sábado, 3 de março de 2012

"Um dia Puro" - Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen


Johan Krouthén (Swedish artist, 1858-1932), Three women reading in a summer landscape, 1908 
 


Um Dia Puro

 
Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas. 


Sophia de Mello Breyner Andresen 
 

 Johan Krouthén, Summer landscape with wandering children, 1913 
 


Degraus

Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos – onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo…


Mário Quintana



  Johan Krouthén, The old bridge, 1921
 

Livre não sou 

Livre não sou,
que nem a própria vida
mo consente.
Mas a minha aguerrida
teimosia
é quebrar dia a dia
um grilhão da corrente.
 

Miguel Torga 


Poeminha do Contra

E todos esses que aí estão
Atravancando o meu caminho
Eles passarão...
Eu, passarinho!
 



 

Inocência 

Hei de morrer inocente
exatamente
como nasci.
Sem nunca ter descoberto
o que há de falso ou de certo
no que vi.

Entre mim e a Evidência
paira uma névoa cinzenta.
Uma forma de inocência,
que apoquenta.

Mais que apoquenta:
enregela
como um gume
vertical.
E uma espécie de ciúme
de não poder ver igual.


António Gedeão


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