quinta-feira, 22 de junho de 2023

"Flor de beleza" - Poema de Gonçalves Dias


John Collier (British painter and writer, 1850-1934), The Sleeping Beauty, 1921,
Oil on canvas, 111.7 x 142.2 cm. Private collection


Flor de beleza

Não vejas!… se a vires… — Eu sei porque o digo:
Tu morres de amor. (Macedo)


Se fosse rainha aquela
Em cuja fronte singela,
Como em tela delicada
Luz da beleza o condão,
Foras rainha adorada;
Mas rainha sedutora,
Que exige preitos numa hora,
E na outra hora adoração.

Foras rainha! e ditosos
Teus vassalos extremosos,
Que ao renderem-te seus preitos
Beijaram-te a nívea mão.
Pedes amor e respeitos!
Quem não ama a formosura,
Quem não respeita a candura
De um sincero coração?

Mas antes que nos curvemos
Ante a beleza que vemos,
Tua angélica bondade
Conquista a nossa afeição:
Não és mulher, mas deidade,
Uma fada sedutora,
Que nos pede amor agora,
Logo mais — adoração.

Quando pois, cheia de graças,
Entre a turba alegre passas,
Entre a turba sequiosa
De beijar-te a nívea mão;
Dizem uns: quanto é formosa!
Eu porém, sei que és mais bela
Nos dotes da alma singela,
Nas prendas do coração.

Passa rápida a beleza,
Como flor que a natureza
Cria em jardim melindroso,
Ou num agreste torrão:
Passa como um som queixoso,
Como felizes instantes,
Como as juras dos amantes,
Como extremos da paixão.

Mas d’alma a vida é mais fina,
Exala essência divina,
Que avigora e fortifica
O dorido coração;
Morto o corpo, ainda fica,
Como em rosal arrancado,
Leve aroma derramado
Dos espaços na extensão.


Gonçalves Dias,
in 'Poesia e prosa completas'
Editora Nova Aguilar, 1998
 
 

Retrato de Gonçalves Dias, c. 1855


Gonçalves Dias

 
Poeta, professor e etnólogo brasileiro, António Gonçalves Dias nasceu a 10 de agosto de 1823, em Caxias, no Maranhão (Brasil).
Filho de um comerciante português e de uma mestiça, Gonçalves Dias partiu, em 1838, para Portugal, onde iniciou, na Universidade de Coimbra, o curso de Direito que concluiu em 1845. Durante esse período, relacionou-se com o grupo de poetas medievistas, que se reunia n'O Trovador, e foi influenciado não só pelos escritores portugueses, como também pelos românticos europeus. Escreveu, em 1843, a "Canção do Exílio", uma das mais conhecidas poesias em língua portuguesa.
Após a conclusão do curso, regressou ao Brasil, ao Maranhão, e partiu, um ano depois, para o Rio de Janeiro, onde exerceu o cargo de professor de Latim e de História do Brasil, no Colégio Pedro II, e fundou também a revista Guanabara, com Macedo e Porto Alegre. Em 1851, partiu para o Norte em missão oficial e, em 1852, casou com Olímpia Carolina da Costa, da qual se separou em 1856.
Entre 1854 e 1858, nomeado para a Secretaria dos Negócios Estrangeiros, viajou pela Europa, em missão oficial de estudos e de pesquisa. Em 1861, regressou ao Brasil, e viajou pelo Norte, no ano seguinte, pelos rios Madeira e Negro, como membro da Comissão Científica de Exploração. Nesse mesmo ano, partiu, de novo, para a Europa, à procura de estações de cura.
A 10 de setembro de 1864, Gonçalves Dias faleceu, vítima do naufrágio do navio "Ville de Boulogne" que tinha partido do Havre em direção ao Brasil e que naufragou próximo do Maranhão (Brasil).
Gonçalves Dias, patrono da cadeira n.º 15 da Academia Brasileira de Letras, publicou várias obras, das quais se destacam: Primeiros Contos (1846); a peça de teatro Leonor de Mendonça (1847); Segundos Cantos e Sextilhas de Frei Antão (1848); Últimos Cantos (1851); Os Timbiras (1857); Dicionário da Língua Tupi (1858) e Obras Póstumas (1868-1869, organizadas por António Henriques Leal). 
Da primeira geração romântica, Gonçalves Dias abordou, num belo e ingénuo lirismo, a saudade, a melancolia, o amor impossível e a religião. O poeta, em apelo ao nacionalismo, dedicou também a sua poesia aos costumes e tradições dos índios brasileiros, que considerava serem os verdadeiros representantes da cultura nacional. (daqui)
 

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