sábado, 17 de março de 2012

"Minha alma é triste" - Poema de Casimiro de Abreu


Maximilien Luce (1858 -1941), Man Washing, 1887
 


Minha alma é triste


Minh'alma é triste como a rola aflita 
Que o bosque acorda desde o alvor da aurora, 
E em doce arrulo que o soluço imita 
O morto esposo gemedora chora. 

E, como a rola que perdeu o esposo, 
Minh'alma chora as ilusões perdidas, 
E no seu livro de fanado gozo 
Relê as folhas que já foram lidas. 

E como notas de chorosa endeixa 
Seu pobre canto com a dor desmaia, 
E seus gemidos são iguais à queixa 
Que a vaga solta quando beija a praia. 

Como a criança que banhada em prantos 
Procura o brinco que levou-lhe o rio, 
Minha'alma quer ressuscitar nos cantos 
Um só dos lírios que murchou o estio. 

Dizem que há, gozos nas mundanas galas, 
Mas eu não sei em que o prazer consiste. 
— Ou só no campo, ou no rumor das salas, 
Não sei porque — mas a minh'alma é triste! 

Minh'alma é triste como a voz do sino 
Carpindo o morto sobre a laje fria; 
E doce e grave qual no templo um hino, 
Ou como a prece ao desmaiar do dia. 

Se passa um bote com as velas soltas, 
Minh'alma o segue n'amplidão dos mares; 
E longas horas acompanha as voltas 
Das andorinhas recortando os ares. 

Às vezes, louca, num cismar perdida, 
Minh'alma triste vai vagando à toa, 
Bem como a folha que do sul batida 
Bóia nas águas de gentil lagoa! 

E como a rola que em sentida queixa 
O bosque acorda desde o albor da aurora, 
Minha'alma em notas de chorosa endeixa 
Lamenta os sonhos que já tive outrora. 

Dizem que há gozos no correr dos anos!... 
Só eu não sei em que o prazer consiste. 
— Pobre ludíbrio de cruéis enganos, 
Perdi os risos — a minh'alma é triste! 

Minh'alma é triste como a flor que morre 
Pendida à beira do riacho ingrato; 
Nem beijos dá-lhe a viração que corre, 
Nem doce canto o sabiá do mato! 

E como a flor que solitária pende 
Sem ter carícias no voar da brisa, 
Minh'alma murcha, mas ninguém entende 
Que a pobrezinha só de amor precisa! 

Amei outrora com amor bem santo 
Os negros olhos de gentil donzela, 
Mas dessa fronte de sublime encanto 
Outro tirou a virginal capela. 

Oh! quantas vezes a prendi nos braços! 
Que o diga e fale o laranjal florido! 
Se mão de ferro espedaçou dois laços 
Ambos choramos mas num só gemido! 

Dizem que há gozos no viver d'amores, 
Só eu não sei em que o prazer consiste! 
— Eu vejo o mundo na estação das flores 
Tudo sorri — mas a minh'alma é triste! 

Minh'alma é triste como o grito agudo 
Das arapongas no sertão deserto; 
E como o nauta sobre o mar sanhudo, 
Longe da praia que julgou tão perto! 

A mocidade no sonhar florida 
Em mim foi beijo de lasciva virgem: 
— Pulava o sangue e me fervia a vida, 
Ardendo a fronte em bacanal vertigem. 

De tanto fogo tinha a mente cheia!... 
No afã da glória me atirei com ânsia... 
E, perto ou longe, quis beijar a sereia 
Que em doce canto me atraiu na infância. 

Ai! loucos sonhos de mancebo ardente! 
Esperanças altas... Ei-las já tão rasas!... 
— Pombo selvagem, quis voar contente... 
Feriu-me a bala no bater das asas! 

Dizem que há gozos no correr da vida... 
Só eu não sei em que o prazer consiste! 
— No amor, na glória, na mundana lida, 
Foram-se as flores — a minh'alma é triste!


Casimiro de Abreu (1839-1860), poeta romântico brasileiro.
 


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“As bibliotecas são fascinantes: às vezes parece-nos estar sob a marquise de uma estação ferroviária e, consultando livros sobre terras exóticas, tem-se a impressão de viajar a paragens longínquas”. - Umberto Eco

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