quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

"Um Homem que está no meio da entreaberta porta" - Poema de Ana Hatherly


Laurits Andersen Ring, Old man walking in a rye field, 1905



Um Homem


um homem que está 
no meio da entreaberta porta 
apenas não fechada ainda 
ou já 
está 
entrando ou saindo dela 
já 
lividamente ou putrefacto 
já 
um homem está 
na entreaberta 
entretanto 
porta 
apenas não fechada ainda 
ou já 
 
 
in "Um Calculador de Improbabilidades"


The Painter L. A. Ring, 1901, by Knud Erik Larsen
 

L. A. Ring (Laurits Andersen Ring, dinamarquês, 1854-1933) foi um dos principais pintores dinamarqueses da virada do século 20 e pioneiro do simbolismo e realismo social na Dinamarca. 
Considerada uma das obras-primas da cultura dinamarquesa, a sua pintura "Summer Day by Roskilde Fjord" foi incluída em 2006 na Danish Culture Canon.


Laurits Andersen Ring, "Summer Day by Roskilde Fjord", 1900


Laurits Andersen Ring, In the Garden Doorway, The Artist's Wife, 1897


Laurits Andersen Ring, At Breakfast, 1898. The painter's wife, Sigrid Kähler


Laurits Andersen Ring


Laurits Andersen Ring


Laurits Andersen Ring, On the Way to Church, ca.1919


Laurits Andersen Ring


Laurits Andersen Ring, 1898 


Laurits Andersen Ring, Fenced in Pastures by a Farm with a Stork’s Nest on the Roof, 1903,
 

Laurits Andersen Ring, Estrada perto de Maagenstrup, 1888


Laurits Andersen Ring, Rua da vila em Baldersbrønde, 1905


Laurits Andersen Ring, The Railroad guard, 1884, Nationalmuset
 

Laurits Andersen Ring, Harvest, 1885, The National Gallery of Denmark


Laurits Andersen Ring, Waiting for the Train. Level Crossing by Roskilde Highway, 1914, 


Laurits Andersen Ring, Arbejdere ved en vandledning ved Søndersø, 1901,  


Laurits Andersen Ring


Laurits Andersen Ring, 1927


Laurits Andersen Ring

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

"Pó" - Poema de Pedro Mexia


Camille Engel, Oil Painting




Nas estantes os livros ficam
(até se dispersarem ou desfazerem)
enquanto tudo
passa. O pó acumula-se
e depois de limpo
torna a acumular-se
no cimo das lombadas.
Quando a cidade está suja
(obras, carros, poeiras)
o pó é mais negro e por vezes
espesso. Os livros ficam,
valem mais que tudo,
mas apesar do amor
(amor das coisas mudas
que sussurram)
e do cuidado doméstico
fica sempre, em baixo,
do lado oposto à lombada,
uma pequena marca negra
do pó nas páginas.
A marca faz parte dos livros.
Estão marcados. Nós também.


Pedro Mexia, in "Duplo Império"


Pedro Mexia 
Pedro Mexia, n. 1972
Poeta / Cronista / Crítico Literário


Galeria de Camille Engel
Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

"Rústica" - Poema de Florbela Espanca





Rústica


Ser a moça mais linda do povoado. 
Pisar, sempre contente, o mesmo trilho, 
Ver descer sobre o ninho aconchegado 
A bênção do Senhor em cada filho. 

Um vestido de chita bem lavado, 
Cheirando a alfazema e a tomilho... 
Com o luar matar a sede ao gado, 
Dar às pombas o sol num grão de milho... 

Ser pura como a água da cisterna, 
Ter confiança numa vida eterna 
Quando descer à "terra da verdade"... 

Deus, dai-me esta calma, esta pobreza! 
Dou por elas meu trono de Princesa, 
E todos os meus Reinos de Ansiedade. 


Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"


Galeria de Camille Engel
Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel


"Caminharemos de olhos deslumbrados" - Poema de Ary dos Santos


Artist Camille Engel (Biography) – Contemporary Realist Oil 



Caminharemos de olhos deslumbrados


Caminharemos de olhos deslumbrados
E braços estendidos
E nos lábios incertos levaremos
O gosto a sol e a sangue dos sentidos.

Onde estivermos, há-de estar o vento
Cortado de perfumes e gemidos.
Onde vivermos, há-de ser o templo
Dos nossos jovens dentes devorando
Os frutos proibidos.

No ritual do verão descobriremos
O segredo dos deuses interditos
E marcados na testa exaltaremos
Estátuas de heróis castrados e malditos.

Ó deus do sangue! deus de misericórdia!
Ó deus das virgens loucas
Dos amantes com cio,
Impõe-nos sobre o ventre as tuas mãos de rosas,
Unge os nossos cabelos com o teu desvario!

Desce-nos sobre o corpo como um falus irado,
Fustiga-nos os membros como um látego doido,
Numa chuva de fogo torna-nos sagrados,
Imola-nos os sexos a um arcanjo loiro.

Persegue-nos, estonteia-nos, degola-nos, castiga-nos,
Arranca-nos os olhos, violenta-nos as bocas,
Atapeta de flores a estrada que seguimos
E carrega de aromas a brisa que nos toca.

Nus e ensanguentados dançaremos a glória
Dos nossos esponsais eternos com o estio
E coroados de apupos teremos a vitória
De nos rirmos do mundo num leito vazio.


 Ary dos Santos, in 'Liturgia do Sangue'
 


Galeria de Camille Engel
Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel


Camille Engel