Paula Rego, Dança Avestruzes, 1995
Rosto
Rosto nu na luz directa.
Rosto suspenso, despido e permeável,
Osmose lenta.
Boca entreaberta como se bebesse,
Cabeça atenta.
Rosto desfeito,
Rosto sem recusa onde nada se defende,
Rosto que se dá na dúvida do pedido,
Rosto que as vozes atravessam.
Rosto derivando lentamente,
Pressentindo que os laranjais segredam,
Rosto abandonado e transparente
Que as negras noites de amor em si recebem
Longos raios de frio correm sobre o mar
Em silêncio ergueram-se as paisagens
E eu toco a solidão como uma pedra.
Rosto perdido
Que amargos ventos de secura em si sepultam
E que as ondas do mar puríssimas lamentam.
Pinturas de Paula Rego
(Série "Avestruzes Bailarinas") -1995
(Série "Avestruzes Bailarinas") -1995
As Avestruzes Bailarinas
(Sobre uma pintura de Paula Rego)
Perderam no ovo
a memória do voar.
As avestruzes.
Têm desejos aerodinâmicos.
Dormem numa febre de sentir
encostando ao peito
o mecânico ruído de turbinas
hélices
motores.
Têm sonhos que nunca confessarão
nem sequer à própria sombra.
Aspiram soluçando à forma das fuselagens.
Perderam no ovo a inclinação
à travessia das nuvens.
Vão dançar a noite inteira
procurando tristemente a memória
de uma estrela de um cometa
ou de uma asa.
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