretações pouco consensuais, esta pintura tem vindo a iludir todas as tentativas de atribuição cronológica e de identificação da figura representada. 

Uma das versões, que recolheram maior unanimidade ou, pelo menos, maior divulgação, deve-se ao historiador e artista Giorgio Vasari que, em meados do século XVI, atribuiu a execução desta pintura a 1505. Vasari procurou com esta cronologia acentuar o seu retrato de um Leonardo genial (ideia que ainda perdura), tornando-o no mais importante e influente pintor renascentista. De facto, esta data permitia-lhe estabelecer uma filiação leonardesca para muitas pinturas de retratos da autoria de outro importante pintor renascentista, Rafael e realizadas precisamente por volta desta data. 

Segundo autores mais recentes, as características formais e estilísticas, nomeadamente ao nível da paisagem, do tratamento da cor e da modelação do panejamento, remetem esta obra para um período mais tardio, posterior a 1510. É de facto possível estabelecer um paralelo entre esta pintura e a solução cromática do negro sobre negro do quadro "A Virgem dos Rochedos". 

Outra das dificuldades tem sido a interpretação temática (embora seja quase dogmaticamente reconhecido como um retrato) assim como a identificação da figura representada. Em 1550 Vasari atribuiu a uma pintura de Leonardo o nome de Gioconda, identificando a personagem como sendo Lisa Gherardini, mulher do mercador florentino Francesco del Giocondo, embora sem qualquer prova documental. No entanto só em 1625, Cassiano del Pozzo identificou esta pintura com o retrato da Gioconda descrito por Vasari. Apesar de esta teoria ter sido posta em causa, é geralmente aceite que este quadro é o retrato de uma dama florentina, no qual Leonardo trabalhava durante os últimos anos de vida, quando residia em França

Tal como todos os quadros de Leonardo da Vinci, esta pintura foi realizada sobre tábua (embora em Itália fosse já frequente a utilização de suportes em tela, desde o início da carreira do artista). Abandonando a têmpera, o pintor utilizou tintas de óleo que lhe permitiram aplicar, tanto na figura como na paisagem, um processo expressivo conhecido por sfumato (esfumado). Este processo consistia na modelação das formas através de gradações delicadas de luz e sombra, obtidas pela mistura suave dos tons e das cores e pela diluição dos contornos, criando uma atmosfera velada e difusamente iluminada. 

O grande rigor, perfeição e meticulosidade da representação de todos os elementos contidos no quadro foram suportados pelo aprofundado conhecimento da realidade (possibilitada pelo espírito analítico e científico de Leonardo) e pela observação cuidada dos fenómenos e dos objetos que pintou.
O quadro "Mona Lisa" encontra-se exposto no Museu do Louvre em Paris. (Daqui)

"Rosas e Cantigas" - Poema de Afonso Duarte


Albert Lynch (1851-1912), Fresh from the garden, Private collection



Rosas e Cantigas


Eu hei de despedir-me desta lida,
rosas? – Árvores, hei de abrir-vos covas
e deixar-vos ainda quando novas?
Eu posso lá morrer, terra florida!

A palavra de Deus é a mais sentida
deste meu coração cheio de trovas...
Só bens me dê o céu! Eu tenho provas
que não há bem que pague o desta vida.

E os cravos, manjerico e limonete,
oh, que perfume dão às raparigas!
Que lindos são nos seios do corpete!

Como és, nuvem dos céus, água do mar,
flores que eu trato, rosas e cantigas,
cá, do outro mundo, me fareis voltar.


Afonso Duarte


Albert Lynch, Gathering flowers


“Uma coletânea de pensamentos é como uma farmácia moral onde se encontram remédios para todos os males.”

(Voltaire)

Maria Bethânia - Salvem as folhas"

domingo, 14 de agosto de 2011

"Menino" - Poema de Manuel da Fonseca


 
Margarita Sikorskaia (St. Petersburg, Russia, 1968), Image of a Mother 



Menino 


No colo da mãe 
a criança vai e vem 
vem e vai 
balança. 
Nos olhos do pai 
nos olhos da mãe 
vem e vai 
vai e vem 
a esperança. 

Ao sonhado 
futuro 
sorri a mãe 
sorri o pai. 
Maravilhado 
o rosto puro 
da criança 
vai e vem 
vem e vai 
balança. 

De seio a seio 
a criança 
em seu vogar 
ao meio 
do colo-berço 
balança. 

Balança 
como o rimar 
de um verso 
de esperança. 

Depois quando 
com o tempo 
a criança 
vem crescendo 
vai a esperança 
minguando. 
E ao acabar-se de vez 
fica a exata medida 
da vida 
de um português. 

Criança 
portuguesa 
da esperança 
na vida 
faz certeza 
conseguida. 
Só nossa vontade 
alcança 
da esperança 
humana realidade.
 

in "Poemas para Adriano"


Margarita Sikorskaia, Image of a Father
 

sábado, 13 de agosto de 2011

"Pobre Velha Música!" - Poema de Fernando Pessoa


William Breakspeare, The Alluring Student


Pobre Velha Música!


Pobre velha música! 
Não sei por que agrado, 
Enche-se de lágrimas 
Meu olhar parado. 

Recordo outro ouvir-te, 
Não sei se te ouvi 
Nessa minha infância 
Que me lembra em ti. 

Com que ânsia tão raiva 
Quero aquele outrora! 
E eu era feliz? Não sei: 
Fui-o outrora agora. 


in "Cancioneiro"


sexta-feira, 12 de agosto de 2011

"Tenho a vida feita num novelo" - Poema de Helga Moreira

Silva Porto, Moinho do Estevão, Alcochete, 1887


Tenho a vida feita num novelo


Tenho a vida feita num novelo,
não pertenço a lado nenhum,
não tenho
país ou terra, nenhuma raiz,
nem escolhas ou nome,
nada a dizer, nada a calar,

nem harmonias ou crenças
nem desígnios.

Uma linha apenas
num mar de mós
sem moinhos.


Helga Moreira
,
Os dias todos assim, & etc., 1996, pág. 85 (daqui)


Silva Porto, Cancela de Serreleis, Minho, 1891. Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves
 
 

Música de Portugal

Portugal é internacionalmente conhecido pela sua tradição folclórica, em grande medida assente no Fado e nos estilos musicais dele derivados. Sendo este o género musical que melhor caracteriza o espírito português e que está diretamente relacionado e é consequência da sua história e raízes culturais, tem-se observado uma recente expansão em diversos estilos musicais, como o rock ou o hip-hop
A história da música portuguesa no século XX (principalmente a segunda metade), pode ser divida no período que antecede a revolução de 25 de Abril e pós-revolução.

Durante o Estado Novo, a música portuguesa era muito influenciada pelo concurso televisivo da RTP, Festival RTP da Canção, a que se caracterizou por Nacional-cançonetismo, devido à clara influência do Estado nos temas abordados. Simone de Oliveira é um dos muitos nomes.
No lado oposto, desenvolveu-se a música de intervenção, com o intuito de criticar o Estado Novo e chamar a atenção do povo. Sérgio GodinhoJosé Mário Branco e Zeca Afonso são três de muitos músicos que ficaram conhecidos.
No entanto, já desde o final da década de 1950 que se fazia Rock em Portugal. Joaquim Costa, Os Babies (de José Cid), Os Conchas e Daniel Bacelar são alguns dos pioneiros.
Na década seguinte, anos de surf e yé-yé, o Conjunto Mistério, Victor Gomes e os Gatos Negros, Os Titãs são alguns dos nomes que, juntamente com o Conjunto Académico João Paulo, Os Ekos, Quinteto Académico, Jets, os Sheiks e os Chinchilas marcaram essa década.
A entrar na década de 1970, a semelhança da música de intervenção o rock também fica mais politizado como se pode ouvir nos discos dos Quarteto 1111, Steamer's, Filarmónica Fraude, Banda do Casaco, entre outros.


Se a Amália ainda é o nome mais conhecido na música portuguesa, na década de 1980 surgem bandas seminais para o enriquecimento da cultura musical portuguesa, como por exemplo os Heróis do Mar, os Sétima Legião, os GNR e os Madredeus. O Fado começa também a sua transformação e continua a evoluir muito também, no sentido de se tornar o Fado que conhecemos hoje, praticado por artistas como Camané ou Mariza.
Hoje em dia existem também bandas e/ou artistas musicais contemporâneos que dão contributos culturais muito significativos em todos os estilos e formas de música, do rock-canção, com os Ornatos Violeta, à canção pop, com os Clã, ao Black/Gothic/Folk/Heavy Metal, com os Moonspell, ao Hip-Hop falado em português, com Sam the Kid ou Valete, da fusão Rock–Hip-Hop, do qual são exemplo os Da Weasel, no Rock, Soul e Blues, dos quais os Wraygunn são um exemplo perfeito, ao Jazz e à música de dança, com os Buraka Som Sistema. A música tradicional mantém-se popular, embora tendo sido modernizada, especialmente na região de Trás-os-Montes.
Na década de 1990, embora já existisse música do género, é cunhado o termo Música Pimba, a partir de uma canção de Emanuel, para se referir a um tipo música ligeira com expressões de duplo sentido, muitas vezes sexuais, com Quim Barreiros um dos nomes mais conhecidos. (daqui)

Amália Rodrigues - "Estranha forma de vida" (1965)

"Menina dos olhos de água" - Poema de Pedro Barroso


Pierre-Auguste Renoir, Young woman braiding her hair, 1876
 


Menina dos olhos de água


Menina em teu peito sinto o Tejo
e vontades marinheiras de aproar
menina em teus lábios sinto fontes
de água doce que corre sem parar

Menina em teus olhos vejo espelhos
e em teus cabelos nuvens de encantar
e em teu corpo inteiro sinto o feno
rijo e tenro que nem sei explicar

Se houver alguém que não goste
não gaste - deixe ficar
que eu só por mim quero-te tanto
que não vai haver menina p'ra sobrar

Aprendi nos "Esteiros" com Soeiro
aprendi na "Fanga" com Redol
tenho no rio grande o mundo inteiro
e sinto o mundo inteiro no teu colo

Aprendi a amar a madrugada
que desponta em mim quando sorris
és um rio cheio de água levada
e dás rumo à fragata que escolhi

Se houver alguém que não goste
não gaste - deixe ficar...
que eu só por mim quero-te tanto
que não vai haver menina p'ra sobrar


Pedro Barroso




"Menina dos Olhos de Água" - Pedro Barroso

(Música e letra de Pedro Barroso, in álbum "Cantos da borda d'água" 1985)