segunda-feira, 8 de agosto de 2011

"Liberdade " - Poema de Fernando Pessoa


Nancy Bea Miller, On the Floor (daqui)



Liberdade 


Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura. 

O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa... 

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma. 

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não! 

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca... 

s. d.

Fernando Pessoa, Poesias.
Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995).

(1ª publ. in Seara Nova, nº 526. Coimbra: 11-9-1937.)
 

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