quinta-feira, 2 de março de 2023

"Eu e meu poema" - Poema de Moacyr Félix


 
Charles Angrand (French, 1854–1926), Le peintre en plein air, 1881



Eu e meu poema


Aranha, o trágico enreda. Atónito, o mundo
não é mais o nosso lar: as coisas e o seu avesso
não dão mais o ser, somente o estar.

A planta, ereta, cresce com a sua certeza.
E eu, o homem, nem sei a minha natureza.
Assim crescemos juntos, em modos desiguais:

ela, serena e sem erros, a ouvir a Terra em suas raízes
e eu, solto no espaço em que me crio de abismos
em cada rosto que indago ou em cada chão que repiso.

Navegando em mar sem água, o meu poema flutua
entre os buracos do tempo milenar como se fosse
a flor de uma planta que até agora nunca existiu.


Moacyr Félix, in "Em Nome da Vida", 1981



Sem comentários: