Enrique Casanova (Pintor aguarelista espanhol, 1850-1913),
Santuário do Bom Jesus de Braga, s.d.
A Poesia
Santuário do Bom Jesus de Braga, s.d.
A Poesia
Vou cantar; foi minha sina
Cantando levar a dor:
Hei de cumpri-la. É divina
A missão do trovador.
Quis-me Deus por seu profeta,
Fadou-me, fez-me poeta,
Deu-me este mago condão;
Não hei de mentir à lira,
Nem envolver na mentira
As vozes do coração.
Não hei de, que a poesia
Dentro d’alma me nasceu,
Tão casta como a sentia
Cantando levar a dor:
Hei de cumpri-la. É divina
A missão do trovador.
Quis-me Deus por seu profeta,
Fadou-me, fez-me poeta,
Deu-me este mago condão;
Não hei de mentir à lira,
Nem envolver na mentira
As vozes do coração.
Não hei de, que a poesia
Dentro d’alma me nasceu,
Tão casta como a sentia
A namorada Dirceu.
Tão pura como desliza
Das palavras d’Heloísa
A descrever Abeilard;
Tão robusta, tão provada,
Como contam da espada
Do Camões – a guerrear!
Brotou-me puro e singelo
O meu singelo trovar,
Como nasce o lírio belo
Sem cultura à beira-mar.
Nunca teve outro cimento,
Que não fosse o sentimento
D’este mundo desleal;
Nunca teve outra alegria,
Senão em sonhar um dia
Venturas a Portugal.
Cantei em trovas sentidas,
Como cantou Bernardim,
Todas as juras mentidas
Que me fizeram a mim!
Fui poeta dos amores;
Com os demais trovadores
Uns lindos olhos cantei;
Como o Tasso desprezado,
Ainda não sei, coitado!
Como à vida me voltei!
Mas voltei; tinha saudades
Da minha terra infeliz,
Esqueceram-me as maldades
D’esta nova Beatriz.
Tinha prisões mais doiradas:
Eram as crenças herdadas
Da minha terra natal;
Eram os contos viçosos,
Noutros tempos mais ditosos,
Contados de Portugal.
Era tudo o que no peito
Sente quem tem coração;
Era temporal desfeito
De saudades e de paixão.
Ao amor faziam guerra
As lembranças desta terra,
Em que vi, gozei a luz;
Em que, pela vez primeira,
Tive crença verdadeira
Na santa lei de Jesus.
Nascera-me dentro d’alma
Um mais forte e puro amor.
Que a todos levava a palma,
Que tinha maior valor.
Eram cantos decorados,
Dos altos feitos, marcados
Com o cunho português;
Eram as quinas erguidas,
Nas arestas denegridas
De Ceilão, Ormuz e Fez!
De novo voltei à vida,
Saudei o luso pendão,
Numa lágrima nascida
Do fundo do coração!
Chorei o tempo perdido
Nesse amor estremecido,
Que me fora tão cruel;
Chorei antigos delitos,
Como outrora esses proscritos
Sobre a terra d’Israel!
Chorei o ter-me esquecido
De tudo o que Deus mandou,
Que fosse no mundo tido
Como Ele o ensinou!
Chorei sobre a liberdade,
Que nos braços da beldade
Por pouco que não morreu;
Chorei tudo, chorei tanto,
Que pude com o meu pranto
Lavar o delito meu.
Desde então a minha terra
Foi só tudo para mim;
As crenças que o peito encerra,
Depôr-lhas aos pés eu vim.
Nunca mais a minha lira
Se adornou de vã mentira
Dum falso mentido amor;
Ergui-me de pé – altivo,
Depus ferros de cativo
Por honra do trovador.
Sou um poeta soldado,
Não sei à missão mentir;
Neste canto magoado,
Disse tudo sem fingir.
Poeta da liberdade,
Fiz desta, nova deidade
A dama do meu pensar;
Prostrei-me aos pés da donzela,
Hei de com ela, e por ela,
A minha terra cantar!
Hei de, sim, que as rudes falas
De soldado as pus aqui;
Mentiras que são das salas,
Nunca eu as traduzi.
Não as sei – nem que soubera,
Nestes versos as pusera,
Que todos verdades são;
Nem tem lugar a mentira,
Traduzindo aqui na lira
As vozes do coração!
Luís Augusto Palmeirim,
Tão pura como desliza
Das palavras d’Heloísa
A descrever Abeilard;
Tão robusta, tão provada,
Como contam da espada
Do Camões – a guerrear!
Brotou-me puro e singelo
O meu singelo trovar,
Como nasce o lírio belo
Sem cultura à beira-mar.
Nunca teve outro cimento,
Que não fosse o sentimento
D’este mundo desleal;
Nunca teve outra alegria,
Senão em sonhar um dia
Venturas a Portugal.
Cantei em trovas sentidas,
Como cantou Bernardim,
Todas as juras mentidas
Que me fizeram a mim!
Fui poeta dos amores;
Com os demais trovadores
Uns lindos olhos cantei;
Como o Tasso desprezado,
Ainda não sei, coitado!
Como à vida me voltei!
Mas voltei; tinha saudades
Da minha terra infeliz,
Esqueceram-me as maldades
D’esta nova Beatriz.
Tinha prisões mais doiradas:
Eram as crenças herdadas
Da minha terra natal;
Eram os contos viçosos,
Noutros tempos mais ditosos,
Contados de Portugal.
Era tudo o que no peito
Sente quem tem coração;
Era temporal desfeito
De saudades e de paixão.
Ao amor faziam guerra
As lembranças desta terra,
Em que vi, gozei a luz;
Em que, pela vez primeira,
Tive crença verdadeira
Na santa lei de Jesus.
Nascera-me dentro d’alma
Um mais forte e puro amor.
Que a todos levava a palma,
Que tinha maior valor.
Eram cantos decorados,
Dos altos feitos, marcados
Com o cunho português;
Eram as quinas erguidas,
Nas arestas denegridas
De Ceilão, Ormuz e Fez!
De novo voltei à vida,
Saudei o luso pendão,
Numa lágrima nascida
Do fundo do coração!
Chorei o tempo perdido
Nesse amor estremecido,
Que me fora tão cruel;
Chorei antigos delitos,
Como outrora esses proscritos
Sobre a terra d’Israel!
Chorei o ter-me esquecido
De tudo o que Deus mandou,
Que fosse no mundo tido
Como Ele o ensinou!
Chorei sobre a liberdade,
Que nos braços da beldade
Por pouco que não morreu;
Chorei tudo, chorei tanto,
Que pude com o meu pranto
Lavar o delito meu.
Desde então a minha terra
Foi só tudo para mim;
As crenças que o peito encerra,
Depôr-lhas aos pés eu vim.
Nunca mais a minha lira
Se adornou de vã mentira
Dum falso mentido amor;
Ergui-me de pé – altivo,
Depus ferros de cativo
Por honra do trovador.
Sou um poeta soldado,
Não sei à missão mentir;
Neste canto magoado,
Disse tudo sem fingir.
Poeta da liberdade,
Fiz desta, nova deidade
A dama do meu pensar;
Prostrei-me aos pés da donzela,
Hei de com ela, e por ela,
A minha terra cantar!
Hei de, sim, que as rudes falas
De soldado as pus aqui;
Mentiras que são das salas,
Nunca eu as traduzi.
Não as sei – nem que soubera,
Nestes versos as pusera,
Que todos verdades são;
Nem tem lugar a mentira,
Traduzindo aqui na lira
As vozes do coração!
Luís Augusto Palmeirim,
(01/02/1849)
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