Rosalba Carriera (Italian, 1675 - 1757), Self-Portrait as Winter,
circa 1730-1731
Manhã cinzenta
Ai madrugada pálida e sombria
Em que deixei a casa dos meus pais...
E aquele adeus que a voz do mar trazia
Dum lenço branco, a acenar no cais...
O meu veleiro – era de espuma fria –
Levava-o o furor dos vendavais.
À passagem gritavam-me: onde vais?
Mas só o meu veleiro respondia.
Cruzei o mar em direcções diferentes.
Por quantas terras fui, por quantas gentes,
Nesta longa viagem que não finda.
Só uma estrada resta – mais nenhuma:
Na ilha que o passado envolve em bruma,
Um lenço branco que me acena ainda...
Rosalba Carriera, An Allegorical Figure of a Young Woman
Wearing a Laurel Crown
No ponto onde o silêncio e a solidão
Se cruzam com a noite e com o frio,
Esperei como quem espera em vão,
Tão nítido e preciso era o vazio.
Rosalba Carriera, A Muse, 1725
Musa
Aqui me sentei quieta
Com as mãos sobre os joelhos
Quieta muda secreta
Passiva como os espelhos
Musa ensina-me o canto
Imanente e latente
Eu quero ouvir devagar
O teu súbito falar
Que me foge de repente.
Rosalba Carriera, A Nymph of Apollo, 1721
Níobre transformada em fonte
(adaptado de Ovídio)
Os cabelos embora o vento passe
Já não se agitam leves. O seu sangue,
Gelando, já não tinge a sua face.
Os olhos param sob a fonte aflita.
Já nada nela vive nem se agita,
Os seus pés já não podem formar passos,
Lentamente as entranhas endurecem
E até os gestos gelam nos seus braços.
Mas os olhos de pedra não esquecem.
Subindo do seu corpo arrefecido,
Lágrimas lentas rolam pela face,
Lentas rolam, embora o tempo passe.
Rosalba Carriera, Apollo, c.1740-1746
Os poetas
Solitários pilares dos céus pesados,
Poetas nus em sangue, ó destroçados
Anunciadores do mundo
Que a presença das coisas devastou.
Gesto de forma em forma vagabundo
Que nunca num destino se acalmou.
Natasha Bedingfield - Unwritten
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