Columbano Bordalo Pinheiro (Pintor naturalista e realista português, 1857 - 1929),
Camões e as Tágides, 1894, Museu Grão Vasco, Viseu
[Luís de Camões (Lisboa[?], 1524 ou 1525 – Lisboa, 10 de junho de 1580) foi um poeta português, considerado uma das maiores figuras da literatura lusófona e um dos grandes poetas da tradição ocidental. A sua literatura envolvia poesias tanto líricas quanto épicas, além de
peças teatrais. Foi responsável por obras muito conhecidas, tais como: “Os Lusíadas”, que é considerada uma obra-prima. A 10 de junho, comemora-se o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.]
A Camões
Ai do que a sorte assinalou no berço
Inspirado cantor, rei da harmonia!
Ai do que Deus às gerações envia
Dizendo – vai, padece, é teu fadário;
Como um astro brilhante o mundo o admira,
Mas não vê que essa chama abrasadora
Que o cerca d'esplendor, também devora
Seu peito solitário.
Pairar nos céus em alteroso adejo,
Buscando amor, e vida, e luz, e glórias;
E ver passar, quais sombras ilusórias,
Essas imagens de fulgor divino:
Tais os vossos destinos, ó poetas,
Almas de fogo, que um vil mundo encerra;
Tal foi, grande Camões, tal foi na terra
Teu mísero destino.
A cruz levaste desde o berço à campa:
Esgotaste a amargura até às fezes:
Parece que a fortuna em seus revezes
Te mediu pelo génio a desventura.
Combateste com ela como o cedro
Que provoca o rancor da tempestade,
Mas cuja inabalável majestade
Lhe resiste segura.
Foste grande na dor como na lira!
Quem soube mais sofrer, quem sofreu tanto?
Um anjo viste de celeste encanto,
E aos pés caíste da visão querida...
Engano! foi um astro passageiro,
Foi uma flor de perfumado alento
Que ao longe te sorriu, mas que sedento
Jamais colheste em vida.
Sob a couraça que cingiste ao peito
Do peito ansioso sufocaste a chama,
E foste ao longe procurar a fama,
Talvez, quem sabe? procurar a morte.
Mas, qual onda que o náufrago arremessa
Sobre inóspita praia sem guarida,
A morte crua te arrojou a vida,
E as injúrias da sorte.
De praia em praia divagando incerto
Tuas desditas ensinaste ao mundo:
A terra, os homens, até o mar profundo
Conspirados achavas em teu dano.
Ave canora em solidão gemendo,
Tiveste o génio por algoz ferino:
Teu alento imortal era divino,
Perdeste em ser humano:
Índicos vales, solidões do Ganges,
E tu, ó gruta de Macau, sombria,
Vós lhe ouvistes as queixas, e a harmonia
Desses hinos que o tempo não consome.
Foi lá, nessa rocha solitária,
Que o vate desterrado e perseguido,
À pátria, ingrata, que lhe dera o olvido,
Deu eterno renome.
"Cantemos!" disse, e triunfou da sorte.
"Cantemos!" disse, e recordando glórias,
Sobre o mesmo teatro das vitórias,
Bardo guerreiro, levantou seus hinos.
Os desastres da pátria, a sua queda,
Temendo já no meditar profundo,
Quis dar-lhe a voz do cisne moribundo
Em seus cantos divinos.
E que sentidos cantos! d'Inês triste
Se ouve mais triste o derradeiro alento,
Ensinando o que pode o sentimento
Quando um seio que amou d'amores canta:
No brado heróico da guerreira tuba
O valor português soa tremendo,
E o fero Adamastor com gesto horrendo
Inda hoje o mundo espanta!
Mas ai! a pátria não lhe ouvia o canto!
Da pátria e do cantor findava a sorte:
Aos dois juraram perdição e morte,
E os dois juntaram na mansão funérea...
Ingratos! ao que, alçando a voz do génio
Além dos astros nos erguera um sólio,
Decretaram por louro e capitólio
O leito da miséria!
Ninguém o pranto lhe enxugou piedoso...
Valeu-lhe o seu escravo, o seu amigo:
"Dai esmola a Camões, dai-lhe um abrigo!"
Dizia o triste a mendigar confuso!
Homero, Ovídio, Tasso, estranhos cisnes,
Vós, que sorvestes do infortúnio a taça,
Vinde depor as c'roas da desgraça
Aos pés do cisne luso!
Mas não tardava o derradeiro instante...
O raio ardente, que fulmina a rocha,
Também a flor que nela desabrocha,
Cresta, passando, coas etéreas lavas!
Que cena! enquanto ao longe a pátria exangue
Aos alfanges mouriscos dava o peito,
De mísero hospital num pobre leito,
Camões, tu expiravas!
Oh! quem me dera desse leito à beira
Sondar teu grande espírito nessa hora,
Por saber, quando a mágoa nos devora,
Que dor pode conter um peito humano;
Palpar teu seio, e nesse estreito espaço
Sentir a imensidade do tormento,
Combatendo-te n'alma, como o vento,
Nas ondas do Oceano!
Ai do que a sorte assinalou no berço
Inspirado cantor, rei da harmonia!
Ai do que Deus às gerações envia
Dizendo – vai, padece, é teu fadário;
Como um astro brilhante o mundo o admira,
Mas não vê que essa chama abrasadora
Que o cerca d'esplendor, também devora
Seu peito solitário.
Pairar nos céus em alteroso adejo,
Buscando amor, e vida, e luz, e glórias;
E ver passar, quais sombras ilusórias,
Essas imagens de fulgor divino:
Tais os vossos destinos, ó poetas,
Almas de fogo, que um vil mundo encerra;
Tal foi, grande Camões, tal foi na terra
Teu mísero destino.
A cruz levaste desde o berço à campa:
Esgotaste a amargura até às fezes:
Parece que a fortuna em seus revezes
Te mediu pelo génio a desventura.
Combateste com ela como o cedro
Que provoca o rancor da tempestade,
Mas cuja inabalável majestade
Lhe resiste segura.
Foste grande na dor como na lira!
Quem soube mais sofrer, quem sofreu tanto?
Um anjo viste de celeste encanto,
E aos pés caíste da visão querida...
Engano! foi um astro passageiro,
Foi uma flor de perfumado alento
Que ao longe te sorriu, mas que sedento
Jamais colheste em vida.
Sob a couraça que cingiste ao peito
Do peito ansioso sufocaste a chama,
E foste ao longe procurar a fama,
Talvez, quem sabe? procurar a morte.
Mas, qual onda que o náufrago arremessa
Sobre inóspita praia sem guarida,
A morte crua te arrojou a vida,
E as injúrias da sorte.
De praia em praia divagando incerto
Tuas desditas ensinaste ao mundo:
A terra, os homens, até o mar profundo
Conspirados achavas em teu dano.
Ave canora em solidão gemendo,
Tiveste o génio por algoz ferino:
Teu alento imortal era divino,
Perdeste em ser humano:
Índicos vales, solidões do Ganges,
E tu, ó gruta de Macau, sombria,
Vós lhe ouvistes as queixas, e a harmonia
Desses hinos que o tempo não consome.
Foi lá, nessa rocha solitária,
Que o vate desterrado e perseguido,
À pátria, ingrata, que lhe dera o olvido,
Deu eterno renome.
"Cantemos!" disse, e triunfou da sorte.
"Cantemos!" disse, e recordando glórias,
Sobre o mesmo teatro das vitórias,
Bardo guerreiro, levantou seus hinos.
Os desastres da pátria, a sua queda,
Temendo já no meditar profundo,
Quis dar-lhe a voz do cisne moribundo
Em seus cantos divinos.
E que sentidos cantos! d'Inês triste
Se ouve mais triste o derradeiro alento,
Ensinando o que pode o sentimento
Quando um seio que amou d'amores canta:
No brado heróico da guerreira tuba
O valor português soa tremendo,
E o fero Adamastor com gesto horrendo
Inda hoje o mundo espanta!
Mas ai! a pátria não lhe ouvia o canto!
Da pátria e do cantor findava a sorte:
Aos dois juraram perdição e morte,
E os dois juntaram na mansão funérea...
Ingratos! ao que, alçando a voz do génio
Além dos astros nos erguera um sólio,
Decretaram por louro e capitólio
O leito da miséria!
Ninguém o pranto lhe enxugou piedoso...
Valeu-lhe o seu escravo, o seu amigo:
"Dai esmola a Camões, dai-lhe um abrigo!"
Dizia o triste a mendigar confuso!
Homero, Ovídio, Tasso, estranhos cisnes,
Vós, que sorvestes do infortúnio a taça,
Vinde depor as c'roas da desgraça
Aos pés do cisne luso!
Mas não tardava o derradeiro instante...
O raio ardente, que fulmina a rocha,
Também a flor que nela desabrocha,
Cresta, passando, coas etéreas lavas!
Que cena! enquanto ao longe a pátria exangue
Aos alfanges mouriscos dava o peito,
De mísero hospital num pobre leito,
Camões, tu expiravas!
Oh! quem me dera desse leito à beira
Sondar teu grande espírito nessa hora,
Por saber, quando a mágoa nos devora,
Que dor pode conter um peito humano;
Palpar teu seio, e nesse estreito espaço
Sentir a imensidade do tormento,
Combatendo-te n'alma, como o vento,
Nas ondas do Oceano!
O amor da pátria, a ingratidão dos homens,
Natércia, a glória, as ilusões passadas,
Entre as sombras da morte debuxadas,
Em teu pálido rosto já pendido;
E a pátria, oh! e a pátria que exaltaras
Nessas canções d'inspiração profunda,
Exalando contigo moribunda
Seu último gemido!
Expirou! como o nauta destemido,
Vendo a procela que o navio alaga,
E ouvindo em roda no bramir da vaga
D'horrenda morte o funeral presságio,
Aos entes corre que adorou na vida,
Em seguro baixel os põe a nado,
E esquecido de si morre abraçado
Aos restos do naufrágio:
Assim, da pátria que baixava à tumba,
Em cantos imortais salvando a pátria,
E entregando-a dos tempos à memória,
Como em gigante pedestal segura:
"Pátria querida, morreremos juntos!"
Murmurou em acento funerário,
E envolvido da pátria no sudário
Baixou à sepultura.
Quebrando a lousa do feral jazigo,
Portugal ressurgiu, vingando a afronta,
E inda hoje ao mundo sua glória aponta
Dos cantos de Camões no eterno brado;
Mas do vate imortal as frias cinzas
Esquecidas deixou na sepultura,
E o estrangeiro que passa, em vão procura
Seu túmulo ignorado.
Nenhuma pedra ou inscrição ligeira
Recorda o grã cantor... porém calemos!
Silêncio! do imortal não profanemos
Com tributos mortais a alta memória.
Camões, grande Camões; foste poeta!
Eu sei que tua sombra nos perdoa:
Que valem mausoléus antes a coroa
De tua eterna glória?
Soares de Passos, in Poesias
(1ª ed. em 1856)
Retrato de Soares de Passos, publicado em 1860, por Ernesto Biester
Poeta
portuense, expoente máximo do Ultrarromantismo em Portugal, António Augusto Soares de Passos (Porto, 27 de Novembro de 1826 – Porto, 8 de Fevereiro de 1860) nasce no seio da média burguesia comerciante da Invicta. O seu
pai, perseguido durante as guerras civis pelas suas ideias liberais,
vivia largas temporadas escondido e afastado da família, o que teria
marcado o temperamento algo soturno do jovem António Augusto.
Tendo
aprendido francês e inglês durante a juventude, e depois de trabalhar
algum tempo no armazém do pai, ingressa na Universidade de Coimbra, em 1849, para cursar Direito. Aí convive com outros estudantes do Porto, como Alexandre Braga, Silva Ferraz e Aires de Gouveia, com quem fundaria, em 1851, a revista Novo Trovador.
Em 1854, já formado, regressa ao Porto
e, depois de uma passagem pelo Tribunal da Relação e da tentativa
frustrada de obter um lugar de bibliotecário, decide dedicar-se
exclusivamente à literatura, colaborando nos jornais de poesia O Bardo (1852-1854) e A Grinalda (1855-1869) e preparando a edição em volume das suas Poesias
(1856).
Para a sua celebridade contribuiu não apenas a sua imagem de
misantropo e a frequência dos salões portuenses, como também o bom
acolhimento dos críticos (é conhecida a carta de Alexandre Herculano em que o autor de Eurico, o Presbítero
considera Soares de Passos "o primeiro poeta lírico português deste
século").
Morre precocemente aos trinta e quatro anos, vítima da
tuberculose, deixando um livro único onde confluem todas as tendências
do imaginário poético seu contemporâneo. (daqui)
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